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O documentário do momento e ações individuais

Eu não vi Seaspiracy, nem Cowspiracy e provavelmente não verei. E por algum motivo depois de ver esses filmes tem gente que se acha no direito de sair fiscalizando a carteirinha de ambientalista das pessoas.

Vi gente perguntando como um ambientalista poderia comer carne, vi outra pessoa dizendo que questionar o tal documentário era passar pano, vi uma pessoa manifestando seu desprezo pela Ásia por causa do documentário… e tudo mais que as redes sociais permitem.

Como já disse ali, não vi o documentário e não preciso dele para saber que a indústria da pesca está acabando com os estoques pesqueiros do mundo e que segundo projeções, em 2050 teremos mais plásticos nos mares do que peixes. Também sei que por culpa da mesma indústria pesqueira as baleias azuis, provavelmente o maior bicho que esse planeta já viu, estão em extinção. Quem me conhece sabe que eu tenho um amor por mega fauna e acho um absurdo viver num planeta com um número cada vez menor desses indivíduos. Enfim, é triste? É duro? É difícil? Me sinto impotente? O tempo todo.

Mas a questão ambiental não se resume a consumir ou não carne e ações individuais são pífias perto do que as indústrias poderiam estar fazendo. A maioria das pessoas no mundo sequer sabem que podem ter opção de comida, mesmo quando elas sabem e mesmo assim optam por comer carne é impraticável pensar que num futuro próximo, digo nos próximos 10 anos, conseguir que a cultura da carne se acabe aqui no Brasil, por exemplo. Ah, então não vamos fazer nada? Olha, eu sei de uma coisa que a gente pode fazer que também é uma ação individual e pode fazer uma diferença absurda: votar melhor.

Veja a diferença

Do que adianta você separar seu lixo em casa, não comer carne e recusar canudinho de plástico quando temos um Ministro contra o meio ambiente? Quando temos um presidente que já tomou multa ambiental, se recusou a pagá-la e ainda puniu o servidor que aplicou a multa? Enquanto tem gente que fica ai conferindo se quem fala que é ambientalista come ou não carne a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal está sendo presidida por uma pessoa que mente sobre desmatamento e defende garimpo em terras indígenas. Lamento informar mas todo seu esforço de fazer a sua parte pode não estar surtindo assim tanto efeito, só para você ter uma ideia o Biden com uma canetada lá nos EUA quer acabar com subsídios para combustíveis fósseis, sabe o que isso pode representar? Que se esse dinheiro for bem investido, ele pode fazer muito mais pelo planeta do que a sua existência inteira sendo vegano. Lamento mas é a realidade. Pra você ter uma ideia, só no primeiro pacote de incentivo fiscal do governo dos EUA na pandemia, foram dados nada mais nada menos que US$8,2 bilhões de isenção fiscal pra 77 empresas de combustível fóssil. Imagina esse valor sendo revertido em investimentos em formas de energia limpa e conservação da vida selvagem. Alguém aí faz a conta e me fala quantas pessoas mais precisamos que sejam vegetarianas para chegarmos nesse impacto?

Ah, então desiste de fazer qualquer coisa?

A minha questão aqui não é dizer: ser vegetariano/vegano é inútil, reciclar é bobagem ou queimem mesmo todos os combustíveis fósseis do mundo. A questão é entender a complexidade dos problemas ambientais, o tamanho deles e como as ações individuais representam pouco perto de uma decisão do alto escalão de uma grande empresa ou de um governo. Sim, temos que pressionar, sim mudar de hábitos é importante como forma de pressão, mas não sejamos inocentes de achar de que é só isso que vai nos tirar dessa situação. Demonizar as pessoas que não querem ou não podem fazer a parte delas não ajuda na solução do problema.

Eu devo ser provavelmente a única pessoa que já leu todos os posts desse blog, no passar desses 14 anos de blogueirinha de meio ambiente eu fiz uma listinha dos meus pecados ambientais e acreditei que ações individuais pudessem fazer toda a diferença, mas revi esse ponto de vista e creio que devemos cobrar de quem de fato impacta o planeta e tem o poder fazer as coisas mudarem numa outra escala. Consciência é importante, ação ajuda muito, mas focar energia na ação que vai trazer mais resultados é o que de fato fará o rumo das coisas mudarem.

Uma história real

Isso tudo me faz pensar numa amiga que trabalha numa empresa de petróleo, será que algum ambientalista já perguntou para ela como ela consegue trabalhar numa empresa que é a principal responsável pelo aquecimento do planeta? Mas calma gente, ela é vegetariana, sério, desde criancinha porque ela cresceu num sítio e não suportava a ideia de comer as galinhas que ela alimentava todos os dias. E ai fiscal de carteirinha de ambientalista, você vai dar o título de ambientalista para minha amiga ou não?

P.S.1: Tem umas coisinhas nessa minha resenha de um outro documentário que podem ser úteis para esse debate, confira Planet of Humans.

P.S.2: Gosto muito desse texto quando ouço pessoas focando apenas na importância das ações individuais, em inglês.

Planet of the Humans

Eis que despretensiosamente fui assistir o último documentário produzido pelo Michael Moore. Pra quem já viu algum dos filmes dele esse Planet of the Humans segue o mesmo estilo, porém o narrador não é ele. Mas o estilo é MUITO igual.

Fui ver o filme meio as cegas sem saber do que se tratava e fiquei contente em saber que era sobre meio ambiente, energia verde, sustentabilidade e afins.

Como todo documentário, ele conta um ponto de vista, uma visão de mundo, entrevista pessoas que interessam para a narrativa e muitas vezes não aprofunda no assunto que pode de alguma forma contradizer a tese. 

O problema do filme é você assisti-lo querendo ver o mundo de forma simplista. E é isso que me incomoda nele, num mundo complexo cheio de problemas cruéis a serem resolvidos não é polarizando a questão ambiental e tratando de forma superficial que vamos chegar num lugar melhor do que estamos hoje. (O detalhe é que essa abordagem hoje em dia parece que tem sido regra para qualquer conflito, seja na política, na economia, na saúde).

Dois pontos que abusam da superficialidade e simplismo

1) carros elétricos. Em 2009 escrevi um post sobre o documentário Quem matou o carro elétrico? E qual foi a minha principal questão naquele post? Qual é a origem da energia produzida para abastecer os carros elétricos? 11 anos depois essa pergunta já foi respondida e superada. O desempenho e o custo por km rodado do carro elétrico é muito melhor que o carro a combustão, ou seja, ele faz mais com menos. Então mesmo emitindo mais CO2 o carro elétrico faz mais. Acho preguiçoso o argumento: “ah se a energia do carro elétrico não tiver origem sustentável, então o carro elétrico não serve”. Você acha inteligente o pensamento de que se toda a produção de comida no Brasil não for orgânica, então nem quero saber de produção orgânica e ela nem deve ser incentivada?

Lembrando aqui que o carro elétrico não é a bala de prata pra problemas de transporte no mundo e tem várias problemas também, mas como a vida já deve ter te ensinado, não há solução única e perfeita no mundo.

2) combustíveis fósseis são a pior opção sempre. Longe de mim querer defender os combustíveis fósseis, eles são um problema sim mas é importante ter claro que o uso deles não vai parar na terra da noite para o dia. É ingenuidade achar que isso é possível e a menos que você seja um indígena isolado na floresta amazônica ou integrante de alguma tribo isolada africana é impossível não depender de combustível fóssil de alguma forma. E o fato de aceitar que ele é parte da vida não significa que você não pode defender que outras formas de energia e matéria-prima sejam usadas e desenvolvidas.

A falsa dicotomia

Ter conhecimento dos problemas da energia dita verde renovável, do consumo de carne, da produção da soja, das viagens de avião, dos bilionários no mundo, do plástico de origem vegetal, da reciclagem como solução para o problema de resíduos no mundo não me fazem uma pessoa que incentiva e apoia tudo isso. Nem me fizeram defensora da energia fóssil, vegana, deixei de separar meu lixo, vão me impedir de viajar de avião ou deixar de acreditar que uma outra solução além da reciclagem é possível. Felizmente o mundo não é feito só de sim ou não, certo e errado, preto ou branco.

Talvez o filme ajude os desavisados a simplesmente passarem a odiar as soluções alternativas de energia, provavelmente ambientalistas e defensores da energia verde se sintam ofendidos e/ou traídos e talvez o filme seja usado pela indústria do petróleo como endosso aos seus produtos. Tudo isso é possível e nem posso dizer que está errado. Talvez se o filme tentasse ao menos seguir no meio do caminho, não só criticando as energias alternativas, mas mostrando que ela tem vantagens e outros aspectos da origem dos problemas ambientais, seria uma maneira de ampliarmos nossas conversas e ajudaria a diminuir a polarização.

É meio estranho o que vou dizer aqui, mas o ponto alto de Planet of the Humans para mim foi a frase da Rachel Carson nos créditos finais

Mais opiniões sobre The Planet of Humans

Achei que esse texto reforça a ideia de dicotomia do filme (em inglês), provavelmente faz parte do grupo ambientalista que se sentiu traído/ofendido com a abordagem.

esse outro texto (em português) sugere que o filme deveria ter focado mais na base do problema: consumo, ideia de crescimento infinito possível e modelos econômicos alternativos. Válido, mas ai acho que seria um outro filme.

EXTRA: No site do filme planetofthehumans.com tem um guia de discussão para professores (em inglês). Gente, queria tanto que no meu tempo de escola tivesse tido esse tipo de discussão sobre os filmes que assisti… Um dos exercícios que mais me empolgaram foi: se esse filme fosse o primeiro de uma mini-série o que você gostaria que fossem os próximos episódios?

Xingu

Lembro de quando estava no ginásio na aula de história a professora passou um filme sobre o Xingu (na verdade me parecia muito mais preguiça da professora de dar aula do que qualquer outra coisa), não me lembro quase nada do filme, lembro das imagens clássicas dos índios, das aldeias e forçando muito a memória talvez fosse um documentário para retratar o estilo de vida dos índios naquele local, nada mais que isso…

Cartaz_Xingu_O_Filme

Semana passada, a convite da Brazucah, fui assistir a pré-estreia do  Xingu, o filme e fiquei super contente de conhecer a história da criação do Parque Nacional do Xingu. Aliás, o filme só me fez perceber a minha total ignorância em relação a esse parque e como o Brasil trata e tem tratado seus verdadeiros primeiros habitantes.

Você sabe quem foram os irmãos Vilas Boas? Eu não tinha ideia (vergonha total). Você sabe como e por que o Parque Nacional do Xingu foi criado? Pra mim era só mais uma reserva que tinha índios, como tantas outras devem ter por ai, mas não é só isso. Você sabe quando esse parque foi criado e toda a sua importância? Provavelmente o Google poderá responder essas perguntas, mas o filme as explica de uma forma muito mais interessante e viva. Ele conta uma parte de quase sucesso da nossa política indigenista. Eu digo quase porque não foi perfeita, cometeram-se muito erros, muitas coisas deram erradas e não aconteceram como deveriam, mas de modo geral a criação do Parque do Xingu foi um grande sucesso dessa política. E esse filme é mais do que merecido para que mais brasileiros saibam e tenham orgulho dessa história e dos ilustres irmãos Vilas Boas que tanto lutaram pela preservação da cultura indígena no Brasil.

O filme estreia nessa sexta dia 06/04/2012 e é altamente recomendado se você não sabe (como eu não sabia) muito sobre o Parque Nacional do Xingu. Mas até se você sabe sobre a história do Parque eu recomendo o filme, é uma boa dose de nacionalismo quando a maioria dos filmes brasileiros de sucesso sempre tratam de violência, corrupção e pobreza.