O curioso caso das baratas magnéticas

baratas magnéticas

A descoberta de que baratas vivas e mortas têm propriedades magnéticas bem distintas pode ajudar bioengenheiros a projetar novos sensores magnéticos.

 

[Tradução de The Curious Case of Cockroach Magnetization, publicado na MIT Technology Review]

Os pássaros são o exemplo mais conhecido de criaturas capazes de sentir campos magnéticos e usá-los para navegação e orientação. Menos conhecidas são as habilidades magneto-sensitivas das baratas americanas, que tornam-se rapidamente magnetizadas quando colocadas num campo magnético.

Há muita especulação sobre como essas criaturas usam essa habilidade. Mas há um consenso geral de que compreender melhor o sentido biomagético pode ajudar os engenheiros a projetar sensores melhores para outras aplicações, como a navegação de microrrobôs.

Antes que isso possa acontecer, porém, os engenheiros precisam entender melhor como as baratas sentem campos magnéticos e como elas se tornam magnetizadas. É aqui que entra Ling-Jun Kong, da Universidade Tecnológica Nanyang, em Singapura. Com seus colegas, Kong descreveu de que maneira as baratas-americanas (Periplaneta americana) ficam magnetizadas. Durante o processo, eles fizeram uma descoberta notável — que as propriedades magnéticas de baratas vivas são bem diferentes das de baratas mortas. Os cientistas acham que já sabem o porquê disso.

Os experimentos foram simples. Kong et. al. colocaram uma série de baratas vivas e mortas num campo magnético de 1,5 kiloGauss, uma intensidade cerca de 100 vezes maior do que a de um ímã de geladeira. A equipe deixou os insetos no campo por 20 minutos e depois mediu o quanto as baratas haviam sido magnetizadas e quanto tempo levou para esse efeito de magnetização passar.

Os resultados formam um quadro interessante. Os pesquisadores puderam medir facilmente o campo magnético associado a todas as baratas, vivas e mortas, assim que elas saíram do campo externo. O campo associado às baratas vivas decaiu em cerca de 50 minutos. Para as baratas mortas, por outro lado, o campo levou quase 50 horas para decair.

Isso levou a uma questão óbvia: qual o motivo da diferença? Kong e seus colaboradores criaram um modelo matemático de magnetização para chegar à resposta. Eles partem da suposição de que a magnetização resulta do alinhamento entre as partículas magnéticas do interior das baratas com o campo magnético externo. Quando são removidas do campo externo, a magnetização delas cai por causa do movimento browniano, que desalinha as partículas magnéticas de maneira aleatória.

Eles também investigaram como o tempo para isso varia de acordo com a viscosidade do meio em que estão as partículas. Os resultados demonstram que o tempo de decaimento aumenta junto com o aumento da viscosidade do meio, que se torna mais vítreo.

Isso sugere uma resposta ao mistério. Baratas ficam magnetizadas porque contêm partículas magnetizáveis que se alinham com um campo magnético externo. Essas partículas estão contidas num meio fluido que tem baixa viscosidade nas baratas vivas. Mas assim que a criatura morre, o meio começa a endurecer e sua viscosidade aumenta, o que faz com que o decaimento seja mais demorado.

É um trabalho interessante que ajuda a responder algumas importantes questões sobre o mecanismo de interação das baratas com campos magnéticos externos. Mas ainda restam outros mistérios. Primeiro, tem a questão da natureza das partículas magnéticas. Quais são elas? Biólogos tem encontrado pequenas partículas do mineral magnético greigita (um tipo de sulfito de ferro) em formigas, abelhas e cupins.

Assim, é possível que baratas também tenham suas partículas de greigita. Os resultados de Kong et. al. são, de fato, compatíveis com a presença de partículas de greigita com um raio de cerca de 50 nanômetros. Mas os resultados também excluem a presença de mineirais magnéticos relacionados, como a magnetita.

E quanto à origem dessas partículas? Seriam contaminantes ingeridos pelas baratas a partir de seus ambientes ou compostos biogênicos, formados por processos biológicos no interior das próprias baratas? Kong e seus colegas não puderam responder isso.

Entretanto, eles esclareceram um pouco como as baratas podem utilizar esse tipo de magnetização. Segundo os cientistas, o tempo de decaimento de 50 minutos observado nas baratas vivas é curto demais para ter qualquer utilidade biológica. “Nossos dados e nosso modelo mostram que essas partículas magnéticas não podem ser responsáveis pelo sensação magnética”, afirmam os pesquisadores em paper publicado na plataforma arXiv.org.

Portanto, se as baratas exploram seu sentido magnético, elas devem usar algum outro mecanismo. O principal candidato é um sistema no qual um campo magnético influencia os resultados de uma reação química. Muitos biofísicos consideram que esse deve ser o único mecanismo que pode influenciar organismos vivos numa escala temporal biologicamente útil. Talvez esse também seja o caso das baratas. “Nosso experimento dá apoio a outras formas de magneto-recepção, como o mecanismo [bioquímico] de radical-par”, dizem Kong e seus colegas.

Esse interessante trabalho poderá ser o primeiro passo para um melhor entendimento da biossensação de campos magnéticos e na aplicação dessa capacidade em futuras gerações de sensores.

Referência

rb2_large_gray25Ling-Jun Kong et. al. In-vivo biomagnetic characterisation of the American cockroach [Caracterização biomagnética in-vivo da barata-americana]. arXiv:1702.00538 [physics.bio-ph], publicado em 02/02/2017.

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