Um Anúncio Obscuro

Há quem reclame que os anúncios publicitários impressos de hoje são pobres em texto, supérfluos e muito dependentes da imagem. Os argumentos deram lugares a trocadilhos. Mesmo os anúncios classificados têm, por motivos diversos, um texto pobre. O amante de textos de publicidade deve, porém, lembrar-se que textos longos nem sempre são sinônimos de textos ricos, muito menos esclarecedores.

Henry Sampson lembra seus leitores exatamente disto no seguinte trecho e anúncio apresentado em sua History of Advertising from the Earliest Times, Illlustrated by Anecdotes, Curious Specimens and Biographical Notes [Uma História dos Anúncios desde os Tempos mais Antigos, Ilustrada por Anedotas, Espécimes Curiosos e Notas Biográficas], de 1874:

Nós, que estamos familiarizados como os mil e um truques praticados pelos comerciantes de modo a atrair a atenção para seus anúncios, devemos estar prontos para ridicularizar a maneira pouco artística com que tais notas eram apresentadas ao público do século XVII. Tipos diferentes, linhas divisórias, gravuras e outros artifícios para prender o olhar distraído eram ainda desconhecidos. Frequentemente, todos os anúncios eram redigidos em uma única sentença, sem uma pausa ou mesmo ponto-final, como o espécime que extraímos do “Loyal Impartial Mercury” de 14-17 de novembro de 1681:

A Casa na Strand, onde o Embaixador do Marrocos residiu recentemente, está para ser alugada, com ou sem mobília, integralmente ou em diversas partes; uma casa em Marklane está pronta para um mercador; e ainda há bons alojamentos não muito longe da Royal Exchange, pronta para qualquer mercador ou gentil-homem que a queira alugar e que pode se informar na esquina Noroeste da Royal Exchange, onde pode saber mais; no mesmo escritório, procura-se colocações para oficiais de justiça ou qualquer outro cargo legal, ou colocação para auditor ou receptor ou gerente do lar ou cavaleiro para qualquer nobre ou gentil-homem; ou colocações para cervejarias ou no cais do porto ou similares; ainda, qualquer pessoa que deseje comprar ou vender quaisquer propriedades, anuidades ou hipotecas ou alugar ou tomar qualquer casa ou emprestar dinheiro, pode dirigir-se ao citado escritório.

Além de se entediar com tão longa frase, o leitor comum deste começo do século XXI mal consegue entender do que se trata o anúncio. É de uma imobiliária. E de uma agência de empregos. E de uma financeira (ou de um agiota). Ou talvez de um negócio que lide com tudo isso ao mesmo tempo. Talvez não houvesse distinção clara destes ramos naquela época. Mas não há marcas ou nomes comerciais, muito menos preços pelos produtos e serviços oferecidos.

No máximo, há um endereço bastante vago e perdido no meio do anúncio — que talvez não fosse útil nem para o leitor seiscentista. Numa época em que não havia GPS, o pobre interessado que não conhecesse Londres muito bem teria que sair a esmo e perguntar a transeuntes sobre o local citado (“esquina Noroeste da Royal Exchange”) ou tentar procurá-lo por seus próprios meios. Ainda que a capital britânica fosse menor, sem carros, táxi ou metrô, talvez se perdesse um dia inteiro — e muitos negócios — nessa busca.

Mesmo hoje há uma margem de confusão. Fundada em 1571, a Royal Exchange era uma espécie de “Mercadão” de Londres. Ali se reuniam e negociavam mercadores de todo o país. Com o tempo, o entreposto comercial virou bolsa de valores. No entanto, apesar da ligação histórica, a Royal Exchange não é a Bolsa de Valores de Londres, London Stock Exchange, que fica perto da Catedral de St. Paul. Situado perto do Bank of England, o atual prédio da Royal Exchange é um shopping de luxo (que está à venda) e foi construído em 1840, após um incêndio em 1838. O prédio original já havia sucumbido ao Grande Incêndio em 1666.

Apesar do tamanho, este anúncio comprido e enfadonho pode ter saído bem baratinho. Como explica Sampson, nos primórdios do jornalismo havia dias (ou mesmo semanas) fracos  em notícias. Quando isso acontecia, os jornais — que então mais se pareciam com livretos — ocupavam suas páginas com anúncios. Por outro lado, se houvesse necessidade, as notícias ocupavam tudo e não havia publicidade alguma, nem mesmo de patrocinadores. Hoje é o contrário: se aparecer algum anunciante disposto a pagar um bom preço por um grande espaço, não há jornal que resista a derrubar algumas pautas em troca da propaganda.

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