Patentes Patéticas (nº. 120)

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Estacionar numa boa vaga — que quase sempre é pequena — é uma tarefa quase enigmática, que exige habilidades jedis. Você tem que fazer manobras delicadas de maneira ágil, pois se demorar duas coisas ruins podem acontecer: ou você perde a vaga por desistência ou você insiste e causa um pequeno engarrafamento.

Entrar de frente é sempre tentador, mas o problema é que isso exige espaço para alinhar a traseira (coisa que você geralmente não encontra). Mas e se, ao apertão de um botão, você pudesse erguer a traseira e arrastá-la sobre rodinhas? Essa é a proposta de David Leslie Roberts e seu Automobile Parking Attachment [Acessório para Estacionamento de Automóveis]:

A presente invenção está num veículo com um eixo de transmissão longitudinal, um par de eixos dispostos transversalmente a partir do eixo de transmissão, uma roda de tracionamento sobre o solo no fim de cada eixo, e meios de suspensão entre os eixos e o veículo; e é formada por um par de braços transversalmente espaçados, pivotalmente conectados à face inferior do veículo para movimento num plano transversal, sendo os braços de um comprimento maior que a distância entre o lado inferior do veículo e o solo, com uma roda de tracionamento carregada na extremidade remota (em relação ao pivõ) de cada braço, um volante (i.e., roda de embreagem) na outra extremidade de cada braço, engatável com o eixo de transmissão para fins de conectar operativamente a roda de direção e a roda de tracionamento de cada braço; um dispositivo pistão-e-cilindro conectado entre cada braço e a parte inferior do veículo para efetuar o movimento pivotante dos braços, a partir de uma posição substancialmente horizontal, sendo que as rodas de direção são espaçadas do eixo de transmissão e as rodas tracionadas são levantadas do solo, por baixo e por dentro, até uma posição superior na qual as rodas de direção estejam engatadas no eixo de transmissão e em contato com o solo, com o sistema de suspensão do veículo comprimido devido à extensão do braço e vice-versa.

Resumindo o que era pra ser apenas um resumo da patente 3.266.587 [pdf] (de 19 de agosto de 1966), o acessório de Leslie Roberts é um macaco hidráulico com rodinhas tracionáveis, recolhidas junto ao eixo traseiro e movidas pelo sistema de transmissão para empurrar a traseira do carro vaga adentro depois que você entra com a frente. Natural da pequena Oswestry, perto da fronteira da Inglaterra com o País de Gales, Leslie Roberts deve ter lidado diariamente com pequenas vagas, já que as ruas da velha cidadezinha anglo-galesa são estreitas.

Porém, o problema de Leslie Roberts (e de muita gente) é insistir em ter um carro grande mesmo em condições tão adversas. Não sabemos ao certo qual carro ele tinha, mas provavelmente deve ter sido uma grande banheira americana: um carro comprido, largo, com tração traseira e suspensão molega. É o que inferimos deste trecho:

Nesta modalidade da presente invenção, o veículo é um veículo automotor de quatro rodas, com seu motor à frente e o habitual eixo de transmissão 8, dois eixos transversos 8A, dos quais somente um é mostrado, uma roda de rodagem [road wheel] 8B no extremo de cada eixo 8A e um sistema de suspensão por molas 8D entre os eixos 8A e o lado inferior do veículo.

A rigor as partes indicadas por 8A são apenas semi-eixos e não eixos, mas relevemos. Vamos ver como esse troço funciona:

Quando se deseja estacionar ou posicionar o veículo automotor acima descrito num espaço confinado, digamos, entre dois veículos automotores e a calçada, o motorista do veículo para um pouco adjacente ao espaço e esterça a frente do veículo para dentro do espaço. Então ele interrompe o movimento do veículo e aciona a chave 28 para sua posição [ligada], o que causa a energização do motor 31 e faz o solenoide 27 abrir a válvula 30. A bomba 32 é acionada pelo motor 31 para bombear óleo do tanque 32, através do oleoduto 34 por meio da válvula 35 até os cilindros 16 dos macacos 15 que incorporam pistões de área diferencial, causando assim a retração dos pistões 17 e o movimento pivotal dos braços 12 até sua posição relativamente vertical, na qual as rodas traseiras do veículo são elevadas do solo enquanto as rodas 20 estão em engate friccional com eixo veicular 8 e as rodas 19 em contato com o solo. O óleo flui da outra extremidade dos cilindros 16, via oleoduto 38 e mangueira 36 e abre a válvula 30 para o tubo 37, que dá no tanque de armazenamento 33. O motorista do veículo, então, engata ou a primeira marcha ou a marcha-a-ré, dependendo se o veículo precisa ser movido para a esquerda ou para a direita, e a traseira do veículo é movida para dentro do espaço confinado transversalmente ao longo da sarjeta pelas rodas diretoras 19.

imageO “espaço confinado transversalmente ao longo da sarjeta” pode ser escrito com quatro letras: “vaga”. Fora isso, parece ser muito simples: você levanta a traseira do seu carro e a arrasta vaga adentro. O que poderia dar errado? Bem, em primeiro lugar o sistema todo é hidráulico e um único furo, além de te deixar sem o óleo (que não deve ser barato), pode travar a coisa toda. Quem já viu corridas de F-1 sabe como sistemas hidráulicos são sensíveis, temperamentais e costumam te deixar na mão (ou melhor, a pé). Imagine um travamento destes enquanto você estaciona. Você pode até conseguir entrar de frente, mas não vai dar pra empurrar a volumosa traseira (a não ser que seja, literalmente, no braço). Uma falha em alta velocidade seria pior ainda: imagine que os braços caiam (os mecânicos e não os seus) e, tracionados, comecem a levantar e arrastar sua traseira para um lado…

Ainda que fosse seguro e confiável, manter esse sistema todo debaixo do carro não vai ser nada barato. Primeiro, porque só funciona com carros de tração traseira (que eram comuns nos anos 60, mas hoje em dia são um luxo). Em seu chauvinismo machista traseirista, Leslie Roberts diz que o sistema só pode ser aplicado no eixo dianteiro se o carro tiver motor traseiro (e transmissão traseira, é claro). Mas, convenhamos, isso seria meio inútil porque não daria pra esterçar as rodas de trás, entrar de ré e depois arrastar a frente. Segundo: esse misto de macaco retrátil com trem de pouso deve ser bem pesado — talvez com centenas de quilos — então você vai precisar de um motor grande e beberrão não só para acioná-lo, mas para carregá-lo o tempo todo debaixo do carro.

Mesmo que você tenha um carro com as dimensões adequadas para ser equipado com este acessório (e inadequado para a maioria das vagas), passar por cima de uma simples lombada ou sarjeta pode por tudo a perder…

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