Patentes Patéticas (nº. 130)

ecoboladegolfeCom seus vastos campos descampados e salpicados por buracos minúsculos e laguinhos, o golfe não é lá um esporte muito sustentável. A água usada para manter a grama verdinha, a energia gasta pelos cortadores de grama, as árvores derrubadas para ampliar os espaços para as tacadas — tudo isso pode fazer de um campo de golfe um pequeno desastre ambiental.

É verdade que os carrinhos usados para se deslocar pelos latifúndios chamados de golf courses são elétricos. Mas de que isso adianta se os jogadores de golfe geralmente chegam ao campo em SUVs beberrões? As próprias bolinhas são fabricadas com petróleo e há tacos de madeira. Como tornar o velho esporte escocês mais eco-friendly? Talvez Bolas de Golfe com Absorventes de Dióxido de Carbono possam compensar todas as pegadas de carbono relacionadas ao esporte:

Esta [patente] apresenta uma bola de golfe que inclui absorventes de dióxido de carbono de modo que a bola de golfe possa reduzir os níveis de dióxido de carbono para ajudar a aliviar o aquecimento global. A bola de golfe pode incluir uma camada intermediária que é substancialmente impermeável à água para assegurar que o núcleo da bola de golfe não seja degradado pela água produzida pela reação de absorção do dióxido de carbono. Os absorventes químicos podem ser encapsulados em microcápsulas de modo que o dióxido de carbono não seja absorvido até que a bola de golfe seja usada por um golfista.

E este é apenas o resumo da ambiciosa patente nº. 8.475.297 B2 [pdf]. As mentes geniais por trás da ideia de salvar o mundo a cada tacada são Chien-Hsin Chou, Chien-Tai Liu (de Taiwan) e Chia-Chyi Cheng (de Portland, Oregon), mas a verdadeira dona da ideia é a Nike. A patente foi pedida nos Estados Unidos em 23 de fevereiro de 2011 e aprovada em 2 de julho de 2013. Evidentemente, há versões internacionais, registradas sob números  WO2012116096A2 e WO2012116096A3.

Qualquer que seja a patente, a Nike reconhece que o golfe não é lá muito verde. A empresa alega que busca resolver isso ao permitir que “a própria bola de golfe tenha um papel na luta contra o aquecimento global”. A Nike também argumenta que essa é a primeira vez que uma bola de golfe tenta neutralizar a pegada de carbono do seu processo de fabricação. E é uma senhora pegada, considerando que há derivados de petróleo entre os componentes das pequenas bolinhas esburacadas, que são embaladas em plástico igualmente derivado de petróleo e distribuídas através de caminhões (mais petróleo!).

OK, mas como a bolinha absorvente de CO2 funciona? A patente da Nike propõe o uso de “uma base forte como hidróxidos alcalinos, óxidos alcalinos, alcali-hidróxidos, alcali-óxidos ou misturas destes”. Como exemplo, apresentam-se duas reações com hidróxido de cálcio e óxido de cálcio:

CaO+H2O→Ca(OH)2  Reaction (1)
Ca(OH)2+CO2→CaCO3+H2O  Reaction (2)

Também há outras versões com hidróxido de lítio (LiOH), hidróxido de sódio (NaOH) e hidróxido de potássio (KOH), que são “prontamente disponíveis a peços economicamente viáveis e reagem efetivamente com o dióxido de carbono atmosférico”. Esses materiais absorventes são dispostos numa “matriz polímero”, que forma uma camada intermediária carregada com microcápsulas de 0,5μm a 100μm.

Química à parte, a bola funciona assim: ao bater nela, ela deforma-se e suas microcápusulas abrem-se e absorvem o CO2 durante o voo. Quanto mais tacadas, mais vezes a camada absorvente é exposta ao gás carbônico, absorvendo-o. Há até uma indicação visual que permite ao golfista ecologicamente correto saber quanto gás carbônico capturou ao fim da partida. Na prática, quanto pior for seu jogo, melhor para o planeta. Ou não.

Embora seja cientificamente perfeita, dois pequenos probleminhas impedem que a eco-bola-de-golfe seja realmente eco. O primeiro está nas regras do golfe. Segundo a própria patente, as regras oficiais da United States Golf Association (USGA) determinam que uma bola de golfe não passe dos 45,93 gramas.

Portanto, — diz a patente — uma bola de golfe de acordo com essas especificações deve ser fabricada com pouco menos de 45,93 gramas, de modo que sua massa cresça à medida que se absorve dióxido de carbono. Por exemplo, uma bola de golfe recém-fabricada de acordo com essa especificação pode pesar 45,5g antes de absorver qualquer quantia significante de dióxido de carbono atmosférico.

Você aceitaria começar o jogo com um concorrente que tem uma bola ligeiramente mais leve e que supostamente absorve CO2? Embora seja ecologicamente correto, não parece muito justo.

O que nos leva, aliás, ao segundo problema. Como se vê, embora pese dezenas de gramas cada bolinha só é capaz de absorver frações de gramas de CO2. Num mundo em que as emissões são medidas em dezenas de milhares de teragramas (ou milhões de toneladas), é um esforço verdadeiramente patético tentar reduzir o gás carbônico atmosférico tacada após tacada. Os próprios inventores reconhecem que “no melhor dos casos, esta bola de golfe pode apenas ser carbon neutral e não é capaz de reduzir a quantia total de dióxido de carbono na atmosfera.” No fundo, essa é só mais uma tacada de marketing.

Mas pelo menos a eco-bola-de-golfe combinaria com aquele taco-aparador-de-grama.

***

[Agradecimentos ao Luís Bento, do Discutindo Ecologia, que sugeriu esta patente patética via inbox em nossa página no Facebook. Você também pode contribuir.]
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