O papel da pesquisa cirúrgica na busca por práticas mais sustentáveis na área da saúde

A pesquisa cirúrgica desempenha um papel fundamental na resposta às mudanças climáticas e na busca por práticas mais sustentáveis na área da saúde. Embora a conexão entre cirurgia e sustentabilidade possa não ser óbvia à primeira vista, há várias maneiras pelas quais a pesquisa cirúrgica pode contribuir para essa causa urgente.

Em primeiro lugar, as salas de cirurgia são conhecidas por seu alto consumo de energia e recursos. Ao desenvolver pesquisas que visam otimizar o uso desses recursos, é possível reduzir significativamente o impacto ambiental da cirurgia. Isso pode envolver a implementação de práticas cirúrgicas mais eficientes, o uso de tecnologias sustentáveis e a adoção de medidas para reduzir o desperdício e a poluição.

A) Implementação de práticas cirúrgicas mais eficientes: estamos nos referindo a medidas que visam reduzir o desperdício de recursos, minimizar o consumo excessivo de energia e promover um uso mais racional dos materiais durante os procedimentos cirúrgicos. Aqui estão três exemplos de práticas cirúrgicas mais eficientes:

  1. Uso de tecnologias minimamente invasivas: A adoção de abordagens minimamente invasivas em cirurgias pode resultar em benefícios significativos em termos de eficiência. Essas técnicas utilizam incisões menores, o que resulta em menor perda de sangue, tempo de recuperação mais curto e menos complicações pós-operatórias. Além disso, elas geralmente requerem menos recursos de anestesia e permitem um uso mais eficiente de materiais, como suturas e curativos.

  2. Padronização de protocolos e práticas: A padronização de protocolos cirúrgicos pode contribuir para uma maior eficiência operacional. Isso envolve estabelecer diretrizes claras e uniformes para as etapas pré, intra e pós-operatórias, incluindo a seleção de instrumentos e materiais, administração de medicamentos e cuidados pós-operatórios. Ao padronizar as práticas, é possível reduzir o tempo de cirurgia, otimizar o fluxo de trabalho da equipe médica e minimizar o desperdício de recursos.

  3. Utilização de tecnologias assistivas avançadas: O uso de tecnologias avançadas, como robótica cirúrgica e realidade virtual, pode melhorar a eficiência dos procedimentos cirúrgicos. Essas tecnologias oferecem precisão aprimorada, controle refinado e visão ampliada, permitindo aos cirurgiões realizar operações com maior eficiência e menor risco de erros. Além disso, podem auxiliar na tomada de decisões cirúrgicas, resultando em melhores resultados e redução do tempo de cirurgia.

B) Uso de tecnologias sustentáveis na pesquisa cirúrgica: abordagens que visam reduzir o impacto ambiental dos procedimentos cirúrgicos. Exemplos de tecnologias sustentáveis na área cirúrgica:

  1. Energia renovável: A adoção de fontes de energia renovável, como painéis solares, pode ajudar a suprir a demanda energética das salas de cirurgia. Isso reduz a dependência de fontes de energia não renováveis e diminui a pegada de carbono associada à energia consumida durante os procedimentos cirúrgicos.

  2. Materiais biocompatíveis e biodegradáveis: O uso de materiais biocompatíveis e biodegradáveis em implantes cirúrgicos e dispositivos médicos pode diminuir o impacto ambiental. Esses materiais são projetados para serem facilmente decompostos pela natureza, reduzindo a acumulação de resíduos não biodegradáveis. Além disso, eles geralmente apresentam menor toxicidade, minimizando os riscos para a saúde humana e ambiental.

  3. Reciclagem e reutilização de materiais: A implementação de programas de reciclagem e reutilização de materiais cirúrgicos pode contribuir para a redução do desperdício. Isso envolve a separação adequada de resíduos cirúrgicos, como instrumentos e embalagens, para que possam ser reciclados ou reprocessados. Além disso, a reutilização de instrumentos médicos seguros e de alta qualidade, devidamente esterilizados, pode diminuir a necessidade de produção e descarte contínuos de novos dispositivos.

C) Adoção de medidas para reduzir o desperdício e a poluição: ações tomadas para minimizar a quantidade de resíduos gerados e diminuir o impacto ambiental associado aos procedimentos cirúrgicos. Exemplos de medidas para reduzir o desperdício e a poluição na pesquisa cirúrgica:

  1. Gestão adequada de resíduos: Implementar um sistema eficiente de segregação e descarte de resíduos cirúrgicos é fundamental. Isso envolve a classificação correta de resíduos biológicos, químicos e materiais descartáveis, permitindo que sejam descartados ou reciclados de forma apropriada. Além disso, a esterilização e a reutilização segura de instrumentos cirúrgicos podem reduzir significativamente a quantidade de resíduos gerados.

  2. Uso responsável de materiais e recursos: Promover a conscientização sobre o uso responsável de materiais é essencial. Isso inclui a seleção criteriosa de dispositivos e materiais cirúrgicos, evitando o uso excessivo ou desnecessário. Além disso, a adoção de práticas de conservação de energia e água, como desligar equipamentos quando não estiverem em uso e otimizar o consumo de água durante os procedimentos, contribui para a redução do desperdício e da poluição.

  3. Minimização de embalagens e plásticos: Reduzir o uso de embalagens excessivas e plásticos descartáveis é uma medida importante. Optar por embalagens mais sustentáveis e reutilizáveis, como materiais biodegradáveis ou recicláveis, pode ajudar a reduzir a quantidade de resíduos plásticos gerados. Além disso, promover a conscientização sobre o uso responsável de produtos descartáveis durante os procedimentos cirúrgicos pode contribuir para a redução da poluição por plásticos.

Outro aspecto importante é o desenvolvimento de práticas anestésicas mais sustentáveis. Os gases anestésicos utilizados durante os procedimentos cirúrgicos têm um alto potencial de contribuição para o aquecimento global. A pesquisa pode se concentrar na busca de alternativas mais ambientalmente amigáveis ou na implementação de medidas para capturar e reduzir as emissões desses gases.

A fumaça produzida pelos bisturis elétricos durante procedimentos cirúrgicos apresenta um desafio em termos de sustentabilidade e saúde ocupacional. Essa fumaça, composta por partículas e gases nocivos, pode contribuir para a poluição do ar e representar riscos à saúde dos profissionais de saúde presentes no ambiente cirúrgico.

Nesse sentido, a pesquisa cirúrgica pode desempenhar um papel importante ao buscar alternativas mais ambientalmente amigáveis para lidar com a fumaça dos bisturis elétricos. Isso pode envolver o desenvolvimento de sistemas de filtragem eficientes que capturem as partículas e gases prejudiciais presentes na fumaça, minimizando sua dispersão no ar e reduzindo o impacto ambiental.

Além disso, a implementação de medidas para capturar e reduzir as emissões desses gases também é uma área de foco. Isso pode ser alcançado por meio de tecnologias mais avançadas de controle da fumaça, como sistemas de extração e filtragem mais eficientes, que permitem a remoção dos contaminantes antes que sejam liberados no ambiente circundante.

Além disso, a pesquisa cirúrgica pode contribuir para a promoção de uma abordagem mais holística em relação à sustentabilidade na saúde. Isso significa considerar não apenas o impacto ambiental da cirurgia, mas também sua eficácia a longo prazo, seu custo-benefício e seu papel dentro de um sistema de saúde mais amplo. Ao integrar a cirurgia em estratégias de saúde sustentáveis, é possível obter benefícios duplos, tanto para o meio ambiente quanto para a saúde dos pacientes.

Portanto, o papel da pesquisa cirúrgica na resposta às mudanças climáticas e na busca por práticas mais sustentáveis na área da saúde é crucial. Ao adotar uma abordagem sustentável, reduzindo o impacto ambiental da cirurgia e promovendo práticas mais responsáveis, podemos garantir que a saúde e o bem-estar das gerações futuras sejam protegidos, ao mesmo tempo em que fornecemos cuidados cirúrgicos de alta qualidade.

 

Bibliografia:

Beloeil H, Albaladejo P. Initiatives to broaden safety concerns in anaesthetic practice: The green operating room. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2021 May;35(1):83-91. doi: 10.1016/j.bpa.2020.07.010. Epub 2020 Jul 24. PMID: 33742580.

Cunha MF, Pellino G. Environmental effects of surgical procedures and strategies for sustainable surgery. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2023 Jun;20(6):399-410. doi: 10.1038/s41575-022-00716-5. Epub 2022 Dec 8. PMID: 36481812; PMCID: PMC9735025.

Forbes C, Raguveer V, Hey MT, Sana H, Naus A, Meara J, McClain C. A new approach to sustainable surgery: E-liability accounting for surgical health systems. BMJ Glob Health. 2023 May;8(Suppl 3):e012634. doi: 10.1136/bmjgh-2023-012634. PMID: 37225256; PMCID: PMC10230895.

Mubarak FS. Sustainable Healthcare to Provide Quality Care in the Surgical Industry in the United Kingdom. Cureus. 2023 Apr 26;15(4):e38156. doi: 10.7759/cureus.38156. PMID: 37252547; PMCID: PMC10218761.

Perry H, Reeves N, Ansell J, Cornish J, Torkington J, Morris DS, Brennan F, Horwood J. Innovations towards achieving environmentally sustainable operating theatres: A systematic review. Surgeon. 2023 Jun;21(3):141-151. doi: 10.1016/j.surge.2022.04.012. Epub 2022 Jun 14. PMID: 35715311.

Rizan C, Steinbach I, Nicholson R, Lillywhite R, Reed M, Bhutta MF. The Carbon Footprint of Surgical Operations: A Systematic Review. Ann Surg. 2020 Dec;272(6):986-995. doi: 10.1097/SLA.0000000000003951. PMID: 32516230.

Shoham MA, Baker NM, Peterson ME, Fox P. The environmental impact of surgery: A systematic review. Surgery. 2022 Sep;172(3):897-905. doi: 10.1016/j.surg.2022.04.010. Epub 2022 Jul 2. PMID: 35788282.

Alessandro Zorzi

Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *