Patentes Patéticas (nº. 134)

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É difícil encontrar algo mais simples e, ao mesmo tempo, mais sofisticado do que um estilingue. Um pedaço de madeira tripartido e tira de material elástico amarrada a duas pontas — eis um instrumento que está há milênios na memória tecnológica humana. Haveria algum modo de aperfeiçoar um estilingue? James F. White não só aperfeiçoou o estilingue como fez dele uma Combination Hunter-Fisher Survival Unit [Unidade Combinada de Sobrevivência Caçador-Pescador]:

Esta invenção relaciona-se a um artigo que foi projetado primeiramente para uso como brinquedo, por lazer, para uso na pesca e na caça e que pode ser carregado como uma unidade de sobrevivência. Mais particularmente, a invenção refere-se a uma combinação das partes que devem ser usadas conjuntamente para cada um dos propósitos intendidos ou usos da unidade.

Se James F. White fosse suíço, poderíamos muito bem chamar seu invento de estilingue suíço. Mas James F. White é um veterano americano de Anacortes, Washington, e chama seu invento de “unidade de sobrevivência” para conseguir patentear (sob nº. 3.154.063, de 27 de outubro de 1964 [pdf]) um estilingue. Basicamente, a geringonça tem dois modos de operação — como estilingue e como vara de pescar:

Para uso como estilingue, todas as partes da estrutura mantém-se firmemente juntadas como mostrado na FIG. 2. Chumbinhos 11s podem ser removidos do braço 11′ conforme necessário e usados como projéteis para abater aves, coelhos, esquilos, etc. Se houver necessidade de fogo, fósforos são contidos no braço tubular 11 e serão mantidos secos e seguros contanto que o plugue 13 seja mantido bem apertado. A bússola 36 servirá como orientação para o usuário se for necessário.

Até aqui não há nada que mais diversos bolsos nos uniformes militares não resolvam. Os fósforos podem muito bem ficar numa caixinha. Os chumbinhos também. E, convenhamos, um soldado bem treinado não precisa de bússola.

O dispositivo de pesca — um molinete em miniatura montado na parte inferior do Y, com linhas e anzóis guardados na tampa rosqueável — parece simples, mas dificilmente seria prático. Seria difícil conseguir um peixe grande o bastante para alimentar um soldado com algo tão pequeno.

Mesmo que fosse possível conseguir peixe fresco com um equipamento tão compacto, isso demandaria bastante tempo parado em um rio ou lago, coisa que um soldado em combate não tem. E se for necessário abater pequenas aves e mamíferos para se alimentar, um estilingue bem simples já basta — mas apenas se você realmente estiver sem munição e/ou sem armas de fogo. Juntar toda a parafernália de um soldado numa peça só teria um risco extra: se perder o estilingue, o soldado perderia tudo o que tem. Pior ainda, uma arma tão sofisticada poderia cair nas mãos inimigas — japoneses, no caso de White.

Embora admita que seu invento “pode ser usado como brinquedo para fins de lazer”, White parecia acreditar insistentemente nas múltiplas utilidades, inclusive militares, de seu estilingue-porta-trecos:

Adicionalmente, é apropriado para ser carregado por homens que prestam serviço no Exército ou na Marinha como unidade de sobrevivência em caso de necessidade. Por exemplo, homens perdidos no mar num barco ou bote salva-vidas poderiam considerar este artigo valioso para obter alimento por pesca ou por abater aves através do estilingue. O tamanho do artigo é tal que pode ser convenientemente carregado no saco ou kit e pode ser convenientemente mantido num barco ou bote.

Entre seus argumentos, White ainda afirma que não está reinventando a roda (ou melhor, o estilingue), pois seu dispositivo “não é meramente uma agregação de artigos sem relação, mas é desenhado de modo que cada uma de suas principais partes qualifique as outras em seus usos.” Mais do que isso, Mr. White apela para a própria experiência como veterano no front do Pacífico durante a II Guerra Mundial:

Eu experimentei [a necessidade desse equipamento] enquanto membro das Forças Armadas, atrás das linhas inimigas em Bataan, na II Guerra Mundial. Se aquela unidade nos tivesse servido com carne fresca e peixe, teria aumentado grandemente nossas rações de ferro e nosso bem-estar. O estilingue teria sido um método silencioso de conseguir caça, o que é importante num território inimigo. E a unidade de pesca, por ser compacta e completa, nos teria rendido um suprimento de peixes frescos.

Infelizmente, Mr. White teve essa ideia com uns vinte anos de atraso. Talvez ele tenha apresentado a ideia de um estilingue tão útil quanto um canivete-suíço aos seus superiores ainda durante a guerra, mas deve ter sido duramente ridicularizado. Tão ridicularizado que levou duas décadas para se convencer de que valeria a pena patenteá-la.

Mas não faria diferença alguma. Afinal, não seria com um estilingue que os americanos ganhariam a guerra no Pacífico. Tampouco seria por falta de um estilingue que os americanos perderiam no Vietnã.

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