Sabe quando você está numa estrada de pista dupla mas não tem certeza de qual saída tomar para entrar numa cidade? Nesses casos, você recorre à sinalização da pista, usa o GPS ou, na falta de opções, segue em frente até achar uma saída. Os neurônios que precisam se ramificar para chegar aos músculos agem de modo parecido, segundo pesquisadores da Johns Hopkins University School of Medicine [Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins]. A pesquisa foi publicada na edição de novembro de 2012 da revista Neuron.
Trabalhando com moscas de frutas Sangyun Jeong, Katarina Juhaszova e Alex L. Kolokdin descobriram que a interação entre proteínas indica aos neurônios motores como e onde eles devem se ramificar para alcançar os músculos certos. Os neurônios (ou nervos) motores conectam as fibras musculares à medula espinhal e, assim, permitem que o cérebro controle os movimentos musculares.
Essa conexão ocorre durante o desenvolvimento embrionário, quando as células nervosas da medula espinhal lançam os axônios (estruturas similares a fios elétricos ou cabos de conexão). Inicialmente, vários axônios “viajam” enfeixados, como se formassem um “comboio”. Entretanto, à medida que avançam, alguns axônios precisam sair da “rodovia” em determinados pontos para que possam se ligar aos músculos que vão acionar.
Via de mão-dupla
Em seus experimentos com Drosophilas, os pesquisadores descobriram que o feixe de axônios carrega em sua superfície um par de proteínas que agem como se fossem walkie-talkies, permitindo uma comunicação bioquímica entre um neurônio e outro. Esse sistema permite que os axônios coordenem suas rotas e possam sair do feixe no local adequado, assegurando que cada fibra muscular receba sua conexão nervosa.
“Quando a ramificação dos axônios falha ou quando eles se ramificam muito cedo ou com muita frequência, as moscas-de-fruta — e, presumivelmente, outros animais — podem ficar sem conexões músculo-nervo cruciais”, diz Alex Kolodkin, professor de neurociência do Institute for Basic Biomedical Sciences [Instituto de Ciências Biomédicas Básicas] da Johns Hopkins University School of Medicine.
Kolodkin explica que a base desse sistema de GPS neuronal é a proteína conhecida como Sema-1a, cuja existência na superfície de axônios de neurônios motores já era conhecida. Ela interage com outra proteína neuro-superficial também indentificada por outras pesquisas, a PlexA. Se um axônio tiver a Sema-1a e a superfície de um dos axônios vizinhos apresentar a PlexA, esse último sofrerá uma repulsão e se afastará do feixe, saindo do “comboio”. É como sair de uma estrada após ler uma placa indicativa. Nesse caso, Sema-1a é como a placa e Plexa, como a reação do motorista.
O que os pesquisadores descobriram é que a Sema-1a também pode reagir à PlexA. “Pensávamos que esse par de proteínas superficiais agisse como um rádio unidirecional, com um fluxo de informação de mão-única”, explica Kolodkin. “O que descobrimos é que a informação instrucional é uma via de mão-dupla.”
Apertando os botões do painel
A equipe do Johns Hopkins descobriu essa via desligando e manipulando alguns genes das moscas-das-frutas e observando o que acontecia depois disso. Assim, os cientistas descobriram outras proteínas situadas no interior dos axônios motores e com as quais a Sema-1a interage após receber o sinal da PlexA.
Quando o gene que expressa uma proteína chamada Pebble foi deletado, por exemplo, os axônios motores mantinham-se sempre unidos e não se ramificavam. Quando era deletado o gene da proteína RhoGAPp190 o resultado era o oposto: os axônios se separavam muito cedo e não alcançavam seus músculos-alvo.
Através de uma série de testes bioquímicos, Kolodkin e seus colaboradores descobriram que a Pebble e a RhoGAPp190, por sua vez, agiam sobre uma terceira proteína, Rho1. Quando Rho1 é ativada, ela retrai as estruturas de suporte do interior do axônio, tornando-o “manco” e incapaz de continuar a viagem até o alvo. Na nossa analogia rodoviária, essas duas proteínas secundárias agem mais ou menos como o GPS. São elas que confirmam se determinado ponto é ou não uma saída para a cidade (ou, no caso, o músculo).
A Sema-1a pode se ligar à Pebble ou à RhoGAPp190 as quais, por sua vez, podem se ligar à Rho1. Quando a ligação é com a Pebble, isso ativa a Rho1 e leva ao afastamento dos axônios, i.e., à ramificação nervosa. Por outro lado, a ligação da Sema-1a com a RhoGAPp190 desativa a Rho1 e permite que os axônios se mantenham juntos. Assim, explica Kolodkin, é o equilíbrio entre a quantidades disponíveis de Pebble e RhoGAPp190 que determina o comportamento axiônico. Entretanto, ainda não está claro o quê controla esse equilíbrio.
Relação com a esquizofrenia
“Essa sinalização é complexa e nós ainda não entendemos como ela é controlada”, reconhece Kolodkin. Ele ressalta a importância da pesquisa e explica que há uma proteína “parente” da Sema-1a em humanos e que ela está relacionada à esquizofrenia (embora o papel dessa proteína ainda não esteja claro). Isso significa que o aprofundamento dos estudos sobre a forma como os neurônios motores de ramificam pode, eventualmente, levar a um maior entendimento da esquizofrenia. Não é uma cura, mas pode ser o caminho para uma. Se isso não acontecer, é grande a chance de entendermos melhor as doenças neuromusculares, que dependem diretamente dessa relação entre músculos e nervos.
Referência
Sangyun JEONG, Katarina JUHASZOVA, Alex L. KOLODKIN. “The Control of Semaphorin-1a-Mediated Reverse Signaling by Opposing Pebble and RhoGAPp190 Functions in Drosophila”. Neuron, Volume 76, Issue 4, 721-734, 21 November 2012. http://dx.doi.org/10.1016/j.neuron.2012.09.018