A primeira coisa que aparece após uma nova tecnologia são os early adopters, os entusiastas, gente que muitas vezes não sabe muito bem o que fazer mas faz — por vezes com uma ingenuidade cômica. A segunda coisa que aparece depois de uma inovação é gente que tira sarro dos entusiastas. O reverendo Edward Bradley (1827-1889) foi as duas coisas em termos de fotografia: um pioneiro tanto na prática da nova arte quanto em sua crítica humorística. Além de clérigo, Bradley era romancista e caricaturista, assinando seus trabalhos com o irreverente pseudônimo Cuthbert Bede (referência aos dois mais veneráveis doutores da Igreja inglesa, S. Cuthbert e S. Beda).
Conhecido por sua trilogia de romances The Adventures of Mr. Verdant Green — tão ricamente ilustrada pelo autor que pode ser considerada uma graphic novel primitiva —, Cuthbert Bede começou a publicar suas caricaturas na revista Punch no fim dos anos 1840. Era a época em que a tecnologia fotográfica começava a sair dos laboratórios e estúdios e a ganhar corações e mentes entusiasmados (e por vezes frustrados pelos processos complexos de fixação de imagens). Artista que era, Bede também foi se aventurar no mundo dos daguerreótipos e colótipos — e acabou retratando a popularização da novidade com sua pena nas páginas da Punch. Em 1855, o irreverente reverendo publica Photographic Pleasures, Popularly Portrayed with Pen & Pencil [Prazeres Photográphicos, Popularmente Pintados a Pena e Pincel].
Embora não seja ilustrado fotograficamente, Photographic Pleasures é obra importante para a memória fotográfica por registrar — ainda que de maneira cômica — as reações sociais dos vitorianos diante da nova tecnologia. Logo no começo da obra, Bede observa como homens e mulheres se portavam diante da novidade, comparando a fotografia a um recém-nascido: “As ladies estão encantadas por ele; os gentlemen expressam seus afetos pelas sugestões de seu desenvolvimento e pela atenção ao seu bem-estar. Todo mundo o adora e todo mundo declara que ele é o bebê mais lindo que a Ciência pariu.”
Mais do que o aspecto socio-histórico — que só é relevante para nós —, Photographic Pleasures também fez sucesso como manual de introdução à Fotografia. Ainda não havia uma técnica universal de captura de imagens quando o livro estava sendo escrito. Sabendo disso, Bede descreve os sistemas de daguerreótipo e, principalmente, o calótipo. Este, o mais frequente nas caricaturas, era um processo extremamente trabalhoso, delicado e frustrante.
Em vez de filme, o calótipo usava papéis de carta sensibilizados como suporte. O papel era lavado com uma solução de nitrato de prata, seco, lavado novamente numa solução de iodeto de potássio, novamente seco e armazenado. Para ser usado, ainda era preciso passá-lo numa mistura de nitrato de prata e ácido gálico, enxaguado, parcialmente seco e só então seria carregado na câmera para ser exposto. Toda essa preparação do negativo de um colótipo tinha que ser feita à luz de velas fracas ou mesmo no breu. Isso dificultava ainda mais a obtenção de imagens externas, pois exigia a montagem de barracas escuras — mais um item nada leve na bagagem do fotógrafo entusiasta, que tinha que carregar pesadas câmeras de madeira, grandes tripés e caixas de equipamento químico.
Uma vez fixa no papel, a imagem do calótipo precisava ser revelada através de uma impressão positiva. Para isso, empregava-se o mesmo tipo de papel preparado para o negativo — só que nesse caso ainda era preciso passá-lo numa solução salina e pincelar uma cama de nitrato de prata, para fixar o cloreto de prata fotossensível no papel. O negativo era então posto entre o papel de impressão e uma placa de vidro, sendo o conjunto exposto a iluminação intensa. Dependendo da intensidade luminosa, a exposição para a revelação podia tomar de quinze minutos a várias horas — e, claro, a qualidade da imagem resultante era sempre imprevisível.
Além de discutir as técnicas fotográficas e tirar sarro de suas frustrações, Bede apresenta as aplicações da fotografia. Aqui, o rev. Bradley chega a ser profético ao propor outras aplicações além das já correntes em sua época. No último capítulo do livro, ele levanta a questão de usar a fotografia como meio de preservação de livros e manuscritos. Citando o exemplo do catálogo do Museu Britânico, Bede argumenta que seria muito útil se, junto a cada título, tais registros tivessem uma pequena foto da capa da respectiva obra. Ainda na área bibliográfica, ele propõe o uso da fotografia como método de preservação facsimilar: fotos poderiam substituir facilmente itens raros e frágeis “que estão se perdendo pelo mundo”. Tudo poderia ser facilmente resolvido pela “mera aplicação de nossa amiga, a Câmera!”. Só agora, no começo do século XXI, com a fotografia digital, é que tais aplicações seriam prática corriqueira.
Bede ainda dedica um capítulo à parte — Photography in a Detective Light — para discutir o uso da fotografia no combate ao crime e especialmente na identificação de criminosos. No entanto, ciente das limitações técnicas da nova mídia, ele reconhece que as fotos não seriam inteiramente confiáveis no ambiente policial. As fotografias não seriam uma ferramenta de identificação muito precisa por uma combinação de inaptidão da polícia (“seu policial é mais esperto como manipulador de maus elementos do que de elementos químicos”) e pelas tentativas criminosas de sabotagem ou adulteração das fotografias.
Mas e quanto ao Bede fotógrafo, deve-se perguntar o leitor? Sabe-se que ele chegou a praticar fotografia em nível bastante profissional. Mas as evidências disso são indiretas, pois nenhuma das fotos do Rev. Bradley parece ter sobrevivido. Tudo o que se conhece de sua produção fotográfica é o livro The Visitors’ Handbook to Rosslyn and Hawthornden, publicado em 1864 e cujas ilustrações têm base nas fotografias do venerável Cuthbert Bede. Ironicamente, esse livro é tão raro que parece ainda não ter sido digitalizado.
De qualquer forma, a produção artística de Edward Bradley declina a partir de 1858, quando ele se casa com Harriet Amelia, filha de um Samuel Hancocks, de Wolverley, Worcester. A partir daí, Bradley torna-se mais sério e volta suas atenções para sua atividade clerical. Foi reitor em Denton-with-Caldecote, Huntingdonshire, de 1859 a 1871; reitor em Stretton, Rutlandshire (1871-1883), levanta fundos para e coordena a obra de restauração da igreja local; no fim da vida, é vigário em Lenton, perto de Grantham, onde estabelece uma biblioteca pública e falece em 12 de dezembro de 1889. Deixou dois filhos: Cuthbert Bradley e o Rev. Henry Waldron Bradley.