Breve introdução ao estudo das formas nominais do verbo latino

De Квайр Х. А. (http://commons.wikimedia.org/wiki/File:0092_-_Wien_-_Kunsthistorisches_Museum_-_Gaius_Julius_Caesar-edit.jpg)

Texto de apoio para estudantes e interessados na língua latina


Texto de:
Marcos Aurelio Pereira
Docente da área de Letras e Estudos Clássicos no Departamento de Linguística da Unicamp


Formas Nominais do verbo latino

São chamadas “formas nominais” do verbo latino o infinitivo, o particípio, o gerúndio, o gerundivo e o supino, porque, tanto morfológica como sintaticamente, comportam-se não apenas como verbos, mas também como nomes (i.e. como adjetivos ou substantivos). E, salvo exceções, a exemplo do que se passa com o infinitivo (cujo nome decorre do fato de, ao contrário das chamadas “formas finitas”, não sofrer ele as flexões usuais de modo, pessoa, número etc), é mesmo como nomes que tais formas se flexionam, seguindo um ou outro dos paradigmas flexionais latinos denominados “declinações”.

O caráter nominal do infinitivo é demonstrado pela possibilidade de seu emprego com adjetivos e pronomes (e.g. meum uiuere). É, ademais, propriedade sua o exprimir pura e simplesmente a noção verbal, e sobre esse seu caráter repousam os chamados “infinitivos substantivados” como uelle e posse, por exemplo, empregados na língua filosófica do latim medieval e equivalentes aos substantivos abstratos uoluntas e potestas. Mas não para aí sua natureza de nome, paralela à de verbo. Tem o infinitivo três “tempos” (noção um tanto quanto imprópria, dado que o sentido de tempo, para essa forma, será sempre relativo ao verbo da proposição em que se emprega): presente, perfeito e futuro, podendo estes ser ativos, passivos ou depoentes. Tomando o verbo amo, amare para exemplificação, obtemos as seguintes formas do infinitivo latino:

  • amare (infinitivo presente at. = port. amar);
  • amari (inf.pres.pass. = port. ser amado);
  • ama[ui]sse (inf.perf.at. = port. ter amado);
  • amatum,am,um esse (inf.perf.pass. = port. ter sido amado);
  • amaturum,am,um esse (inf.fut.at. = port. ir/dever amar);
  • amatum iri (inf.fut.pass. = port. ir/dever ser amado).

Pode o infinitivo, ainda, especialmente do presente, tomar as funções sintáticas de sujeito (dos verbos impessoais e esse, p.ex.) e complemento verbal (dos verbos ditos servis, ou de predicação incompleta etc). Pode, ainda, assumir as funções de complemento nominal de adjetivos (Hor. Od. 1.12.11: blandus…ducere…quercus), aposto (Cic. Tusc. 3.30: haec est…diuina sapientia…nihil admirari) etc.

Exercendo as funções de sujeito ou complemento dos verbos finitos das proposições de que faz parte, o infinitivo aparece em dois casos, o nominativo e o acusativo. É outro “substantivo verbal” que irá suprir sua falta nos demais casos: o gerúndio (de gero, gerere = port. executar, fazer e caracterizado pelo sufixo –nd-). Servirá ele, no genitivo e no dativo, de complemento aos nomes, verbos ou frases que exigem tais caos; no acusativo, geralmente precedido de ad, indicará o fim, escopo ou movimento expresso pelo verbo ou nome que completa. No ablativo, sem preposição, servirá sobretudo de complemento de instrumento ou meio, modo ou maneira, entre outros; preposicionado, expressará as relações das preposições que o acompanham. Comparem-se, a título de exemplificação, as formas nominais ocorrentes nas seguintes orações, todas passíveis de substituírem-se por substantivos equivalentes (cf. Ravizza, 1956, pp. 289-290):

  • studere est utile (nom.);
  • tempus studendi (gen.);
  • aptus studendo (dat.);
  • cupio studere / eo ad studendum (ac.);
  • discitur studendo (abl.).

De significação ativa, o gerúndio rege sempre o caso do seu verbo: ars erudiendi pueros nobilis est.

            O recurso ao gerúndio (bem como a outra forma nominal, o supino) para suprir o infinitivo nos casos de que esta forma carece, entretanto, como lembra Monteil (1974, pp. 337-338), não deve ser interpretado de modo a considerar-se tal recurso uma “flexão do infinitivo”. Ocorre apenas que, dada a pequena extensão do emprego daquele último, o gerúndio (e o supino), de valores específicos e até mesmo estranhos aos do infinitivo, serve-lhe, ocasionalmente, de substituto.

O terceiro e último substantivo verbal a que podemos nos referir é o supino, do qual se distinguem duas formas: supino em –um e em –u. A primeira, acusativo de um substantivo verbal, marca o fim ou escopo da ação expressa pelo verbo principal da oração, que pode indicar movimento, e segue a construção do verbo de que é derivada (e.g. uenerunt quaestum iniurias). O supino em –u, ablativo/dativo do mesmo substantivo da quarta declinação, incorporado (como as demais formas nominais) ao sistema verbal, indica relação ou limitação, completando, na época clássica, o sentido de alguns adjetivos, especialmente em –bilis (e.g. mirabile uisu). Encontra-se também uma forma de supino em –ui (dativo), e.g. Pl. Bacch. 62: istaec lepida sunt memoratui. Tendeu o supino a ser substituído, pouco a pouco, por outras construções (com gerundivo, particípio ou ut seguido de subjuntivo).

Entre os adjetivos verbais, por sua vez, encontram-se os particípios e o gerundivo. Este último, um adjetivo verbal empregado atributiva ou predicativamente, não é, segundo alguns, senão um gerúndio transformado em adjetivo (cf. Blatt, 1952, p. 218), comportando na língua clássica a ideia de obrigação. Concordando com o substantivo em gênero, número e caso (gen., dat., acus. ou abl.), substitui em grande medida o gerúndio com acusativo, exceto se este o for de um adjetivo ou pronome neutro substantivado. Compare-se, a título de exemplo, o já citado  ars erudiendi pueros nobilis est (construído com o gerúndio de erudio, erudire no genitivo) com ars erudiendorum puerorum nobilis est (onde aparece empregado o gerundivo do mesmo verbo, no mesmo caso, concordando com o termo que completa). O gerundivo pode, também, ser usado com verbos intransitivos, e.g. eundum est nobis, com a referida ideia de obrigação.

O particípio, por sua vez, assim chamado (impropriamente) por “participar” da natureza do verbo e do adjetivo (traço compartilhado, como vimos, pelo gerundivo), ocorre em latim nas formas de presente ativo (amans) e depoente (sequens), perfeito passivo (amatus) e depoente (secutus), futuro ativo (amaturus) e depoente (secuturus) dos verbos transitivos e, com algumas exceções, dos intransitivos. Observa-se, pois, que o latim carece de particípios passivos de presente, ativos de perfeito e, ao menos no período clássico, também de passivos de futuro, carência essa suprida, por exemplo, por construções envolvendo a conjunção cum e o subjuntivo imperfeito passivo (com valor de part.pres.pass.) ou mais-que-perfeito ativo (com valor de part.perf.at.) do verbo em questão. Note-se, ainda, que o particípio perfeito dos verbos depoentes tem significação ativa, o mesmo ocorre com alguns particípios perfeitos passivos. Na prosa imperial e na poesia, o gerundivo fazia as vezes de particípio futuro passivo, formando, com o verbo esse, a conjugação perifrástica passiva.

Do mesmo modo que as expressões “presente”, “perfeito” e “futuro”, quando empregadas para se falar do infinitivo, têm valor sempre relativo ao tempo do verbo finito da oração principal, com respeito à questão dos “tempos” do particípio, cabe dizer que se trata de noções melhor compreendidas em termos de contemporaneidade (pres.), anterioridade (perf.) e posterioridade (fut.) em relação ao tempo do verbo principal.

Tendo as propriedades do adjetivo e do verbo, o particípio concorda, por um lado, em gênero, número e caso com o substantivo; por outro, rege o caso do verbo de que é formado. Além disso, pode, como os adjetivos, ter graus de comparação e ser substantivado (e.g. acute responsa, onde o segundo termo é a forma neutra, no nominativo plural, do part.perf.pass. de respondeo, respondere, e a primeira um advérbio, como o exige o particípio substantivado). Equivale, ademais, colocado ao lado de um nome que qualifica, a um substantivo abstrato português (e.g. post Vrbem conditam = depois da fundação de Roma), além de servir à expressão de diversas circunstâncias de tempo, causa etc. Como adjetivo, ainda, a exemplo do que se passa com o gerundivo, pode ter as funções atributiva (de adjunto adnominal) ou predicativa (i.e. de predicativo do sujeito, quando unido a esse, ou do objeto, com verbos de predicação incompleta).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E OUTRAS

BLATT, F. Précis de syntaxe latine. Lyon: IAC, 1952.

DE MELO, W.D.C. Latin linguistics: an introduction. Berlin/London: De Gruyter, 2024.

ERNOUT, A. & THOMAS, F. Syntaxe latine. 2. ed. Paris: Klincksieck, 1972.

MONTEIL, P. Éléments de phonétique et de morphologie du latin. Paris: Nathan, 1974.

PINKSTER, H. The Oxford Latin syntax. Vol. I: The simple clause. Oxford: University Press, 2015.

_____. The Oxford Latin syntax. Vol. II: The complex sentence and discourse. Oxford: University Press, 2021.

RAVIZZA, J. Gramática latina. 13. ed. Niterói: Escola Industrial Dom Bosco, 1956.

TOVAR, A. Gramática histórica latina: sintaxis. Madrid: S. Aguirre, 1946.

1 Comentário

  1. O texto sobre as formas nominais do verbo latino está excelente! A maneira como foi explicado, com exemplos claros e bem estruturados, facilita muito o entendimento dessa parte tão importante da gramática latina. A profundidade das explicações, especialmente sobre o uso do infinitivo, gerúndio e particípio, foi muito enriquecedora. Gostei especialmente da análise detalhada dos tempos verbais e das suas relações com o verbo principal na oração. É um conteúdo denso, mas foi abordado de forma clara e acessível, o que tornou a leitura extremamente produtiva.

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