A salvação de Ezra Pound

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[tradução de Saving Ezra Pound, publicado pelo Dr. Romeo Vitelli em Providentia]

Em 1945, o fim da II Guerra Mundial foi um tempo não só de celebração mas também de penitências. Enquanto os julgamentos de Nuremberg para os criminosos de guerra nazistas estavam sendo planejados, os processos contra os colaboracionistas avançavam rapidamente. Na Grã-Bretanha, o julgamento de William Joyce (a.k.a. Lord Haw-haw), acusado de traição por fazer propaganda nazista pelo rádio, terminou com sua execução em 1946. Mas ainda havia Ezra Pound

Grande figura da poesia do século XX, Pound levou uma vida de expatriado na Itália, tornando-se um advogado das potências do Eixo. Apesar de opor-se à guerra (e ainda mais ao envolvimento dos Estados Unidos), Pound expressou seu apoio a Mussolini e ao Fascismo e inúmeros programas radiofônicos e artigos escritos. Após a entrada dos EUA na guerra, Pound continuou ativo na política italiana, até ser preso por partisans italianos em 1945. Sua detenção por forças americanas perto de Pisa (onde passou 25 dias numa jaula exposta) resultou num colapso nervoso. Somente após o fim do conflito Pound foi mandado aos EUA para julgamento mas o que aconteceu em seguida ainda é motivo de controvérsia. Apesar da fama mundial como poeta, Pound também era muito mal-visto por suas posições anti-semitas e seu papel como colaborador fascista.

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Tecnicamente, a traição era um crime capital na época e assim Pound e sua defesa tinham muitos motivos para arranjar uma barganha afirmando que ele era incapaz de ser submetido a julgamento. Não havia indicação alguma de que Pound sofresse de algum distúrbio mental, mas o acordo foi rapidamente aceito para evitar um julgamento embaraçoso. Pound e seus advogados esperavam que ele fosse liberado assim que a poeira baixasse.

Infelizmente, o tiro de Pound saiu pela culatra. Ele foi enviado ao St. Elizabeths Hospital, uma instituição psiquiátrica em Washington, D. C., onde passou os treze anos seguintes. Os psiquiatras pareciam confusos quanto a o que fazer com ele e somente em 1953, após considerável pressão do Departamento de Justiça, deram um diagnóstico formal: transtorno de personalidade narcísica. Apesar do fato de nunca ter sido diagnosticado com um transtorno grave, Pound continuou internado no hospital.

Há alguma polêmica sobre o tratamento dado ao poeta, uma vez que mesmo no hospital ele manteve seu trabalho literário (escreveu três livros durante sua internação), recebia inúmeras visitas de familiares e escritores e até mesmo visitas íntimas com sua esposa (e até com sua amante). Mesmo dentro do hospital, Pound continuou a ser uma influência sobre autores mais jovens. Apesar de toda essa relativa liberdade, Pound odiava sua internação e, ironicamente, dependia das frequentes visitas para não enlouquecer.

Após diversos apelos de colegas escritores (entre os quais o poeta Robert Frost), Pound foi finalmente libertado em condicional em 1958, sob a custódia de sua esposa, Dorothy. Ao ser entrevistado após a liberação, deu a famosa declaração em que disse que “toda a América é um asilo de loucos”. Ele retornou à Itália onde manteve-se pelo resto da vida e continuou a escrever avidamente. Lá, vivia quase recluso com sua amante da vida inteira, Olga Rudge (Dorothy separou-se dele após o retorno à Itália). Embora tenha se tornado menos rígido em seus últimos anos, revendo algumas posturas anti-semitas, Pound não demonstrou qualquer arrependimento. Ele morreu em 1972, pouco depois de celebrar seu 87º. aniversário e foi enterrado no cemitério de San Michele, na ilha de San Giorgio Maggiore, perto de Veneza.

Qual a moral dessa história? Os críticos da psiquiatria tendem a apresentar Pound como uma vítima de abuso psiquiátrico enquanto outros o veem como um traidor que escapou impune da justiça. Ezra Pound nunca foi uma figura simpática mas seu encarceramento por 13 anos numa instituição psiquiátrica é um exemplo de como esse tipo de estabelecimento pode ser usado como “armazém” de pessoas inconvenientes independente de suas condições mentais. Este abuso dos hospitais psiquiátricos é uma realidade ainda presente em muitos países ao redor do mundo.

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