A nova pose da Myrian Rios!!!

Não me lembro da última vez que fui ao circo. Lembro-me vagamente da experiência de ficar na arquibancada esperando o show começar. E lembro também que apesar de todas as atrações disponíveis no espetáculo (malabares, mágicos, leão, etc…), o que eu queria mesmo era ver o palhaço.

Correndo o risco de soar muito cliché (fazer o que, né?), as palhaçadas da era moderna se concentram em outros lugares, transferindo o picadeiro de lugar. Isso não é necessariamente ruim visto que circos são por excelência entidades itinerantes. O problema, na minha opinião, é que o circo moderno e suas palhaçadas não nos fazem rir tanto. Pelo contrário. As palhaçadas têm um impacto nocivo, destruidor e, quando a raiva não supera, a vontade é mesmo de chorar.
Recebi via e-mail um vídeo com o depoimento da deputada do PDT Myrian Rios sobre o Projeto de Emenda à Constituição Fluminense 27/2003 (de autoria do deputado estadual Gilberto Palmares) que tem como objetivo “a inclusão da orientação sexual como direito individual e coletivo dos cidadãos fluminense”. Lamentável. A fala da deputada foi lamentável! Não pretendo entrar no mérito (ainda) da condição pífia do depoimento da Myrian Rios, mas um fato que me chamou atenção no discurso dela (e, na verdade, também no discurso dos congressistas que votaram contra a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo em Nova Iorque) foi o fato de o argumento sempre buscar um respaldo religioso.
Como psicólogo cognitivo fico numa curiosidade danada para entender por que essas coisas acontecem e por que elas têm o efeito que têm. Não há dúvidas de que existe uma relação complexa entre política e religião. Cognitivamente, no entanto, essas duas ‘instituições’ têm um efeito muito semelhante na maneira como processamos informação. Isso explica um pouco do porquê elas, muitas vezes, são vistas como intrinsicamente ligadas.
Em postagens passadas (clique aqui), falei um pouco sobre uma característica cognitiva peculiar que é a nossa necessidade de ter uma constante sensação de “controle”. O nosso sistema cognitivo funciona muito mais efetivamente quando temos a sensação de controle, ordem e poder preditivo. Já existe muita evidência empírica para isso na psicologia cognitiva (recentemente por exemplo, Cristine Legare e eu mostramos que até mesmo a percepção da eficácia de simpatias é alterada quando níveis de controle são alterados: em outras palavras, a sensação de incerteza te faz acreditar mais que uma simpatia vai funcionar). O governo e a religião servem como mecanismos externos de busca de controle.
Aaron Kay, um psicólogo da Duke University tem vários estudos mostrando uma interação muito interessante entre religião e governo no que diz respeito à sensação de controle que elas oferecem. Geralmente, quando a sensação de controle oferecida por uma delas é pouca, as pessoas tendem a acreditar mais na outra: se o governo está uma ‘meleca’, as pessoas tendem a se apegar mais à religião. E se por algum motivo você for influenciado a pensar que a religião não tem muito poder de oferecer nenhuma sensação de controle, você tende a acreditar mais no governo.
Em um dos estudos, por exemplo, os participantes foram induzidos a (1) pensar que o governo estava muito instável e perdendo um pouco das rédeas do comando do poder público ou (2) pensar que o governo estava no controle e era um governo extremamente firme e estável. As pessoas que viram o governo como instável mostraram uma crença muito maior em um Deus controlador do que as pessoas que viram o governo como uma instituição estável e firme.
Grande parte dos argumentos contra a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo, ou sobre a inclusão do termo “orientação sexual” no texto da constituição que condena atos discriminatórios são argumentos de caráter religiosos. São poucos os argumentos com respaldo científico e/ou com base em dados advindos de fontes confiáveis (ou que pelo menos podem ser contestadas). E uma vez que a política brasileira, em geral, é muito fraca na tarefa de oferecer aos cidadãos uma sensação de controle do poder público, é esperado (com base em algumas dessas pesquisas empíricas) que a crença nos pressupostos religiosos aumente de maneira sintomática. Não é sem motivo que as nações mais politicamente desenvolvidas do mundo são as que têm a menor população religiosa.
Essa relação curiosa entre religião/governo e sensação de poder não pode, no entanto, ofuscar a gravidade do argumento mal-articulado e horroroso que a deputada Myrian Rios proferiu na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Nenhum dos “fatos” que ela cita como problemáticos para a aprovação da emenda têm algum respaldo empírico. Inclusive, qualquer um que ler o texto da PEC na íntegra vai notar que o autor da proposta sim, baseia seus argumentos em pesquisas empíricas e ainda cita dois estados brasileiros (Mato Grosso e Sergipe) onde o texto já foi alterado. Dessa maneira, se alguém deseja argumentar contra essa inclusão e verificar empiricamente se a alteração do texto irá de fato aumentar o número de casos de pedofilia ou aumentar o casos de empregadores processados por alegação de discriminação da orientação sexual do empregado, basta utilizar esses dois estados como fonte de pesquisa. O que não pode é simplesmente alegar que, por princípios religiosos, homens e mulheres foram feitos para ficar juntos. Qualquer mente minimamente sã sabe que o buraco é muito mais embaixo. Bem mais lá em baixo, Myrian. Tão lá embaixo que eu acho que você vai precisar descer da Motoka para ver e entender.

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Referência:

Kay, A., Gaucher, D., Peach, J., Laurin, K., Friesen, J., Zanna, M., & Spencer, S. (2009). Inequality, discrimination, and the power of the status quo: Direct evidence for a motivation to see the way things are as the way they should be. Journal of Personality and Social Psychology, 97 (3), 421-434 DOI: 10.1037/a0015997

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O que eu ganho com isso?

Minha mãe já dizia: “filho, é impossível fazer tudo sozinho”. Para dizer a verdade, eu sempre duvidei disso. No entanto (como sempre), ela estava certa. Certas coisas na vida não podemos fazer sozinhos. Para elas, precisamos da colaboração do outro. Já a bastante tempo, acredita-se na idéia de que “trabalhar colaborativamente” é uma das principais características que diferenciam os seres humanos dos outros primatas.

Intrinsicamente ligada à idéia de cooperação/colaboração está a idéia de (1) ter objetivos comuns e (2) divisão dos resultados. Para que haja uma colaboração efetiva é preciso, para começo de conversa, que haja objetivos comuns. Se eu quero A e você quer B, a possibilidade de colaboração entre nós será mínima. Caso o objetivo seja comum, é preciso pensar em como o resultado da colaboração será “dividido” após obtido. Se vamos colaborar um com o outro para obter, por exemplo, R$100,00, precisamos ter uma idéia e expectativas sobre como esse montante será divido após sua obtenção.
É interessante notar que, apesar de chimpazés colaborarem uns com os outros em várias tarefas, caso exista alguma possibilidade e/ou expectativa de que o resultado não será dividido de maneira justa, eles preferem não colaborar. Exemplo: imagine que para obter duas bananas, dois macacos precisem trabalhar colaborativamente (eles precisam agir juntos para abrir a porta de onde as bananas estão). Se as duas bananas estiverem mais perto de um dos macacos (aumentando a possibilidade desse macaco simplesmente pegar as duas bananas e ir embora), geralmente a colaboração entre eles é mínima. Mas se uma banana está perto de um e a outra perto do outro, eles ‘colaboram’ um com outro sem problemas, cada um pega uma banana e vai para casa feliz.
Em outras palavras, a colaboração entre os macacos é diretamente influenciada pela expectativa que eles têm sobre a divisão dos resultados após obtidos. E tem mais: geralmente, o macaco que pega as duas bananas, raramente divide com o outro (mesmo quando o outro é o próprio filhote). Será que o nosso potencial colaborativo é muito diferente disso?
Felix Warneken, Karoline Lohse, Alicia Melis e Mike Tomasello investigaram essa questão em um estudo publicado recentemente (Junho/2011). Em 2006, Alicia Melis fez um estudo com chimpazés onde ela montou um aparato em que, para obter a comida, os macacos precisavam agir cooperativemente. Basicamente, o aparato consistia de uma plataforma localizada dentro de uma caixa de vidro. A comida era colocada nessa plataforma. Para pegar a comida, os macacos precisavam puxar a plataforma para perto deles (utilizando uma corda localizada em cada lado da plataforma) e então alcançar a comida através de um buraco na caixa de vidro. A plataforma só movia em direção aos macacos quando cada um puxava a corda do seu lado ao mesmo tempo. Em uma das situações, a caixa de vidro tinha dois buracos (um para cada macaco), de maneira que cada um poderia pega a sua comida (banana). Na outra situação, a caixa tinha apenas um buraco, aumentando a possibilidade de que apenas um dos macacos ficaria com as duas bananas. Foi nesse estudo que Alicia Melis mostrou que quando há a possibilidade de que apenas um dos macacos fique com as bananas, eles colaboram menos um com o outro.
Felix Warneken e seus colaboradores fizeram exatamente o mesmo estudo com crianças de 3 anos de idade. O aparato foi o mesmo (ao invés de banana, no entanto, eles utilizaram adesivos coloridos, balas e chicletes). As crianças, ao contrário do que mostrava algumas pesquisas anteriores, foram bem colaborativas umas com as outras, independente da possibilidade de divisão dos resultados, ou seja, não importa o número de buracos na caixa de vidro, elas agiram cooperativamente quase 90% das vezes.
Quando havia apenas um buraco na caixa de vidro, elas dividiam a recompensa com a outra. O interessante, no entanto, foi a forma como elas dividiam os resultados. Oitenta por cento das vezes, a divisão foi “implícita”. Por exemplo, se havia dois chicletes na plataforma, elas puxavam juntas a plataforma, uma criança pegava um chiclete e simplesmente deixava o outro na plataforma. Apenas 11% das vezes a divisão foi explícita, com uma criança pegando os dois chicletes e entregando um à outra criança (ou uma criança pegando um chiclete e apontando para a outra criança que ela poderia ficar com o outro chiclete).
Os resultados sugerem que a idéia de divisão igualitária e ação colaborativa sem competição começa cedo na ontogenia humana (mais cedo do que se pensava antes). Eles sugerem também que os fatores que influenciam a colaboração entre os seres humanos é qualitativamente diferente dos fatores que influenciam a colaboração entre primatas.
Os resultados parecem contra-intuitivos quando pensamos nos tipos de colaboração e divisão de resultados que vemos na maior parte das nossas interações na vida adulta (principalmente as que vemos na vida pública). Mas pelo menos temos uma idéia de que a essência é colaborativa e igualitária.
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Referência:

Warneken, F., Lohse, K., Melis, A., & Tomasello, M. (2010). Young Children Share the Spoils After Collaboration Psychological Science, 22 (2), 267-273 DOI: 10.1177/0956797610395392

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Ai, que raiva desse Jair Bolsonaro!

No último dia 1 de junho o deputado federal do PP-RJ, Jair Bolsonaro, foi protagonista de mais um episódio no mínimo inusitado. Durante a Marcha pela Família, que reuniu várias pessoas que protestavam contra o projeto de lei que propõe a criminalização da homofobia, o deputado jogou água em uma drag queen que “protestava” contra o protesto da Marcha pela Família. O deputado disse mais tarde que jogou a água para “acalmar” a drag queen.

Ler essas coisas me dá raiva. E tenho certeza que não estou sozinho nisso!

Sem entrar no mérito da notória imbecilidade do deputado Bolsonaro (lhe falta muito mais do que simples decoro parlamentar…), gosto de pensar nas consequências que esses acontecimentos (e seus respectivos sentimentos) têm no nosso processamento cognitivo. Porque a estratégia de disseminar um “ódio” contra homossexuais utilizada pelo deputado federal parece funcionar tão bem na difusão desses estereótipos, claramente infundados, sobre homossexualidade?

Quando avaliamos qualquer situação, se queremos evitar que estereótipos influenciem diretamente as nossas decisões e ações é preciso pensar um pouco. É preciso pensar na situação de maneira mais sistemática e menos heurística. Explico: imagine que você seja convidado para participar de uma comissão que vai decidir quem é o culpado por um crime de pedofilia. Um dos suspeitos do crime é homossexual. Antes de assumir que seja mais provável que o culpado seja o suspeito homossexual (um estereótipo que, apesar de pouco fundamentado, existe) é preciso analisar cautelosamente os fatos, as evidências, etc.

Essa avaliação mais cautelosa requer uma utilização maior do nosso sistema cognitivo, uma vez que ela exige integração de informação, concentração e destreza na assimilação do que é informação válida e do que não é. Estratégias mais heurísticas são por natureza mais “superficiais”. Elas geralmente são utilizadas quando o nosso sistema cognitivo requer respostas mais rápidas e que não podem se dar ao luxo de uma busca mais sistemática (e consequentemente mais demorada) de informações.

Mas o que isso tem haver com o “ódio” que Bolsonaro dissemina sobre a homossexualidade? Existe uma ampla gama de evidências científicas que mostram que as pessoas utilizam estratégias cognitivas mais heurísticas quando estão com raiva de alguma coisa. Uma manifestação evidente da utilização de estratégias heurísticas no meio social é quando julgamos alguma situação com base em informações superficiais, tais como estereótipos. O que essas pesquisas mostram é que quando estamos com raiva temos uma tendência muito maior em julgar as pessoas, grupos e suas ações com base nos estereótipos que temos em relação à essas pessoas e/ou grupos.

Quando Bolsonaro dissemina esse “ódio” contra homossexuais, ele está ao mesmo tempo comprometendo o sistema cognitivo dessas pessoas de maneira que qualquer estereótipo que existe sobre homossexuais será avaliado como informação primordialmente importante e suficientemente verdadeira. Vale ressaltar que isso acontece por que a raiva priva o nosso sistema cognitivo de maneira que qualquer fonte cognitiva que temos (e que seria necessariamente utilizada na sistematização das informações, concatenação das idéias, etc.) será seriamente comprometida.

Para não cair no risco de agir no mesmo nível de imbecilidade com o qual o deputado Bolsonaro parece levar sua vida, é preciso agir (e pensar) quando a raiva não toma conta do nosso sistema cognitivo. Eu sei que é difícil não ficar com raiva das atitudes de uma pessoa que, supostamente deveria estar representando de maneira respeitosa a democracia política. No entanto, devemos tentar.

Ainda bem que a minha raiva do deputado já havia passado quando resolvi escrever esse texto! 🙂

Referência:

Bodenhausen, Galen V., Sheppard, Lori A., & Kramer, Geoffrey P. (1994). Negative affect and social judgement: the differential impact of anger and sadness European Journal of Social Psychology, 24, 45-62 DOI: 10.1002/ejsp.2420240104

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Por uma “imprensa” melhor.

Se eu pudesse ser Deputado Federal, uma das minhas primeiras ações seria entrar com uma indicação no Ministério da Saúde para que fosse retirada de circulação a cerveja da marca Brahma. A nova latinha vermelha não foi uma boa idéia. Um absurdo, na verdade! Ouvi dizer que a cor vermelha aumenta a circulação sanguínea, fazendo com que as pessoas ajam de maneira mais impulsiva. E como o Brasil já é um país muito violento, onde as pessoas não se respeitam e onde a educação é precária, eu votaria para que as latinhas fossem tiradas de circulação. E meu argumento seria exatamente esse, poxa! Devemos contribuir para que o Brasil não se torne um país mais violento.

Certamente eu teria o apoio da imprensa brasileira. Óbvio. Vermelho é a cor do PT, lembra? Qualquer coisa contra o vermelho vale! E é claro que nenhum repórter da Globo, da Veja e cia se preocuparia em checar a fonte da minha informação. Pra que? Vamos repercutir! A notícia sairia na primeira página do jornal O Globo: “Deputado desvenda mensagem subliminar em marca de cerveja e veta sua comercialização“. Depois seria capa da Veja: “PT e Brahma nos deixam vermelhos de vergonha“. Seria um sucesso no Facebook. Pessoas indignadas postando fotos da Dilma com uma latinha de Brahma na mão (aliás, todo petista gosta de tomar uma, né?). Um ou outro especialista (acadêmico) iria ser contrário à idéia, tendo como respaldo um grupo de pesquisas e evidências científicas, mas seria obviamente ignorado (who cares?) e o veto continuaria. “Não sei o que esse povo acadêmico quer.” Até o Alexandre Garcia daria o seu depoimento exaltado no Bom Dia Brasil da Rede Globo: “o que nos diferencia dos animais é a nossa capacidade de agir com cautela. E a cor vemelha das latinhas nos tira essa liberdade. Estamos propagando a violência no Brasil.

O leitor mais atento já deve ter percebido que isso parece piada, né? E é piada! Deixe-me agora contar uma história que não é piada. Qualquer semelhança com a piada anterior é mera coincidência, eu juro!

O vereador da Câmara Municipal de Porto Alegre, João Carlos Nedel (PP) disse que está entrando com indicação junto ao Ministério da Educação para que seja retirado de circulação o livro Por uma Vida Melhor, distribuído nas Escolas do Brasil. Ele disse que o livro vem sofrendo críticas por parte de humoristas e intelectuais do país (…). O vereador disse ainda que houve manifestação favorável em relação à publicação, “mas deve ser de pessoas ligadas ao governo“, disse o parlamentar. O vereador afirma que o Brasil está na posição 123 no ranking mundial de educação em levantamento feito pela Unesco“.

Para quem mora em Marte, quero contextualizar. O livro didático Por uma Vida Melhor, publicado pela editora Global está sendo acusado pela imprensa brasileira de ensinar erro de concordância. Segundo a nossa imprensa super bem informada e respaldada, o livro afirma ser correto dizer “nós pega”, e isso é simplesmente um absurdo! Um crime!

A indicação junto ao Ministério da Educação movida pelo vereador de Porto Alegre está sendo bem apoiada pela imprensa (ooooooohhhhhhhh). Clóvis Rossi da Folha de São Paulo, por exemplo, acha que o livro comete um “crime linguístico“. Alexandre Garcia da Rede Globo disse que “a linguagem escrita que transmite, difunde o conhecimento e o pensamento diferencia o animal homem dos outros animais“. O escritor Deonísio Silva diz que “o professor é pago pelo estado pra ensinar Língua Portuguesa para aqueles que não sabem“. Alberto Dines da TV Brasil disse que em Portugal a coisa é diferente, “pois até um taxista fala a norma culta“. E Evanildo Bechara disse que a língua culta “é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências“. Pronto. O vereador tem um time de peso que o apóia na indicação junto ao Ministério.

Um pessoal aí — uns tal de linguista — (acadêmicos) se opuseram à toda essa bagunça. Marcos Bagno, professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (Doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela USP) disse ao Alberto Dines que “em Portugal se fala uma língua diferente da nossa. A nossa só se chama Português por razões históricas mas quinhentos anos depois o Português brasileiro já é muito diferente do Português de Portugal”. O professor Marcos Bagno diz ainda que “não existe esse abismo entre linguagem escrita e linguagem falada”. Pesquisas mostram que elas são muito mais híbridas do que a gente pensa. Alberto Dines contesta o professor, pois ele continua “achando” que Português de Portugual e Português Brasileiro são a mesma língua (A próxima vez que meu médico disser que estou com febre, vou dizer “eu acho que não, doutor!“). Pedro Perini, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (doutor em Linguística pela UFMG/University of California) defende o tratamento da variação linguística no livro didático (o que, segundo os especialistas, não é nenhuma novidade). Beto Vianna, também doutor em Linguística pela UFMG/Instituto Max Planck, também apóia a abordagem do livro da editora Global. Pedro e Beto dizem “considerar a fala espontânea, as variações regionais e pessoais é o melhor caminho para amadurecer o uso do texto escrito e do texto oral“. Infelizmente meus caros Marcos, Pedro e Beto, a pergunta é who cares? Quem quer saber da opinião dos acadêmicos, especialistas e que dedicam a vida para estudar Lingüística? A gente não sabe “bulhufas“.

Bom mesmo é o Alexandre Garcia e o Clóvis Rossi. Eles sim sabem do que estão falando. Afinal de contas, eles dominam a norma culta, o que os diferencia dos outros animais!

No fundo, no fundo, tenho que concordar com o vereador João Carlos Nedel quando ele diz que “o livro vem sofrendo críticas por parte de humoristas e intelectuais do país“. Só ainda não consegui distinguir quem são os humoristas e quem são os intelectuais!!!!

Referência:

Bagno, Marcos (2009). NÃO É ERRADO FALAR ASSIM! Em defesa do português brasileiro Livro

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Quem tem medo de mensagem subliminar?

Você já ouviu falar sobre James Vicary? Mesmo que nunca tenha ouvido falar sobre ele, tenho certeza que já viu, ou ouviu histórias sobre o que ele chamou de mensagens subliminares. A internet está cheia dessas histórias de que os desenhos da Disney, por exemplo, propagam uma série de mensagens subliminares sobre sexo: castelos em formato de pênis, fumaça que forma palavra “sexo”, etc.

Mas o que é isso afinal de contas? O que são mensagens subliminares? Bom, posso começar dizendo o que NÃO é mensagem subliminar. Mensagem subliminar não tem nada a ver com mensagens do além, ou com seres sobrenaturais que tentam se comunicar conosco de alguma forma (lembra da história sobre tocar os discos da Xuxa ao contrário?). Essa definição de mensagem subliminar é do senso-comum e está errada (tocar o disco da Xuxa é esquisito sim, mas por outros motivos).

Pois então. Em 1957, James Vicary — um pesquisador da área de marketing — fez um experimento onde ele mostrou que “propagandas subliminares” eram capazes de influenciar a escolha de consumidores acerca de algum produto. O que chamamos de mensagem subliminar na psicologia são estímulos (na maioria das vezes estímulos visuais) que são produzidos de maneira tão peculiar que não somos capazes de processar conscientemente. Não somos capazes de processar conscientemente, mas eles “passam” pelo nosso sistema perceptual. Mas como eles estão abaixo de um certo “limiar” (por isso o nome sub-liminar) nosso sistema cognitivo não processa o sinal.

A coisa funciona mais ou menos assim: imagina que esteja assistindo à uma apresentação de slides com fotos da sua família. Entre uma foto e outra, alguém coloca um slide com o símbolo da Skol. No entanto, esse slide aparece na tela por 17 milésimos de segundos. O slide aparece tão rápido que você literalmente não vai “vê-lo”. No entanto, o seu sistema visual vai “captar” essa imagem e ela pode acabar passando para o seu sistema cognitivo (mesmo sem você ter consciência disso). Essa informação então pode acabar influenciando o seu processo de tomada de decisão (você vai preferir Skol à Brahma, por exemplo).

Foi exatamente isso que James Vicary fez em 1957. Ele disse que mesmo que você mostre a marca da sua empresa para as pessoas de maneira subliminar (sem que elas “percebam”), isso vai influenciar a escolha das pessoas — basicamente fazer com quer as pessoas comprem seu produto. Isso foi feito em 1957 e desde de então muita gente já conseguiu mostrar que a coisa não funciona bem assim.

Um estudo bacana publicado em Abril desse ano no Journal of Consumer Psychology mostrou que o efeito de mensagens subliminares, na verdade, depende dos hábitos e necessidades que você tem. Os pesquisadores queriam saber se mensagens sublimares (com a logomarca de dois tipos de bebida: chá gelado e água mineral) influenciariam a escolha das pessoas quando elas estivessem com sede.

Para começar, os pesquisadores mediram o nível de sede de cada participante. Logo após essa medida, os pesquisadores perguntaram aos participantes se eles tinham alguma preferência específica pelas duas bebidas. Depois dessas medidas, cada participante teve que executar a seguinte tarefa: eles viam na tela do computador um punhado de slides com um punhado de letras B’s maiúsculas (ex.: BBBBBBBBB). Em alguns slides, no entanto, apareciam uns b’s minúsculos (ex.: BBBBBbBBBB). O participante tinha que prestar atenção e contar o número de nos slides que tinha a letra b minúscula.

Para metade dos participantes, os pesquisadores colocaram um slide contendo a logomarca do chá gelado entre cada slide de B’s. No entanto o slide com a logomarca aparecia na tela por menos de 20 milisegundos. Após a tarefa, os participantes tinham que escolher uma bebida para matar a sede.

Os resultados mostraram/sugerem basicamente o seguinte:

1) Se você não está com sede (não tem a necessidade de beber água), a mensagem subliminar não funciona pra você: entre a água e o chá, você escolhe o que geralmente tem o hábito.

2) Se você está com sede, mas não gosta muito de chá gelado (sua preferência é a água), a mensagem subliminar tem um efeito, fazendo com que você escolha o chá gelado (mesmo não sendo a sua preferência).

3) Se você está com sede e não tem nenhuma preferência quanto à bebida, a mensagem subliminar te afeta um pouco e você tende a beber o chá.

Resumindo, a idéia de que mensagem subliminar afeta suas escolhas independente de qualquer coisa não é verdade. O efeito vai depender das suas preferências e, principalmente, das suas necessidades. A mensagem subliminar não vai te induzir a fazer algo que não queira (ou que não precise).

Em outras palavras, essa história de que os desenhos da Disney estão cheios de mensagens subliminares “induzindo” as crianças à pensarem sobre sexo é uma balela danada! Talvez os adultos que “vêem” essas mensagens precisam se concentrar mais em suprir as necessidades que os fazem “ver” as mensagens pra começo de conversa….

Fica a dica! 🙂

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Referência:

Verwijmeren, T., Karremans, J., Stroebe, W., & Wigboldus, D. (2011). The workings and limits of subliminal advertising: The role of habits Journal of Consumer Psychology, 21 (2), 206-213 DOI: 10.1016/j.jcps.2010.11.004

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Cuidado! Deus está te olhando.

Eu sempre me divirto observando o comportamento de crianças. Me divirto mais ainda, quando percebo que nós, adultos, agimos igualzinho a elas. Ontem eu estava em um jantar na casa de uma amiga que tem uma filha de 5 anos de idade. Depois de algum tempo de conversa chata (não sei por que adulto insiste em conversar sobre coisa chata), parei de prestar atenção na conversa e comecei a observar a filha dela enquanto ela brincava de casinha na sala. Na brincadeira, a filha da minha amiga era a mãe dessa boneca MUITO feia. Coitada. A boneca tinha apenas metade do cabelo, a roupinha dela estava imunda e apenas um olho dela abria. Imaginei a vida sofrida que a boneca levava na mão da “mãe” dela.

Ela (a criança) não tinha percebido que eu estava a observando. Em um certo momento da brincadeira, a “mãe” disse à boneca: “você está muito mal-educada” e sentou-lhe um tapa na cara. O tapa foi tão forte que eu logo entendi o porquê do olho dela não abrir mais. Eu não consegui me segurar! Comecei a rir! A filha da minha amiga logo viu que eu estava olhando pra ela. Obviamente, ela “fingiu” que não estava vendo que eu estava vendo e começou a mudar o tratamento com a boneca. Ela falou com a boneca: “você não pode fazer isso! Mamãe não gosta. Mamãe já falou que não pode” (e olhava para mim de “rabo de olho”). Pensei comigo: que danadinha! Quando eu não estava olhando, ela fez a maldade com a boneca. Quando ela viu que eu estava observando, o tratamento logo mudou. Mas logo pensei: danadinha nada! É SER HUMANA!
Já a algum tempo venho desenvolvendo alguns trabalhos nessa área conhecida como Ciência Cognitiva da Religião. Um dos achados mais interessantes desse novo campo de pesquisa é a idéia de que a religião (ou a crença no sobrenatural) serve funções cognitivas bem específicas (veja essa postagem do Cognando para um exemplo de uma dessas funções). Uma delas é a seguinte: ela aumenta o comportamento prosocial do ser humano. Em outras palavras: ela faz com que as pessoas sejam pessoas boas (ou pelo menos faz com que elas ajam de maneira prosocial).
Um estudo realizado da Universidade de British Columbia em Vancouver no Canadá mostrou resultados empíricos que corroboram essa hipótese. Azim Shariff e Ara Norenzayan colocaram várias pessoas para participarem dessa tarefa/jogo conhecido como Dictator Game. Nessa tarefa, a pessoa (que joga contra um pesquisador disfarçado de participante) recebe dez notas de 1 dólar. Essa pessoa recebe o “poder” de decidir o que fazer com o dinheiro. Ela pode ficar com tudo ou dar qualquer quantia que ela quiser para a outra pessoa. Tudo feito no mais completo anonimato.
Antes de participar do Dictator Game, no entanto, os participantes tinham que formar umas frases com um grupo de palavras que eles recebiam dos pesquisadores. Metade dos participantes recebeu um grupo de palavras que tinha: Deus, divino, sagrado, espírito e profeta. A outra metade recebeu apenas palavras neutras (nenhuma palavra fazia menção à religião).
Após a tarefa com as palavras e o Dictator Game, os pesquisadores contavam a quantia que cada participante tinha deixado para a outra pessoa. Eis o resultado interessante: as pessoas que foram expostas às palavras Deus, divino, sagrado, espírito e profeta deixaram, em média, $4,22 dólares para a outra pessoa. As pessoas expostas às palavras neutras deixaram em média apenas $2,00 dólares. E mais intressante ainda: após o experimento, os pesquisadores perguntaram aos participantes quem acreditava em Deus. No entanto, a crença em Deus não foi um bom preditor da quantidade de dinheiro que a pessoa deixou.
Basicamente o que o estudo sugere é que apenas a ativação (implícita) de conceitos como Deus, divino, profeta, etc. foi capaz de influenciar o tamanho da bondade das pessoas. É como se isso ativasse a idéia de que Deus está olhando. Várias outras pesquisas, na verdade, mostraram efeitos bem parecidos. Em 2005, por exemplo, Jesse Bering (o autor do polêmico livro The Belief Instinct) mostrou que só de falar que existe um espírito de alguém que já morreu em uma sala, as pessoas tendem a “colar” menos em um teste. Com criança a mesma coisa acontece. Se você deixar um pacote de bala em uma sala e falar para a criança: “não coma nenhuma, pois minha amiga imaginária está aqui e vai me contar tudo“, a probabilidade de ela comer uma bala será bem menor. Não somos tão diferentes dos pequeninos como achamos que somos.
No final das contas, só espero que a coitada da boneca de um olho só, algum dia, encontre a salvação!
Referência:

Shariff AF, & Norenzayan A (2007). God is watching you: priming God concepts increases prosocial behavior in an anonymous economic game. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 18 (9), 803-9 PMID: 17760777

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“Isso é um assalto”: As metáforas da vida cotidiana

Toda vez que ocorre um crime hediondo no país — como o ocorrido em Realengo no Rio de Janeiro — a mídia traz à tona vários pontos de vista sobre políticas de prevenção e combate ao crime. Como sempre, as opiniões são bem variadas e, consequentemente, o que é visto como uma ação adequada para uma pessoa, não é para uma outra pessoa: algumas pessoas acham que os criminosos devem ser punidos severamente; outras acham que o problema deve ser “cortado pela raíz”; e outras acham que esse é um problema que não tem fim.

Mas a pergunta é: o que influencia nossa opinião sobre quais ações achamos adequadas ou não? É muito comum pensar que nossas opiniões (e consequentemente nossas ações) são formadas exclusivamente com base nas nossas experiências pessoais. Por exemplo, se uma pessoa está acostumada (tem experiência) com um ambiente onde erros são tratados com punição severa, essa pessoa terá uma tendência maior à propor políticas mais drásticas de combate ao crime (punição mais severa aos criminosos). Já uma outra pessoa com uma experiência diferente pode achar que a punição severa, na verdade, não ataca a origem do problema e não deve ser utilizada como ação adequada de combate ao crime.
Apesar de fazer um pouco de sentido, sabemos que a mente humana é muito mais complexa do que isso (ainda bem). Às vezes, simplesmente a formaque utilizamos para apresentar alguma situação e/ou problema muda toda a conceptualização que fazemos da situação e/ou do problema. Confuso? Ok, eu explico.

Quando eu estava na quinta série, eu era “chefe-de-turma”(nem sei se isso ainda existe). Basicamente eu era o “representante” da turma em reuniões, conselhos de classe, etc. Lembro uma vez que uma equipe de vendedores estava oferecendo um desconto para curso de informática na escola (isso mesmo: curso de informática). Para vender o curso, eles utilizaram a seguinte estratégia: cada representante de turma que conseguisse seis pessoas da sua turma para matricular no curso de informática, ganharia o curso de graça.
Minha tarefa era simples: eu precisaria convencer 6 pessoas a se matricularem no curso. Eu poderia apresentar o curso como uma proposta profissional bacana (“vamos ter um diferencial quando buscarmos nosso primeiro emprego“), mas sabia que éramos muito novos para pensar assim. Eu poderia apresentar o curso como uma proposta financeira bacana (“um curso desse é muito caro, devemos aproveitar que eles estão nos oferecendo o curso com desconto“) — uma vez que estávamos todos em escola pública e dinheiro ERA um problema para nós, utilizei essa estratégia (acompanhada de “é bom que temos uma desculpa para encontrar depois da aula“). Basicamente, a mesma informação (fazer o curso) poderia ser apresentada de duas maneiras diferentes e apresentar dois resultados diferentes. Consegui oito pessoas para fazer o curso.
Será que a mesma coisa funciona com crimes? Em outras palavras: será que a forma como falamos sobre crimes também influencia a maneira como as pessoas decidem quais ações são adequadas e quais ações não são? Paul Thibodeau e Lera Boroditsky da Universidade de Stanford, na Califórnia, investigaram exatamente essa pergunta.
Já existe uma sólida discussão em Linguística em relação à idéia de que metáforas não são apenas ferramentas poéticas e figura de linguagem. Metáforas linguísticas são, na verdade, reflexos de um processo cognitivo básico onde alinhamos estruturalmente dois domínios/áreas distintos. Quando dizemos à uma pessoa que nos ameaça: “Você não vai muito longe com isso“, não queremos dizer que a pessoa não vai “fisicamente” muito longe. Estamos, na verdade, conceptualizando a vida dela (um domínio) em termos de uma viagem (outro domínio). Isso é o que chamamos de Metáfora Conceitual.
O que Paul e Lera fizeram foi o seguinte: eles apresentaram dois tipos de descrição sobre crimes: em uma das descrições, a metáfora conceitual utilizada foi a de CRIME como um VÍRUS. Eles utilizaram linguagem do tipo: “o crime está cada vez mais infectando a nossa cidade“. Na outra descrição, a metáfora utilizada foi CRIME como um ANIMAL SELVAGEM. Para isso, eles utilizaram linguagem do tipo: “o crime está invadindo a nossa cidade“. Após a apresentação das descrições, as pessoas tinham que propor uma ação adequada de combate ao crime.
Como era de se esperar, a depender da descrição apresentada para a pessoa, a solução proposta variou. As pessoas que viram a metáfora do vírus propuseram políticas de caráter mais preventivo e social (programa de assistência à jovens, combate à pobreza, etc.). Essas pessoas sistematicamente concordaram que a ação mais adequada era o combate à origem da “epidemia” de crimes. Já as pessoas que viram a outra descrição (metáfora do animal) propuseram ações mais drásticas (tipo: capturar e prender os criminosos, divulgar a captura — como forma de educar as outras pessoas). Eles propuseram ações sociais que tinham como foco “juntar forças para encontrar os criminosos”.
O mais interessante é que as pessoas nem sequer perceberam a presença de algum tipo de metáfora na descrição apresentada, o que sugere que a influência da metáfora é um processo cognitivo implícito — e que tem consequências diretas em nossas ações. No final das contas, o estudo sugere que não só “a propaganda é a alma do negócio”, mas as metáforas também.
Referência:

Thibodeau PH, & Boroditsky L (2011). Metaphors we think with: the role of metaphor in reasoning. PloS one, 6 (2) PMID: 21373643

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Quem quer rasgar dinheiro?!

Meu pai sempre foi motorista de ônibus. E é óbvio que, como admirador de carteirinha do meu pai, eu queria ser era motorista de ônibus também. E criança, como todos nós sabemos, começa a praticar a profissão dos sonhos bem cedo. Lá em casa tinha um beliche. Eu costumava sentar em uma das extremidades da cama de baixo e, com uma tampa de panela servindo como volante, eu fazia do beliche meu ônibus. Com o tempo a paradeza do beliche foi me enchendo a paciência, daí eu resolvi ficar “dirigindo” pela casa, ainda usando a tampa da panela como volante.

A verdade é que criança vive fazendo isso: utilizando objetos que têm uma certa função em outras funções. Tampa de panela vira volante, o socador de alho vira microfone (essa foi a fase em que eu queria ser cantor) e a caixa de sapato vira filmadora (a época que eu queria ser repórter da Globo). Agora imagina eu, hoje, utilizando uma tampa de panela como volante de ônibus. Tenho certeza que vou escutar comentários do tipo: “Vixe! Aquele ali é doido. Ele deve até rasgar dinheiro“.

A pergunta que eu sempre me faço é a seguinte: por que rasgar dinheiro é associado com loucura? A idéia é a mesma da tampa da panela. A tampa da panela tem uma função específica: obstruir a entrada da panela. Uma pessoa que supostamente sabe dessa função, não deve, em sã consciência, utilizar a tampa de panela em uma outra função (como volante de ônibus, por exemplo). Da mesma forma ocorre com o dinheiro. O dinheiro é uma “ferramenta” que tem uma função muito específica: representar o valor de produtos e serviços. Se alguém utiliza o dinheiro para alguma outra coisa (rasgar por exemplo, ou limpar a mesa da sala), essa ação é vista com estranheza, pois o dinheiro não está sendo utilizado em sua função.

Mas será que neuro-cognitivamente vemos mesmo o dinheiro como uma ferramenta? Apesar de “ser considerado uma ferramenta”, as propriedades físicas do dinheiro não estão ligadas à função que ele exerce, assim como acontece com a tampa da panela, ou o socador de alho. Não existe nada, absolutamente nada, na forma física do dinheiro que justifique seu uso como índice de valor. O que possibilita essa função do dinheiro é o consenso entre as pessoas de que ele é esse tipo de ferramenta.

Em neurosciência, já existe um corpo robusto de evidências mostrando que existe uma região cortical (do nosso cérebro) especialmente associada com a representação que fazemos de ferramentas e suas funções. Essa região (parte da região premotora do lobo frontal e parte da região posterior do lobo parietal) tem um padrão de ativação diferenciado quando observamos o uso funcional de ferramentas.

Para investigar se o dinheiro é representado funcionalmente de maneira semelhante às outras ferramentas do nosso dia-a-dia, um grupo de pesquisadores de vários centros de pesquisa na Dinamarca, Itália e Inglaterra fizeram o seguinte experimento: fotografaram o cérebro de um grupo de pessoas — utilizando a Ressonância Magnética Funcional (fMRI) — enquanto elas observavam vários usos do dinheiro, incluindo usos funcionalmente válidos (tipo: dobrar dinheiro e verificar o seu valor) e usos não-válidos (tipo: rasgar e cortar o dinheiro). O estudo foi publicado esse mês no Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics.

Eles conseguiram mostrar que, a região cortical conhecida por sua ativação especial durante a observação do uso de ferramentas também estava envolvida quando os participantes viram o dinheiro sendo rasgado. E mais interessante ainda: quanto maior era valor monetário da nota sendo rasgada, maior e mais intensa era a ativação dessa região. Em outras palavras, o estudo sugere que neuro-cognitivamente falando, o dinheiro é sim representado como se fosse uma ferramenta, assim como é uma chave-de-fenda e uma tampa de panela.

Agora, vai saber que região da minha cabeça vai se ativar quando eu resolver sair andando pelas ruas de Austin com uma tampa de panela como se eu estivesse dirigindo um ônibus (e obviamente fazendo o barulho do motor do ônibus com a boca…).

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Referência:

Becchio, C., Skewes, J., Lund, T., Frith, U., Frith, C., & Roepstorff, A. (2011). How the brain responds to the destruction of money. Journal of Neuroscience, Psychology, and Economics, 4 (1), 1-10 DOI: 10.1037/a0022835

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Supercalifragilisticexpialidocious ou Dociousaliexpisticfragicalirepus?

Vou começar com uma confissão: o clássico da Disney “Mary Poppins” é sim um dos meus filmes favoritos. Fazer o que? Existe um fato curioso da minha relação com o filme: lembro de passar horas e  horas e horas tentando aprender a falar a palavra supercalifragilisticexpialidoucious (para quem quiser tentar, clique aqui). Sem saber, eu fazia o que fazem os experimentos clássicos de memória. Assistia à cena várias vezes, desligava a TV e tentava repetir a palavra. Por meses, sem sucesso!

Palavras longas são mesmo difíceis de serem lembradas. Lembro que antes de estudar alemão, eu tinha a impressão de que seria preciso uma memória extraordinária para lembrar todas aquelas palavras gigantes (erfrischungsgetränk ainda é a minha favorita). No entanto, quem fala alemão fluentemente (obviamente incluindo os falantes nativos), sabe que não é necessário nenhum esforço sobre-humano para se comunicar em alemão.

Em Psicologia Cognitiva, um dos tópicos mais estudados é a memória humana. Acho que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já ouviu falar nos termos memória de trabalho (ou memória de curto-prazo) e memória de longo-prazo. Sendo bem sucinto, quando se trata de informação verbal, a memória de curto-prazo utiliza um mecanismo (cunhado por Alan Baddeley e Graham Hitch em 1974) conhecido como “volta fonológica” (phonological loop) — segundo Marcus Vinícius Alves (ver comentário abaixo), o termo em Português é “alça fonológica”. Basicamente ele diz que a capacidade limitada da memória de curto prazo está relacionada com a capacidade de reter traços fonológicos. É por esse motivo que lembrar palavras longas é muito mais difícil do que lembrar palavras mais curtas: simplesmente palavras longas têm mais sons e consequentemente envolve mais informação para ser lembrada.

No entanto, algumas pesquisas têm sugerido que a representação fonológica envolvida na “alça fonológica” não está totalmente dissociada das representações semânticas (de significado) guardadas na memória de longo-prazo. Em outras palavras, se sabemos o significado da palavra, não importa o tamanho da palavra: vamos lembrá-la de qualquer maneira. É por isso que para mim — um falante nativo da língua portuguesa — é mais fácil aprender a palavra “otorrinolaringologista” do que aprender a palavra “erfrischungsgetränk“. E aprender “erfrischunsgetränk” é muito mais fácil do que aprender “supercalifragilisticexpialidocious“.

Um estudo recente (e muito bacana) desenvolvido por Liz Jefferies, Clive Frankish e Katie Nobel (todos na Inglaterra) mostrou mais evidência em favor disso. Na verdade eles mostraram que, a depender de como você apresenta uma lista de palavras (misturada com pseudo-palavras – tipo NOGUM) ou associadas semanticamente (tipo: MESA e CADEIRA), palavras longas são lembradas mais facilmente que palavras pequenas. Em outras palavras: no estudo deles, as palavras longas eram lembradas muito mais facilmente do que as pseudo-palavras curtas, mostrando que saber o significado da palavra tem sim um papel super importante em como os traços fonológicos são representados na memória de curto-prazo.

Com isso em mente, minha meta agora é aprender a palavra supercalifragilisticexpialidocious ao contrário. Talvez basta eu associar um significado à ela???

Referência:

Jefferies, E., Frankish, C., & Noble, K. (2011). Strong and long: Effects of word length on phonological binding in verbal short-term memory The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 64 (2), 241-260 DOI: 10.1080/17470218.2010.495159

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Pra que pedir desculpa?

Uma das característica humanas que eu mais gosto é o eterno descompasso que existe entre o que “queremos” fazer e sentir e o que “realmente” fazemos e sentimos. Confuso? Eu explico. Se eu pedisse a você que me dissesse o nível de tristeza (em uma escala de 1 a 10) que você sentiria se terminasse o seu namoro de 15 anos, provavelmente você diria algo perto de 10. Mas se eu te fizesse a mesma pergunta no dia do término do namoro, provavelmente você diria que o seu nível de tristeza é bem menor.

Isso mesmo. A gente sempre “exagera” no nível das emoções que achamos que vamos sentir em acontecimentos futuros. O mesmo acontece com as nossas ações. Sempre achamos que vamos fazer “mais” do que realmente fazemos: falamos que vamos ser mais solidários e, na realidade, não somos. Falamos que vamos ser menos egoístas, e na verdade, não somos. Falamos que vamos votar melhor, e elegemos Tiriricas e Romários. E por aí vai.
Nós vivemos em uma sociedade em que pedir desculpas é uma coisa boa. Aprendemos desde crianças que, não importa o tamanho da nossa raiva na hora em que “sentamos a mão no coleguinha que roubou nosso lanche”, devemos voltar e pedir desculpa. Mas porquê? Supostamente, pedir desculpa tem uma função social importante. Ela serve para mostrar o nosso reconhecimento de que “quebramos alguma regra social”e serve principalmente para restabelecer a boa interação entre o que cometeu o erro e o afetado pelo erro.

Bonito, né! No papel.
Estamos carecas de saber que no dia-a-dia a coisa não funciona assim. Erramos, pedimos desculpa e a boa interação nunca volta. Conheço casos em que, mesmo após anos do pedido de desculpa, as pessoas continuam “se pegando”, como se nunca tivesse acontecido um pedido de desculpa. Então a pergunta que fica é: de que vale pedir desculpas? Será que o perdão é apenas mais um desses sentimentos que “achamos” que vamos ter quando alguém nos pede desculpa, mas que na verdade, nunca temos?
Recentemente, um grupo de pesquisadores da London Business School e da Erasmus University investigou exatamente esse ponto. Eles investigaram o que as pessoas se sentiriam se “imaginassem” um pedido de desculpa (após uma ofensa) e o que elas sentiriam caso o pedido de desculpa fosse real.
Os participantes da pesquisa participaram desse “jogo de confiança” com um outro participante (que era na verdade o pesquisador). No jogo de confiança, o participante começa com alguma quantidade de dinheiro (R$ 10,00 por exemplo). A instrução do jogo diz o seguinte: você tem a opção de ficar com essa quantia ou passar toda ela (ou parte dela) para o seu parceiro. A quantidade que você passar para ele será triplicada. O seu parceiro então tem o direito de dividir de volta com você a quantidade que ele quiser. Geralmente o cenário mais “justo” é o seguinte: o participante dá os R$ 10,00 para o parceiro. O parceiro então receberá o triplo (R$ 30,00) e irá dividir a quantia ao meio, de maneira que os dois fiquem com R$ 15,00 no final. Mas como tudo é na base da “escolha”, é preciso confiar ou não no parceiro. Após eu dar alguma quantia para ele, ele pode decidir me dar apenas R$ 1,00 de volta e pronto.
Quase todos os participantes do estudo decidiram dar a quantia total para o parceiro. No entanto, o parceiro deu apenas R$ 5,00 de volta (sendo injusto). Para metade dos participantes, os pesquisadores perguntaram como eles se sentiriam se os parceiros pedissem desculpa pela injustiça. Para a outra metade, os parceiros realmente pediram desculpa aos participantes.
Como era de se esperar, as pessoas que apenas imaginaram o pedido de desculpa se sentiram bem melhor do que as pessoas que realmente ouviram o pedido de desculpa. Por mais que achamos que vamos nos sentir bem com um pedido de desculpa, se ele realmente acontece não nos sentimos tão bem assim.
Mas pra que realmente pedimos desculpas? Uma das coisas que queremos quando pedimos desculpas é que a outra pessoa volte a confiar na gente. No mesmo estudo, os pesquisadores perguntaram aos participantes se eles confiariam novamente nos parceiros. Eis o achado interessante: as pessoas que ouviram a desculpa de verdade perderam a confiança no parceiro mais do que o grupo que não escutou a desculpa. Em outras palavras, o parceiro que errou e pediu desculpa perdeu também a confiança da outra pessoa, ao passo que o parceiro que errou e não pediu desculpa não perdeu tanto assim a confiança da outra pessoa.
Por que pedir desculpa, então????
A idéia principal é que se alguém trai sua confiança e não pede desculpa, você vai ficar “com raiva” da traição e do não pedido de desculpa. Se alguém pede desculpa, a raiva que fica é apenas a da traição. Nesse caso, você tem basicamente duas opções: (1) continuar com raiva e não fazer nada e (2) tentar restabelecer a sua confiança na pessoa, seja através de conversa, de ações, etc. O importante é que o restabelecimento da confiança é responsabilidade sua e não da pessoa que traiu sua confiança.
Quanto à pessoa que traiu sua confiança, basta ela saber que pedir desculpa não irá resolver o problema, não irá fazer com que a pessoa confie nela novamente e certamente não irá acabar com a dor causada pela “infração” que motivou o pedido de desculpa. É importante saber que o pedido de desculpa apenas retira uma das fonte de decepção e raiva.
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Referência:

De Cremer, D., Pillutla, M., & Folmer, C. (2010). How Important Is an Apology to You?: Forecasting Errors in Evaluating the Value of Apologies Psychological Science, 22 (1), 45-48 DOI: 10.1177/0956797610391101

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