Patentes Patéticas (nº. 132)

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Hoje em dia relógios são onipresentes. Goste-se ou não, temos marcadores horários em tudo quanto é coisa — daquele velho videocassete ao microondas, passando pela torre da igreja, o pulso da sua avó e talvez até aquela peruca estranha do seu tiozão esperto. Também há relógios no painel do carro, caso seu relógio esperto, ou o de peruca, ou o de bolso, ou o do celular (esperto ou não), ou o da igreja estejam todos parados, atrasados ou confusos com o horário de verão. Mas e quando o relógio do carro é que pára? Você não pode perder tempo (nem segurança) parando para perguntar as horas ao primeiro pedestre que encontrar.

É verdade que hoje, com onipresença dos relógios, você não precisaria se preocupar tanto assim com o do carro (até porque, independente do relógio de referência, você está sempre atrasado). Mas as coisas não eram assim há seis décadas, quando Gérard Friedli inventou um tipo bem user-friendly de Car Watch [Relógio Automotivo]:

Em combinação, um relógio, uma mola anular plana aberta, fixada ao fundo da caixa do relógio, e tendo suas duas extremidades estendendo-se numa direção transversal ao fundo da caixa do relógio, um soquete no relógio, formado por uma cavidade no fundo da caixa do relógio e pelas ditas extremidades soltas da mola, e uma peça integral com uma cabeça esférica, mantida com fricção intensa dentro do dito soquete, sendo tal peça adaptada para ser parafusada em uma chave de ignição automotiva.

OK. Descrevendo assim não parece tão user-friendly. Parece mais uma gambiarra do que uma invenção devidamente patenteada. Mas essa é uma daquelas gambiarras patenteadas mesmo. Em se tratando de relógios, é claro que seria uma gambiarra suíça.

O inventor, Gérard Friedli devia trabalhar como relojoeiro na Fabrique d’Horlogerie de St. Blaise S.A., de Saint Blaise, Suíça. Depois de fazer um pedido de patente em seu país natal (que parece não ter sido aprovado), Friedli tratou logo de registrar a gambiarra, digo, invento nos Estados Unidos. Deu entrada no pedido em 20 de abril de 1954 e esperou 18144 horas ou exatos 756 dias para conseguir a patente nº. 2.745.244 [pdf], de 15 de maio de 1956.

Friedli começa por reconhecer que “já são conhecidos diversas construções desse tipo na arte”, com o relógio no “painel de instrumentos ou no volante do carro”. O problema é que “estes alojamentos devem ser obviamente planejados pelo designer do carro”, o que nem sempre acontece. E quando acontece, “o comprador do carro acaba ficando sem escolha quanto ao relógio”, já que todos os relógios automotivos são padronizados. Mas esse nem é o maior problema:

Problemas mais sérios, porém, podem aparecer quando o proprietário do carro deve incidentalmente deixar seu relógio do carro para ser reparado, porque ele então tem que frequentemente que andar muitas vezes, indo do mecânico do motor até o relojoeiro com seu relógio, para [que o relojoeiro possa] desmontá-lo do carro, repará-lo, e montá-lo novamente no carro.

Por uma falha de tradução alemão-inglês parece que temos um pequeno paradoxo aqui. Incidentalmente, parece que o motorista consegue ir buscar o relojoeiro a pé (pois o carro está na oficina) com o relógio do carro nas mãos, ainda que para isso o relógio tivesse que ser desmontado antes pelo relojoeiro — que não estava na oficina e precisava ser buscado. Considerando que não é mesmo muito comum que relojoarias e oficinas mecânicas sejam muito próximas ou mesmo vizinhas, dá pra entender a motivação de Herr Friedli, que deve ter passado várias vezes por essa experiência confusa e desagradável. Só não sabemos se foi como motorista desrelojado ou relojoeiro desalojado.

Em vez de propor que o motorista sem tempo empreste o relógio de sua avozinha, Friedli propõe uma solução que “permita a cada proprietário de automóvel adaptar sozinho e facilmente um relógio de sua escolha em seu carro, sem modificar o mesmo ou suas partes de maneira nehuma”. Assim, o relógio automotivo da invenção é “fixado à chave de ignição do carro por meio de uma junta universal, de modo que o mostrador seja sempre orientado à vontade em relação ao suporte.”

Sim, um relógio — suíço, é claro — encaixado na chave. Muito útil caso o seu relógio de bolso, o de pulso, o da igreja, o da oficina mecânica, o do relojoeiro e o do carro estejam quebrados ou não se entendam. Mas será que você vai conseguir enxergá-lo direito? Afinal em muitos carros mal dá pra observar bem a chave da ignição em uso. E quando dá, a posição não é muito favorável para observá-la de lado, com uma das faces voltadas para o motorista. Nosso inventor alpino garante que não tem problema:

Uma vez que a chave tenha sido inserida e qualquer que seja sua posição angular, a junta-soquete descrita sempre permite orientar o relógio à vontade, particularmente para que o mostrador esteja sempre voltado para o condutor do veículo. Por causa da fricção da cabeça 15 dentro de seu soquete, o relógio sempre permanecerá na mesma posição com respeito à chave de ignição, apesar dos solavancos do carro e a não ser que seja orientada de outro modo por força.

O que significa que além de perder tempo parafusando o relógio à chave, nosso apressado motorista ainda vai ter que perder tempo regulando a posição do relógio em relação ao painel e à chave. Mas pelo menos o resultado deve ser bonito, pois Friedli louva outra vantagem de seu design, que apresenta “uma grande vantagem estética na construção” devido ao fato de que “todo o mecanismo, que permite a fixação do relógio à chave de ignição, é dobrado e escondido por trás do relógio uma vez que este tenha sido satisfatoriamente orientado diante do painel de instrumentos.”

Não vamos negar que é uma gambiarra elegante e refinada, mas não passa de uma gambiarra mesmo. E com a dúbia vantagem de que com ela você pode perder o relógio do carro junto com a chave de ignição, ganhando muito mais tempo ao perder os dois de uma vez só.

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