A Dinâmica de Tomada de Decisões

ResearchBlogging.orgEm 2005, o economista mineiro Eduardo Gianetti lançou um dos meus livros favoritos: O valor do Amanhã. Nesse livro, Gianetti fala especificamente sobre juros, mostrando que eles são, na verdade, parte de um sistema natural. O interessante do livro é que ele mostra que os seres humanos (e algumas outras espécies) estão o tempo todo “pesando” os custos e benefícios de recompensas imediatas e futura: “devo comprar um carro agora e aproveitar minha juventude com um carro legal, ou devo esperar e comprar o carro quando eu estiver um pouco mais velho?”

O estudo de como os seres humanos tomam decisões é central na Psicologia Cognitiva desde behavioristas como Isabel Myers e Maris Martinsons. Atualmente, a pesquisa sobre tomada de decisões tem uma perspectiva mais dinâmica e incorpora outros fatores como atenção e avaliação do ambiente de tomada de decisões.
A. Ross Otto, Art Markman e Brad Love (da Universidade do Texas em Austin) e Todd Gureckis (da Universidade de Nova Iorque) mostraram, em um experimento bem interessante, como que as pessoas utilizam informações sobre decisões recentes para avaliar benefícios futuros e imediatos. Em outras palavras: as decisões que as pessoas tomam acerca de certa situação constantemente mudam o prórprio contexto de tomada de decisão.
Ross e seus colegas estavam interessados em investigar as representação que os participantes têm das tarefas de tomada de decisão (para isso eles manipularam as informações que os participantes tinham do contexto de tomada de decisão) e como essas representações interagem com estratégias de tomada de decisão que envolvem benefícios imediatos e benefícios futuros.
Cento e quatro estudantes participaram do estudo e foram selecionados para uma das quatro condições manipuladas pelos pesquisadores: estrutura dos benefícios (imediato e futuro) e pistas sobre o contexto de tomada de decisão (com pistas e sem pistas). A tarefa de tomada de decisão era a seguinte: os participantes tinham que extrair oxigênio de Marte utilizando uma entre duas formas distintas de extrair oxigênio. Eles não sabiam qual forma era a melhor. Isso teria que ser aprendido no experimento (com tentativa e erro). O objetivo era extrair o máximo de oxigênio possível da atmosfera de Marte. O experimento consistiu de 500 eventos (500 tentativas de escolher o melhor sistema de extração de oxigênio).
Para manipular a estrutura do benefício, os pesquisadores criaram uma equação onde a variável era o número de tipos de escolha (Long-Term Increasing e Long-Term Decreasing) nos últimos 10 eventos (veja o paper original para ver detalhes das manipulações excutadas). Para manipular as informações que os participantes tinham acerca do contexto de tomada de decisão, um grupo tinha acesso à quantidade de ar extraído em um dado momento (grupo com pistas) enquanto o outro grupo não tinha acesso à essa pista.
A principal variável dependente era a proporção de eventos em que o participante escolhia a opção que privilegiava ganhos de longo prazo (mesmo que os ganhos imediatos fossem menores). Eles encontraram que os participantes que tinham acesso às pistas privilegiaram muito mais as escolhas de benefícios a longo prazo. Os pesquisadores fizeram algumas outras manipulações para testar hipóteses teóricas mais específicas, mas o resultado interessante é o de que, quanto mais acesso um participante tem ao estado presente das suas escolhas passadas, mais provável é que ele valorize benefícios de longo prazo.
Entender como funciona a dinâmica da nossas tomadas de decisão é importante não só pelo lado prático da coisa (nos ajuda a tomar decisões mais cautelosas e cuidadosas), mas é importante do ponto de vista científico, uma vez que ilumina a maneira como nossa cognição funciona no nosso dia-a-dia e como processamos e representamos as informações a que estamos expostos o tempo todo.
Dêem uma olhada no artigo original! Vale a pena. Ele pode ser encontrado no site do A. Ross Otto e estará disponível logo logo no Psychonimic Bulletin & Review.
Referência:

Otto, A.R., Gureckis, T.M., Markman, A.B., & Love, B.C. (2009). Navigating through Abstract Decision Spaces: Evaluating the Role of State Generalization in a Dynamic Decision-Making Task. Psychonomic Bulletin & Review

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Ciências Cognitivas e Religião

ResearchBlogging.orgHá alguns dias, eu estava assistindo a um documentário sobre uma tribo indígena da região amazônica brasileira. Em uma parte do programa, os repórteres acompanham uma espécie de ritual de passagem para a vida adulta: o jovem candidato à adultez tinha que ser picado por centenas de formiga “Bala”. Só pra você ter uma idéia, as formigas “Bala” são número 2 no ranking “the 5 most horrifying bugs“. O nome dessa formiga é “bala” não porque ela gosta de coisas doces, mas por que a sua picada é considerada uma das picadas mais dolorosas do reino animal e se assemelha à sensação de se levar um tiro.

Enfim, no ritual, a pessoa deve ser picada por centenas dessa formiga por aproximadamente um minuto. Daí você está preparado para ser adulto.
Esse programa me chamou atenção, pois está diretamente relacionado com uma linha de pesquisa que estou ativamente trabalhando recentemente. É o estudo da “religião” e “crenças” a a partir de um ponto de vista cognitivo. Durante muitos anos, o estudo da religião era algo executado por antropólogos e estudiosos culturais. Esses estudiosos, a partir de uma perspectiva émica, investigam as peculiaridades de certas religiões e rituais religiosos. Meu interesse (e das pessoas que trabalham com essa perspectiva) é: será que conceitos religiosos são fundamentalmente diferentes de conceitos não religiosos? De um ponto de vista cognitivo, em que nossas ações cotidianas se diferem das nossas ações ritualísticas?
Essa nova Ciência Cognitiva da Religião surgiu a partir da vontade de se compreender as bases cognitivas que permitem que crenças religiosas surjam. E o mais importante: essas investigações são todas de caráter empírico (ver meu post sobre crenças e religião).
O interesse geral dessa linha de pesquisa é: entender como conceitos religiosos são adquiridos, mantidos e como eles motivam ações humanas. A hipótese é de que, mesmo ações ritualísticas surpreendentes (como o ritual de passagem com as formigas bala) podem ser compreendidas a partir de um aparato cognitivo simples.
Justin Barret, do Departamento de Psicologia do Calvin College nos Estados Unidos, publicou em 2000 uma revisão interessante sobre o que está rolando na área de Ciência Cognitiva da Religião. São estudos que envolvem (1) representação de conceitos sobre coisas naturais e sobrenaturais (2) o surgimento do pensamento religioso durante a infância, (3) a forma como conceitos religiosos/sobrenaturais co-existem com conceitos naturais e não-religiosos, etc.
Justin Barret estará no próximo encontro da Cognitive Science Society em Amsterdam em um simpósio organizado pela professora Cristine Legare do Departamento de Psicologia da Universidade do Texas. Eles discutirão alguns trabalhos recentes que estão sendo desenvolvidos no mundo, inclusive um trabalho que Cristine e eu estamos desenvolvendo no Brasil. Assim que tivermos resultados mais concretos, eu postarei alguma coisa sobre esse nosso estudo aqui.

Referência:
Barrett, J. (2000). Exploring the natural foundations of religion Trends in Cognitive Sciences, 4 (1), 29-34 DOI: 10.1016/S1364-6613(99)01419-9
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Flexibilidade Atencional e Representacional em Processos de Inferência

ResearchBlogging.orgHá mais ou menos um ano, a Pixar lançava nos cinemas mundiais o filme Wall-e. Esse longa-metragem protagoniza um robôzinho muito simpático e suas aventuras num planeta Terra destruído e abandonado. Em uma das cenas do filme, Wall-e chega em sua casa e começa a “guardar” os objetos que recolheu ao longo do dia. Cada tipo de objeto tem seu lugar específico. Eis que então, Wall-e se depara com a dificuldade de guardar um “garfo” que ele encontra. Depois de oscilar entre “garfos” e “colheres”, Wall-e desiste e coloca o objeto em local separado.
Pare um telespectador “normal”, essa foi apenas uma cena engraçada. No entanto, para “malucos” como eu — que não desliga de ‘processos cognitivos’ — a cena como um todo é um exemplo espetacular de um processo cognitivo muito comum ao ser humano: categorização.
Os seres humanos são experts no processo de categorização. Fazemos isso o tempo inteiro. A partir dos processos de categorização criamos/aprendemos conceitos acerca dos objetos que nos cercam e com os quais interagimos. O estudo dos processos de categorização são antigos. Datam da década de 20, com estudos do psicólogo norte-americano Clark Leonard Hull.
Estudos mais recentes incorporaram aos estudos de categorização noções de atenção. A idéia básica é de que, para categorizar, precisamos alocar nossa atenção para traços que são relevantes no processo em questão. Obviamente, os traços relevantes para um processo de categorização varia de acordo com o contexto. Por exemplo: se precisamos distinguir entre “cerveja” e “refrigerante”, um traço relevante pode ser o “teor alcóolico” e não o fato de serem líquidos (já que esse traço não os distingue. No entanto, para distinguir entre “cerveja” e “vinho”, o traço “teor alcóolico” passa a não ser relevante e a atenção deve ser alocada para um outro traço.
O problema com essa visão é que, sempre que engajamos em processos de categorização, precisamos “re-aprender” sobre o objeto que categorizamos.
Aaron Hoffman do Departamento de Psicologia da Universidade do Texas e Bob Rehder do Departamento de Psicologia Universidade de Nova York exploraram, em um experimento muito interessante, os fatores atencionais envolvidos no processo de categorização. Mais especificamente, esses pesquisadores tinham interesse de saber (1) como que as pessoas sabem qual traço/informação é relevante para processos de categorização em contextos distintos e (2) e por quanto tempo as pessoas devem alocar a atenção para diferentes traços.
O experimento consistiu de uma série de tarefas de classificação e inferência. Nas tarefas de classificação, os participantes foram treinados acerca de duas categorias (A e B) e depois classificavam outros membros de acordo com os traços relevantes para a distinção entre A e B (no total foram manipulados três traços). Nas tarefas de inferência, os participantes tinham que prever os traços que estavam faltando entre duas categorias. Os pesquisadores utilizaram técnicas de rastreamento ocular (eye-tracking) para monitorar a alocação da atenção dos participantes durante as tarefas de classificação e inferência.
Os resultados são bem interessantes: apesar de os dois grupos (inferência e classificação) terem demonstrado aprendizagem nos blocos de treinamento, a classificação pareceu mais fácil que a inferência, com uma proporção maior de acertos por parte dos participantes. Existe um corpo grande de pesquisas mostrando que, em tarefas de inferência, as pessoas são mais sensíveis a traços internos às categorias (por exemplo, as pessoas seriam mais sensíveis aos traços que definem “cerveja” e não apenas aos traços que distinguem “cerveja” de outras bebidas). Assim, uma vez que os processos inferenciais são mais flexíveis que processos de categorização (já que requerem uma atenção global à TODOS os traços de uma categoria), os pesquisadores esperavam encontrar uma alocação da atenção mais distribuída nas tarefas de inferência (o olhar estaria mais distribuído que nas tarefas de classificação), e com isso, teriam uma representação mais flexível das categorias aprendidas.
Interessantemente, no entanto, os pesquisadores encontraram que, tanto nas tarefas de classificação quanto nas tarefas de inferência, os participantes fixaram o olhar em traços específicos. Segundo Aaron e Bob, o que distingue as tarefas de classificação das tarefas de inferência são as demandas atencionais de cada processo e não fatores motivacionais, como afirmam alguns estudiosos. A partir de algumas outras manipulações, os pesquisadores mostraram que tarefas de classificação podem ser mais flexível de uma maneira geral. Esse resultado, apesar de não corroborrar a hipótese inicial (de que tarefas de inferência são mais flexíveis), mostra que a alocação da atenção durante as tarefas de inferência é mais uma função do que é pedido na tarefa do que uma função do processo em si.
O estudo de processos de categorização que levam em consideração fatores atencionais são de extrema valia. Eu sei que Aaron Hoffman anda desenvolvendo outros estudos interessantes, assim, fiquem ligados aqui no blog! Logo logo vamos falar mais de atenção e categorização.
Ps.: O trabalho que comentei aqui não está publicado ainda. Será apresentado na próxima CogSci Conference em Amsterdam. Agradeço ao Aaron Hoffman que não só gentilmente me passou o trabalho como disse que não teria problema algum que eu o comentasse aqui no blog!
Referência:

Hoffman, A.B., & Rehder, B. (2009). Attentional and Representational Flexibility of Feature Inference Learning Cognitive Science Society

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Superstições e Crenças sob uma Perspectiva Cognitiva!

ResearchBlogging.orgHá alguns dias atrás, recebi um desses email-corrente pedindo que eu listasse as minhas superstições mais comuns. Como o email já havia passado por milhares de pessoas antes de chegar a mim, decidi ler as superstições das outras pessoas. São muitas e variadas. E até certo ponto, criativas. Uma as pessoas, por exemplo, disse que não tinha superstição alguma, pois isso dá azar!

Por muito tempo, o estudo de crenças, religiões, superstições e teorias de conspiração era da alçada de antropólogos sociais e estudiosos culturais. No entanto, dos anos 70 pra cá, um importante movimento nas Ciências Cognitivas tem buscado investigar o surgimento de crenças e superstições de um ponto de vista mais cognitivo. Basicamente, a idéia é investigar como a mente humana cria crenças e superstições, quais fatores estão implicados nesse processo e como podemos entender essas criações.

Em outubro de 2008, Jennifer Whiston da Universidade do Texas e Adam Galisnky da Universidade Northwestern, executaram uma série de experimentos mostrando que, um dos fatores responsáveis pela formação de “padrões ilusórios” (ver imagens onde não há, perceber conspirações e desenvolver superstições) é a falta de controle em certa situação. Segundo esses pesquisadores, o desejo de combater incertezas é uma das forças que guiam os serem humanos. Sempre que enfrentamos uma situação que não temos controle é natural que imediatamente tentemos re-estabelecer o controle da siuação, de uma maneira ou de outra.

Para esses pesquisadores, quando não conseguimos re-estabelecer o controle da situação de maneira objetiva, nós o fazemos de forma perceptiva. Assim, quando não temos controle da situação, “vemos” padrões e correlações que não existem, e atráves dessa visão começamos a ter controle da situação. Os experimentos executados pelos pesquisadores tinham o objetivo geral de mostrar isso: que a falta de controle de uma situação é responsável pelo surgimento de padrões perceptuais ilusórios.

No primeiro experimento, os pesquisadores tinham o objetivo de mostrar que a falta de controle cria a necessidade de “ver” padrões onde não existem. Para controlar “controle da situação” os pesquisadores utilizaram uma espécie de tarefa de identificação conceptual. Nessa tarefa, participantes tinham que explicar conceptualmente uma série de estímulos. No grupo “falta-de-controle”, o feedback que os participantes recebiam não era consistente com as respostas. No grupo base nenhum feedback era dado aos participantes. Para acessar a necessidade de perceber padrões, os pesquisadores utilizaram a escala “Personal Need for Structure Scale“. Os resultados mostraram que os participantes no grupo “falta-de-controle” demonstraram uma necessidade maior de perceber padrões.

No segundo experimento, os pesquisadores utilizaram a mesma tarefa para manipular o “controle da situação” e verificaram em que medida as pessoas no grupo “falta-de-controle” enxergariam padrões inexistentes. Para acessar isso, os pesquisadores utilizaram uma versão modificada do “picture snowy task“. Os resultados mostraram que os participantes no grupo “falta-de-controle” quando comparados com o grupo base, enxergaram mais padrões inexistentes.

No terceiro experimento, os pesquisadores manipularam o controle da situação pedindo que os participante contassem uma situação onde eles tinham total controle ou não tinham controle algum. Após a recontagem, eles tinham que responder perguntas referentes à crenças supersticiosas. Os participantes que contaram uma situação onde não tinham controle tenderam a adotar uma posição muito mais superstisiosa que os participantes que contaram uma situação em que tinham controle.

O experimento IV teve como objetivo mostrar que não é uma situação de “ameaça” que é responsável pela visão de padrões inexistentes, mas sim a falta de controle. Participantes contaram uma situação onde algo ameaçador aconteceu e então os pesquisadores manipularam o controle ou não da situação. Além da tarefa de identificar objetos (picture snowy task), os pesquisadores acessaram a percepção de conspiração. Assim como nos experimentos anteriores, os participantes do grupo “falta-de-controle”, quando comparados com o grupo base, viram mais padrões inexistentes e endossaram mais teorias de conspiração.

Nos últimos dois experimentos, os pesquisadores testaram a mesma hipótese, mas no campo das financias. Eles manipularam controle ou não da situação do mercado financeiro e verificaram se participantes tediam a ver duas afirmações não relacionadas, como relacionadas. Novamente, os resultados mostraram que a falta de controle levou os participantes a julgar frases não-relacionadas como relacionadas.

Esses experimentos em geral são importantes por dois motivos principais: primeiro, eles mostram que é possível estudar, sob uma perspectiva experimental, assuntos que antes eram estudados apenas de maneira expeculativa. Segundo, eles mostram que pensar em superstições, crenças, teorias de conspiração sob uma perspectiva cognitiva não é algo “sem-noção”. Muito pelo contrário, é uma área bastante promissora dentro das Ciências Cognitivas.

Fique ligado para mais posts.

Referência:

Barrett, J. (2000). Exploring the natural foundations of religion Trends in Cognitive Sciences, 4 (1), 29-34 DOI: 10.1016/S1364-6613(99)01419-9

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