Perigos da floresta amazônica até para os mais experientes: relato sobre a busca por rãs venenosas na Amazônia

Por Germana Barata

A última edição da revista Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases foge do protocolo acadêmico e traz uma história emocionante, ocorrida nos anos 1980, sobre a expedição de zoólogos estrangeiros pela imensa floresta amazônica, um dos biomas mais biodiversos do mundo, na Guiana Francesa.

A procura por minúsculas e poderosas espécies de rãs venenosas acabou mal, mesmo em mãos experientes. A história poderia ter terminado em tragédia não fosse a solidariedade de amigos que não desistiram das buscas, mesmo depois delas terem sido oficialmente encerradas no 12o dia.

O caso foi relatado por Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro do Instituto Oswaldo Cruz e por Christian Roussilhon do Instituto Pasteur e Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França. “Até onde podemos confiar em nossas memórias, conseguimos recontar aqui os fatos tão precisos quanto à época em que tomamos conhecimento (de acordo com nossos registros entre 1983 e 1984) e tentamos, por vezes, imaginar e descrever da melhor forma as emoções e pensamentos do protagonista”, explicam os autores que conheceram os personagens do relato.

A história envolve a amizade entre o experiente guia (ou mateiro) Rodolpho e o francês Andrew (nomes fictícios). Andrew prestou serviços militares na Guiana Francesa e acabou fascinado pela floresta, pelos índios e seus conhecimentos, desenvolvendo habilidades para reconhecer espécies de plantas e animais e estratégias de sobrevivência na selva. “Rodolpho se tornou um guia naturalista profissional, qualificado e experiente na Guiana Francesa, e se envolveu nessa atividade com tamanho entusiasmo e competência que sua reputação cruzou o Atlântico e chegou a ecoturistas, ambientalistas e cientistas da Europa ocidental”, descrevem Daniel-Ribeiro e Roussilhon.

Algumas rãs da família Dendrobatidae, que possuem substâncias altamente tóxicas na pele. a) Dendrobates auratus, também conhecida como rã venenosa dardo verde e preto (crédito: Brian Gratwicke); b) Oophaga pumilio, rã-morango (crédito: Danel Solabarrieta); c) Dendrobates azureus, ou sapo boi-azul (crédito: Brad Francis); d) Oophaga sylvatica também chamada de diablo ou diabo em português (crédito: Santiago R. Ron-FaunaWebEcuador)
Algumas rãs da família Dendrobatidae, que possuem substâncias altamente tóxicas na pele. a) Dendrobates auratus, também conhecida como rã venenosa dardo verde e preto (crédito: Brian Gratwicke); b) Oophaga pumilio, rã-morango (crédito: Danel Solabarrieta); c) Dendrobates azureus, ou sapo boi-azul (crédito: Brad Francis); d) Oophaga sylvatica também chamada de diablo ou diabo em português (crédito: Santiago R. Ron-FaunaWebEcuador)

Rodolpho foi contratado para ajudar uma expedição de zoólogos suíços na procura por exemplares de rãs dendrobates. “A letalidade das diferentes toxinas de sapos da família Dendrobatidae ainda não é completamente conhecida, mas fortes evidências apontam para batracotoxinas, toxinas alcalóides lipofílicas, como as mais tóxicas secretadas pela pele desses sapos, e um dos alcalóides mais tóxicos na Terra. A toxicidade parece estar relacionada ao contraste das cores, que funcionam como um forte aviso, um sinal do tipo “nem pense em se aproximar”, explicam os autores.

Ágil e acostumado a se enveredar pela úmida e quente selva amazônica na Guiana Francesa, Rodolpho acabou se distanciando do grupo para ganhar tempo, mas a pressa e força dos golpes de seu cutelo para abrir caminho entre as plantas acabou por deferir um golpe em sua mão esquerda, que sofreu um corte profundo. Daí por diante o guia encontrou dois exemplares de Dendrobatidae, capturou um deles que carregou, protegido por um pano, na mão machucada. Mas surpreendido por uma tempestade, a água, o veneno e o sangue se misturam causando-lhe confusão mental, a piora de seu estado – já fragilizado – o afastou do acampamento e das trilhas conhecidas.

O resto da história é melhor você acompanhar com os ricos detalhes do relato de Daniel-Ribeiro e Roussilhon que estiveram com Rodolpho ainda no hospital, logo depois dele ter sido resgatado depois de 16 dias na floresta amazônica, sob tempestade, calor intenso, fome, o ataque de insetos e o risco iminente de uma onça.

Para sobreviver na selva é preciso mais do que conhecimento, mas força de vontade e persistência de quem está dentro e de quem está nas equipes de busca.

“Se você quiser ir rápido, vá sozinho… se você quiser ir longe, vá acompanhado”, provérbio africano que abre o relato publicado na Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases.

Confira!

Daniel-Ribeiro, C.T.; Roussilhon, C. “On frogs, toxins and true friendship: an atypical case report”. Journal of Venomous Animals and Toxins including Tropical Diseases, 2016.

 

 

 

 

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