Pombos não sabem jogar xadrez mas entendem de ortografia, segundo estudo
Eles vivem nas cidades, cagam em qualquer lugar, têm cabeça pequena e um vocabulário limitado: pruuu, pruuuu. Pombos podem parecer a antítese de gente letrada, mas eles são a única espécie não-primata capaz de distinguir palavras. Essa é a conclusão de uma pesquisa feita por cientistas das Universidades de Otago (Nova Zelândia) e Ruhr (Alemanha).
Os pombos, evidentemente, não nasceram sabendo ler. De certa forma, foram alfabetizados pelos pesquisadores, liderados por Damian Scarf, do Departamento de Psicologia de Otago. A alfabetização consistiu num treinamento simples: os pombos (da espécie Columba livia) deviam bicar entre palavras de quatro letras (em inglês) ou combinações aleatórias de quatro letras, como URSP, conforme elas surgiam numa tela. As palavras de verdade eram acrescentadas aos poucos, uma a uma. Foram treinados dessa forma quatro pombos, com vocabulários entre 26 e 58 palavras e mais de 8000 não-palavras.
Alguém pode perguntar se as aves não estariam simplesmente memorizando as palavras em vez de distinguir as palavras dos meros ajuntamentos de letras. Para descobrir se esse era o caso, Scarf e seus colegas introduziram palavras inéditas para os pássaros. Mesmo assim os pombos identificaram as novas palavras como tal, numa taxa siginificativamente maior do que ao acaso. Os pombos não estavam simplesmente chutando (ou melhor, bicando) entre, digamos, WORD e DWRO. Eles estavam lendo.
Segundo o estudo publicado pelos pesquisadores na edição online de 16/09 da Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), essa é a primeira vez que encontramos uma espécie não-primata com habilidades “ortográficas”. Para os cientistas, o “nível de leitura” dos pombos é praticamente igual ao de babuínos, que já passaram por testes parecidos. Scarf e colegas também consideram que a descoberta é prova de que sistemas visuais de cérebros bem diferentes dos nossos podem passar por uma reciclagem que permite a leitura — como teria acontecido com o cérebro humano.
Mas como é que os pombos conseguiram “ler” tão bem? Para Scarf, eles perceberam que algumas estruturas são mais comuns em palavras do que em não-palavras. Os bigramas, pares de letras como AL e EN, podem ter sido mais associados às palavras, facilitando a distinção entre vocábulos verdadeiros e falsos.
Embora tenha surpreendido os autores, o resultado do estudo não é assim tão absurdo. Pombos vivem em ambientes urbanos e, como há séculos estão expostos a letreiros, devem ter aprendido a fazer algumas distinções. Além disso, Suzana Herculano-Houzel já demonstrou que inteligência não tem nada a ver com o tamanho do cérebro e sim com a quantidade e qualidade dos neurônios e pesquisas com um pássaro japonês revelaram que as aves também são capazes de usar estruturas sintáticas para se comunicar. Melhor mudar de ideia ao xingar alguém de pombo — se o insulto estiver escrito, as aves é que podem ficar ofendidas.
Referência
Damian Scarf et. al. Orthographic processing in pigeons (Columba livia) [Processamento ortográfico em pombos (C. livia)]. PNAS, Published online before print September 16, 2016, doi:10.1073/pnas.1607870113