Magnetismo que dá nos nervos

nervos

Desde que Luigi Galvani deu uns choques numas pernas de rãs, no fim do século XVIII, os médicos e cientistas sabem que os nervos são condutores de corrente elétrica. Em meados do século XIX, Maxwell estabeleceu a inter-relação entre eletricidade e magnetismo. Desde então, cientistas têm buscado um meio prático e confiável para medir o magnetismo gerado pela rede elétrica do sistema nervoso. Um novo tipo de dectector está nascendo nos laboratórios da Dinamarca e parece ser o graal do biomagnetismo.

O magnetismo dos seres vivos nem sempre foi visto com bons olhos pelos cientistas. Alguns anos antes de Galvani, Franz Mesmer [1734-1815] percorria a Europa fazendo apresentações de um suposto magnetismo animal. Apesar do grande impacto junto ao público — que nos rendeu termos como mesmerismo e mesmerizar — Mesmer nunca convenceu a comunidade científica pelo simples fato de que era praticamente impossível medir qualquer traço de magnetismo em seres vivos. Antes da rã de Galvani [1737-1798] e do eletromagnetismo de James Clerk Maxwell [1831-1879] sequer havia base teórica para tanto.

Mesmer-Galvani-Maxwell
Mesmer (esq.), propôs uma espécie de magnetismo animal, variante das teorias do fluido vital de então. Galvani (centro) comprovou a condutividade elétrica dos nervos. Maxwell (dir) demonstrou matematicamente que magnetismo e eletricidade são interdependentes.

Cacete de agulha!

Caído em total descrédito, o estudo do magnetismo dos seres vivos só seria revivido no século XX, após a descoberta dos raios catódicos e do osciloscópio. Tais técnicas revolucionaram o entendimento do sistema nervoso, confirmando que o modo como os nervos conduzem seus sinais podem ser indicadores desde de intoxicações a doenças como a esclerose múltipla.

Mesmo assim, o estudo do magnetismo nervoso se revelou bastante limitado. Medições por osciloscópio exigem a aplicação de agulhas nos nervos, o que obviamente altera a corrente elétrica e seu consequente campo magnético – causando reações mais ou menos assim:

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[Desculpem, eu tive que reciclar esse velho meme]

A aplicação de radiofrequências sob intensos campos magnéticos — técnica desenvolvida nos anos 1970 e 1980, conhecida como ressonância magnética ou MRI — permitiu grandes avanços com o imageamento de tecidos in vivo. No entanto, qualquer traço de magnetismo emitido pelos nervos acabava inteiramente ofuscado pelos grandes campos magnéticos da MRI.

Os campos magnéticos gerados pela passagem de um sinal elétrico por um nervo só puderam ser medidos a partir dos anos 1980, com os chamados magnetômetros SQUID. Nesse instrumento, o nervo passa pelo interior de uma pequena bobina. Por si só, isso já dificulta a medição in vivo, pois é preciso expor o nervo e tirá-lo do lugar. Pior: os magnetômetros SQUID funcionam a base de supercondução — o que significa que eles têm que ser extremamente resfriados. Ainda que tenha sido aperfeiçoado, o sistema SQUID está longe de ser uma técnica de aplicação simples e barata.

Os neurocientistas continuam precisando de um meio para medir campos magnéticos de forma não-invasiva, a temperatura ambiente e barata. Que tal usar laser? Os propositores dessa abordagem são Kasper Jensen e seus colegas da Universidade de Copenhagen, na Dinamarca.

Galvani with lasers

Jensen e sua equipe construíram um sensor que usa laser para detectar o campo magnético de maneira indireta — pelo efeito que o magnetismo causa em átomos de césio gasoso. Quando são magnetizados, esses átomos podem polarizar uma luz. Os chamados magnetômetros ópticos tem se mostrado bastante sensíveis e precisos — apesar de algumas limitações como as causadas pelo ruído quântico da luz.

Teoricamente, um magnetômetro a laser pode detectar campos emitidos por nervos situados a alguns milímetros de distância. Assim, esses sensores poderiam ser aplicados sobre a pele, sem a necessidade de expor (ou furar) nervos. Outras vantagens é que eles funcionam muito bem à temperatura ambiente (ou do corpo) e são bastante pequenos (com poucos milímetros de largura).

Embora não tenham inventado esse tipo de detector, o que Jensen et. al. fizeram foi levá-lo aos limites de seus efeitos quânticos numa aplicação biológica. O dispositivo foi testado detectando os campos magnéticos gerados por nervos ciáticos de sapos a poucos milímetros de distância.

laser-magnetometer

Os resultados, publicados na plataforma arXiv.org: foram detectados campos na ordem de uns poucos picoTesla de intensidade. Medições ainda menores são teoricamente possíveis. Para efeito de comparação, o campo magnético da Terra é da ordem de dezenas de microTesla (cerca de mil vezes mais intenso). Além da intensidade, o sensor de Jensen ainda mede o formato do campo magnético e suas variações de acordo com diferentes estímulos, tudo em tempo real.

A aplicação em seres humanos ainda não foi testada mas isso é questão de tempo. Segundo os cientistas, “o magnetômetro [é] perfeito para diagnósticos em áreas fisiológicas/clínicas como cardiografia de fetos, respostas sinápticas na retina e magnetoencefalografia”. Outra possibilidade seria o estudo da interação entre campos magnéticos e sistema nervoso nos animais capazes de detectar o magnetismo do planeta.

Referência

rb2_large_gray25JENSEN, Kasper et. al. Non-invasive detection of animal nerve impulses with an atomic magnetometer operating near quantum limited sensitivity [Detecção não-invasiva de impulsos nervosos animais com um magnetômetro atômico operando em condições de sensitividade próximas das limitações quânticas] arXiv:1601.03273 [quant-ph] (Submitted on 12 Jan 2016)

[via MIT Technology Review]

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