A Nova Era da Pesquisa Cirúrgica: Enfrentando Desafios e Prioridades para a Saúde Global

No passado, a pesquisa cirúrgica era frequentemente considerada uma “ópera cômica”, segundo artigo publicado este mês na prestigiosa revista “The Lancet” (1), com métodos questionáveis e resultados duvidosos. A maioria dos estudos eram apenas séries de casos pequenas e opiniões pessoais de figuras proeminentes, a chamada “Medicina Baseada em Eminências”. Mas ao longo das últimas décadas, esse cenário mudou significativamente. Agora, estamos testemunhando uma transformação na pesquisa cirúrgica, com um maior foco em estudos controlados e randomizados, que fornecem respostas confiáveis para questões cruciais, seguindo os princípios da “Medicina Baseada em Evidências”. No entanto, apesar dos avanços, ainda existem desafios a serem superados.

Um dos principais problemas enfrentados na pesquisa cirúrgica é a limitação de comparações entre diferentes técnicas cirúrgicas, em que as diferenças nos resultados dos pacientes muitas vezes são sutis. Além disso, a crença de que as inovações são sempre melhores levou à introdução de dispositivos e procedimentos pouco avaliados, o que pode ter efeitos negativos nos pacientes. Portanto, é essencial abordar essas preocupações e garantir que a pesquisa cirúrgica seja realizada de maneira ética e responsável.

Para avançar no campo da pesquisa cirúrgica, é fundamental olhar além das salas de cirurgia e enfrentar questões mais amplas. Três prioridades emergem como cruciais: acesso, equidade e saúde pública. Milhões de pessoas ao redor do mundo ainda não têm acesso a cuidados cirúrgicos seguros e acessíveis, enfrentando dificuldades financeiras significativas. Além disso, a cirurgia deve ser reconhecida como uma área fundamental da saúde global, abordando desafios como trauma, anomalias congênitas, parto seguro e doenças não transmissíveis. Ao integrar a cirurgia à saúde pública, é possível obter melhorias significativas na saúde das populações em todo o mundo.

Outro desafio importante é a necessidade de promover a inclusão e a diversidade na pesquisa cirúrgica. Mulheres, minorias e pessoas de países de baixa e média renda estão sub-representados tanto na prática clínica quanto nas pesquisas cirúrgicas de destaque. Para superar essa lacuna, é fundamental trabalhar em colaboração local e global para criar um ambiente mais inclusivo e garantir que todos os grupos tenham a oportunidade de contribuir e liderar pesquisas. Ao fazer isso, poderemos abordar de maneira mais abrangente as necessidades e preocupações de todos os pacientes.

Por fim, a pesquisa cirúrgica também precisa lidar com o desafio das mudanças climáticas. As salas de cirurgia são conhecidas por seu alto consumo de energia e recursos, além do uso de produtos não biodegradáveis e gases anestésicos que têm um grande impacto ambiental. Portanto, é crucial desenvolver práticas e suprimentos cirúrgicos mais sustentáveis. Ao abordar essa questão, podemos reduzir as emissões de carbono e criar sistemas cirúrgicos mais eficientes e ecologicamente responsáveis.

A pesquisa cirúrgica está passando por uma transformação significativa e abandonando a era cômica do passado. Ao enfrentar esses desafios e prioridades, podemos posicionar a cirurgia como líder na área da saúde, garantindo cuidados cirúrgicos acessíveis e de qualidade para todos. Somente dessa forma poderemos alcançar melhorias substanciais na saúde das populações e avançar para um futuro mais promissor.

Referências:

 

  1. Bagenal J, Lee N, Ademuyiwa AO, Nepogodiev D, Ramos-De la Medina A, Biccard B, Lapitan MC, Waweru-Siika W. Surgical research-comic opera no more. Lancet. 2023 Jul 8;402(10396):86-88. doi: 10.1016/S0140-6736(23)00856-5. Epub 2023 May 9. PMID: 37172604.

Alessandro Zorzi

Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

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