Uma tragédia que nunca deveria ter acontecido na pacata Minamata, prefeitura de Kumamoto, no sul do Japão.
Por Romeo Vitelli, no Providentia. Tradução de Renato Pincelli.
A partir de 1950, aves marinhas e animais domésticos começaram a passar por uma estranha epidemia, na qual o animal parecia ficar “louco”, com convulsões que culminavam numa morte rápida. O primeiro caso envolvendo uma vítima humana foi registrado em 21 de abril de 1956. A vítima — uma menina de 5 anos — apresentava um conjunto de sintomas que incluía convulsões e dificuldades de fala e locomoção. Quando sua irmã mais nova desenvolveu sintomas semelhantes, também foi hospitalizada e as autoridades ficaram alarmadas ao descobrir outros oito casos na região. Em 1º. de maio, funcionários do sistema público de saúde do local anunciaram uma “epidemia de doença desconhecida do sistema nervoso central”, que mais tarde ficaria conhecida como Doença de Minamata.
Quando os médicos e autoridades da cidade formaram o Comitê de Reação à Doença Estranha, estavam perdidos sobre a causa da nova e misteriosa doença. Por medo que fosse contagiosa, os doentes de Minamata foram isolados da comunidade e tiveram suas casas inteiramente esterilizadas. Embora essas medidas viessem a se mostrar desnecessárias, elas contribuíram para o estigma a que as vítimas foram submetidas. Enquanto pesquisadores de universidades começavam a investigar a doença mais detalhadamente, as primeiras vítimas de Minamata passavam a morrer. Por volta de outubro de 1956, 40 pacientes haviam sido identificados, dos quais 14 haviam morrido (uma taxa de mortalidade de 36,7%). Os cientistas acabariam ligando o surto da doença em animais e seres humanos às altas concentrações de mercúrio encontradas nos frutos do mar que eram a base da alimentação naquela cidade costeira.
Confirmado o envenenamento por mercúrio, as suspeitas recaíram de imediato sobre uma indústria química da região, pertencente à Chisso Corporation. Aberta em 1908, a fábrica produzia diversos produtos químicos (como fertilizantes, ácido acético, cloreto de vinil e octanol), cujos subprodutos eram lançados diretamente na Baía de Minamoto. Apesar de indenizações anteriores pagas aos pescadores pela queda na produção pesqueira, nenhum caso de exposição humana à poluição havia sido registrado. Tudo começou a mudar em 1948, quando pesquisadores encontraram altas concentrações de metais pesados como manganês e tálio nos órgãos dos cadáveres da área. Em 1958, o neurologista visitante David McAlpine sugeriu que a exposição ao mercúrio orgânico seria a provável causa da Doença de Minamata porque seus sintomas já haviam sido observados em outros casos de envenenamento por mercúrio. Ao testar para mercúrio, os cientistas ficaram chocados pelas altas concentrações encontradas na vida marinha e até em amostras de sedimento retiradas da baía. As maiores concentrações foram encontradas na vizinhança imediata do canal de refugo da fábrica (em vista disso, a Chisso lançaria uma operação para recuperar o mercúrio do sedimento e revendê-lo com lucro).
Pesquisas subsequentes determinaram que a Chisso havia usado mercúrio metálico como catalisador industrial e o descarregava junto com a água suja. O processo não parava por aí: assim que o mercúrio chegava ao ambiente, entrava em contato com bactérias metiladoras ocultas no fundo de lagos, rios e mares. Normalmente, elas convertem sulfato em sulfite, mas dessa vez combinaram o mercúrio liberado com carbono para produzir o metil-mercúrio, substância tóxica e fatal. As doses desse veneno se acumulavam à medida que ele era consumido pela cadeia alimentar (um processo conhecido como bioamplificação ou magnificação trófica). Assim, a concentração de metil-mercúrio na vida marinha que era capturada pelos pescadores era milhões de vezes mais alta do que as águas do mar.
Só em 1959 o Ministério da Saúde e Bem-Estar foi capaz de fazer um anúncio ligando a Doença de Minamata ao mercúrio. A Chisso Corporation, sabendo que já estava sob suspeita pelas mortes em Minamata, mudou o curso do canal de refugo, que passou a ser lançado diretamente da fábrica para o Rio Minamata. Isso reduziu a quantidade de descarga no porto, que estava sendo investigado pelos cientistas, mas espalhou a contaminação por uma área ainda maior. Novos casos da Doença de Minamata começaram a ocorrer em vilas de pescadores por toda a costa do Mar de Shiranui. Ao mesmo tempo, a empresa continuava barrando os investigadores que buscavam informações sobre a fábrica e suas operações industriais. Quando Hajime Hokosawa, diretor-médico da Chisso, fez uma pesquisa que confirmou que a poluição da fábrica era a causa da doença, foi obrigado a interromper o trabalho e teve toda a informação da pesquisa destruída. A Chisso e outras indústrias passaram a bancar estudos em busca de explicações alternativas para a doença.
Após uma proibição parcial da pesca pela prefeitura de Kumamoto (ao contrário de uma proibição total, que implicaria em indenizações mais altas), as cooperativas de pescadores conseguiram ganhar algumas compensações mas as vítimas humanas não tiveram a mesma sorte. O estigma em torno da Doença de Minamata levou seus portadores a enfrentar ostracismo e discriminação contínua de toda a comunidade. Mesmo a criação da Sociedade de Auxílio Mútuo de Minamata fez pouco para aliviar os problemas. Somente um protesto passivo, com manifestantes sentados nas portas da fábrica em novembro de 1959, forçou o governo local a incluir a indenização às vítimas como parte do pacote de compensação negociado com as pesqueiras. A Chisso concordaria em pagar um “dinheiro de solidariedade” para as vítimas devidamente certificadas como portadoras da Doença de Minamata. O pacote de compensação não era grande coisa: adultos recebiam 100 mil yenes por ano (equivalente a uns 278 dólares) enquanto as crianças recebiam bem menos. As famílias de vítimas falecidas receberam uma bagatela equivalente a 889 dólares.
Apesar das garantias da Chisso de que o refugo seria quimicamente tratado para prevenir novos envenenamentos de mercúrio, nada foi feito e entre 1959 e 1969. Nos “dez anos de silêncio” a poluição por mercúrio espalhou-se pelo Mar de Shiranui. Levantamentos feitos pelas prefeituras de Kumamoto e Kagoshima indicavam que os níveis de mercúrio permaneciam perigosamente inseguros, mas os resultados nunca foram publicados e as mortes decorrentes foram classificadas como ocorrências por “causas desconhecidas”. No começo dos anos 1960, os médicos descobriram que as crianças em Minamata estavam desenvolvendo paralisia cerebral numa proporção anormalmente elevada. Mais tarde, se provaria que a doença era congênita, com mães saudáveis dando à luz crianças que tinham muitos dos mesmos sintomas dos adultos afetados pela Doença de Minamata.
Muitas dessas crianças eram cegas e surdas, mas algumas também tinham cabeças muito menor do que o normal e deformações dentárias. Após a autópsia de duas crianças e a confirmação da forma congênita da doença, os médicos pressionaram a Chisso a pagar o “dinheiro de solidariedade” do acordo de 1959 às famílias das crianças. Como nem todos os menores apresentavam a lista completa de sintomas característicos da Doença de Minamata, o número exato de crianças afetadas na área contaminada nunca pôde ser conhecido. Segundo um estudo, pelo menos 29% de todas as crianças expostas e nascidas entre 1955 e 1959 apresentavam sinais de deficiência mental.
Continua na Parte 2.
Izabel cristina garcia moura
Houve remedio para essa doença? Tenho um irmão de 62 anos que está com sintomas como esses descritos,não sabemos se é a doença de prion (vaca louca) como foi diagnosticado.mas ao ler essa reportagem fiquei em dúvida. Como ele é engenheiro e faz medições em campo fiquei na dúvida.
Renato Pincelli
Izabel, não há cura para contaminações por mercúrio como a ocorrida em Minamata. Quanto ao seu irmão, só um médico poderia fazer um diagnóstico preciso.
Luis
Cadê a parte dois
Renato Pincelli
Acabou de sair, Luis. Aqui.
Em Memória de Minamata (parte 2) | hypercubic
[…] da Parte 1. Por Romeo Vitelli em Providentia. Tradução de Renato […]