Fala de criança: Extratos de um Diário (I)

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Quem não se derrete ao escutar as primeiras palavras balbuciadas por uma criança?  Como as crianças aprendem a falar? Como estudar esse processo? Como registrar para pesquisa essas fofurices? Estas questões são caras à Linguística e colocam o delicado problema da coleta de dados.

Chama-se Diário a fonte de coleta que acompanha o registro de uma criança ao longo da aquisição da língua materna.

É uma fonte complementar ao registro em áudio ou vídeo, o procedimento sistemático de colher dados mais difundido, em várias partes do mundo, desde a constituição da área Aquisição de Linguagem. Entre nós, no IEL, sob a coordenação da prof. Claudia Lemos, a gravação semanal de crianças ao longo de 1 a 5-6 anos de idade resultou no acervo de dados do CEDAE, nomeado Aquisição da Língua Oral (integrante da Plataforma de Dados Sonoros), acessível a qualquer pesquisador, interessado em investigar como se dá a aquisição da língua materna.

No último UPA, no sentido de expor aos visitantes as principais indagações no interior da chamada pesquisa longitudinal naturalística, foram exibidos dados procedentes das duas fontes acima mencionadas. Em destaque, os episódios recolhidos por minha ex-orientanda Daniela Marini-Iwamoto, bacharel em Linguística e doutora pelo nosso programa de pós-graduação. Egressa do IEL, Daniela foi entrevistada no UPA de 2015, relatando suas escolhas profissionais.

Daniela compôs um cuidadoso e divertido diário de sua filha Alice, entre 2 e 5 anos, e cedeu-me o material completo de seus registros, autorizando inclusive a utilização destes que seguem adiante. Do Diário de Alice (como passou a ser conhecido) selecionei alguns episódios para a mostra do UPA, no dia 10 de setembro, exibidos por duas colaboradoras, membros do GPAL (Grupo de Pesquisa em Aquisição da Linguagem). Trata-se de dados anedóticos, como são chamados os registros da fala espontânea, feitos por pais ou outros familiares em diários. Tais registros despertam várias questões sobre o percurso da criança com a língua materna e, paralelamente, nos encantam ou nos divertem pela sua singularidade.

Episódios de um diário paterno receberam no passado atenção de Sully (Studies of Childhood, 1895), psicólogo inglês interessado nas contribuições que recebia de pais (ou professores) numa época anterior ao advento do gravador, quando se contava apenas com lápis e papel na mão.

Pais curiosos das tiradas de seus filhos são chamados diaristas, sendo que a contribuição desses registros não tem sido desprezada no chamado “estudo moderno” da área. Eles acompanham e enriquecem os dados procedentes da outra fonte (gravações sistemáticas em áudio ou vídeo).

A título de despertar a atenção do visitante do UPA para este tipo de dado, ao alcance de qualquer observador da linguagem na infância, figurou na sala destinada à pesquisa desenvolvida no IEL, um painel com dados de Alice, colhidos por volta dos 3 anos de idade da menina. Três deles são reproduzidos abaixo:

Episódios coletados por Daniela Marini-Iwamoto (mãe e linguista; doutora pelo IEL/UNICAMP)

Selecionados por Rosa Attié Figueira (prof. do Depto de Linguística/IEL)

 

GÊNERO  boy-307688_1280

(1) Alice, apontando pra mim, diz pra mulher da padaria: “Minha mamãe!”. A mulher da padaria puxa conversa:

“Sua mamãe? Você acha a sua mamãe bonita?”.

Alice responde: “Minha mamãe é linda e meu papai é ‘lindono’!”            (2;8.15)

 

EDUCAÇÃO

(2) Alice agachadinha no canto da sala, diz: “- Sai p[r]a lá, mãe!”.   por-favor

“- Epa! Sai pra lá não! Como é que se diz?”, pergunto eu, confiando na boa educação que ela recebeu e esperando um “dá licença” mais polido.

“- Sai p[r]a lá pufavô!”       (2;8.4)

 

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(3) Prestes a ir para a escola:

– Filha, vamos! A gente tá atrasada! Temos que sair VOANDO!

– A zente vai de avião?                                   (3;4.10)

 

OBS. Os diálogos acima foram transcritos na íntegra, respeitando-se os critérios notacionais e os títulos que receberam por parte de Daniela. Cada episódio indica um fato linguístico apanhado em ato pela mãe-diarista, a quem agradeço enfaticamente pela colaboração. A ela, e a sua filha Alice.

 

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Estes quadrinhos retratam uma ocorrência anônima que circula como dito curioso, procedente da lingua(gem) na infância. A pedido meu, Melissa Alachev, minha aluna e colega de turma de Daniela, se encarregou da arte final (reproduzida no artigo: “A Fala da criança em dois recortes: a pesquisa e a ficção” (Figueira 2012)). Meus agradecimentos renovados à contribuição talentosa de Melissa.

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