POLÍTICA E O MUNDO FRAGMENTADO

Os tempos de hoje

Texto por: Willian Mirapalheta Molina; Eduardo Santos de Araújo; Pedro Leal de Souza; Lavínia Schwantes

Estamos vivendo em um tempo de muitas informações. Não conseguimos mais acompanhar todas as mudanças à nossa volta. Mesmo em um mundo hiperconectado, em que as mensagens, de tão rápidas, parecem anteceder os próprios acontecimentos.

No contexto político, as narrativas nas quais somos imersos nos venderam uma ideia binária de posicionamentos. Como se existisse uma linha separando dois pólos: ou somos uma coisa ou outra; de direita ou de esquerda, progressista ou conservador, opressor ou oprimido, burguês ou proletário, vilão ou mocinho. É 8 ou 80! Bem, isso já não dá conta mais de explicar as complexidades do nosso tempo.

Talvez seja o momento de observar essas questões e perceber que podemos pensar além dessas caixinhas, pensando que podemos fazer política de outras maneiras.

Nesse cenário, buscamos problematizar as dicotomias rígidas. A perspectiva pós-crítica emergiu, mantendo as contribuições passadas, como o viés marxista, mas observando a política como algo mais fluido e menos bipartido. As micropolíticas operam no cotidiano, na sociedade, no sindicato, na escola, etc. Estamos fazendo política a todo momento, pois estamos imersos em redes de poder.

As diferentes formas de fazer política

Por muito tempo, a maneira de pensar sobre a política e a sociedade era como se estivéssemos em um filme de heróis contra vilões. Buscando por respostas como: “Quem manda e quem é comandado?”; “Quem são os grandes vilões e quem são os enganados”? Isto é, “Quem é o nosso inimigo em comum? “Quem devemos combater?” “Qual ‘a’ ideologia por trás disso tudo?”.

A ideia era desvendar as coisas; enxergar por trás das cenas e descobrir o verdadeiro alvo para atacá-lo. Entendemos que era uma forma de fazer com que as pessoas pensassem sobre as injustiças sociais e entendessem seu posicionamento na sociedade. Afinal, combatendo e derrotando o inimigo, iríamos viver em um mundo melhor! Será?!

Bom, se nós olhássemos mais para os processos que tornaram os “inimigos” em inimigos, entendendo-lhes no detalhe, ao invés de declararmos guerra direta a eles mesmo, talvez nossas lutas fossem mais eficientes. A exaustiva polaridade nessas brigas geraram uma ideia de que há sempre um “nós contra eles” em tudo. Mas será que é bem assim?

O mundo de hoje é tão complexo que seria ingenuidade da nossa parte crer que tudo se resume a uma dicotomia. O poder não está somente nas mãos de “vilões”; ele não é uma posse, ele se difunde e se espalha nas vivências e relações cotidianas, nas redes sociais, nos algoritmos e nos espaços que ocupamos em nosso dia a dia.

Um sujeito pode ser o mocinho e o vilão, por exemplo, pode estar sendo oprimido no trabalho e sendo o opressor em casa. Portanto, é possível perceber que as pessoas não se encaixam mais em apenas um dos dois lados.

As posições que os sujeitos ocupam são diversas, assim como as formas de poder que exercem. Torna-se pertinente que os modos de se fazer política acompanhem essa fragmentação.

Isso significa que não temos mais uma luta coletiva com propósitos em comum? Com certeza, não! A luta recente pela justiça tributária está aí para mostrar isso. Mas é necessário repensar como estamos entendendo essas lutas e pondo nelas nossa força e potência no mundo de hoje.

Segundo, talvez seja importante cada vez mais pensarmos em pautas políticas de forma interseccionada. Até porque elas estão interligadas e não isoladas. A pauta única pode já não caber em nosso tempo.

Não temos mais um único vilão para culpar

Se o poder não tem somente um único centro e está fragmentado, que espaço há para a luta, para o combate? Não existem respostas prontas, nem é essa nossa intenção com este texto. Mas algumas coisas podemos pensar. Primeiro, será que existe só um jeito certo de se fazer política? Ou uma pauta ambiental, ou feminista, ou antiracista? A intenção aqui é desconsiderar a ideia de que é tudo 8 ou 80.

Segundo, talvez seja importante cada vez mais pensarmos em pautas políticas de forma interseccionada. Até porque elas estão interligadas e não isoladas. A pauta única pode já não caber em nosso tempo.

Os vilões não estão obscuros, esperando para serem descobertos. O poder não está mais centralizado, não está mais sob uma posse; ele encontra-se difuso e exerce-se por meio de relações de poder. Ao invés de pensar em uma luta revolucionária com todos, talvez seja importante pensar no contexto social em que se vive – no bairro, na universidade, na sala de aula, e até mesmo no grupo de Whatsapp.

Pensemos em mudanças pequenas. O “inimigo” agora é difuso, então devemos pensar que as formas de se fazer política também devem ser.

Por fim, em terceiro lugar, as coisas são o que são porque fatores o fazem ser da forma que são. O que isso quer dizer? Que antes de olharmos para os “vilões” devemos dar um passo atrás e pensar: “Como eles se tornam vilões?”. Somente “atacar” os transfóbicos, xenofóbicos ou homofóbicos (não que isso não seja importante) não vai fazer com que esses sistemas de desigualdade social deixem de existir. Talvez seja mais pertinente pensar na forma como eles se constroem.

Pensar e problematizar isso é provocar instabilidades nas pequenas mazelas que constroem tais sistemas. Mesmo que se faça isso em um micro espaço da sociedade, já é um ato político (ou micropolítico). São as microrresistências que dão resultado em um mundo de microfísica do poder.

Quais os novos rumos para a política?

Todo esse pensamento que expusemos é para dizer que fazemos política cotidianamente – e é isso que os pesquisadores do campo pós-crítico buscam. Não temos respostas prontas e talvez essa seja nossa melhor resposta, para não cair em generalizações.

O que fazemos, enquanto pesquisadores e professores, e também em nosso cotidiano, é aguçar o pensamento, tirar da zona de conforto e mirar em um terreno mais local, mas certamente mais vivo e possível de mudança! Estamos constantemente imersos em ações políticas! Se antes a pergunta era “contra quem lutamos?”, hoje talvez devêssemos perguntar: “Como fazer política de outras maneiras? Fazer política por meio de quais lutas, quando as antigas já não bastam em nosso tempo?”

Para saber mais…

Para saber mais sugerimos ler a autora Alice Casimiro Lopes, do campo do currículo, especialmente em seu artigo intitulado “Teorias pós-críticas, política e currículo” (2013), no qual a autora discute a partir de vertentes pós-críticas (pós-modernas, pós-estruturais, pós-marxistas, entre outras) um contra-argumento às usuais posições que consideram haver uma despolitização na contemporaneidade pós-moderna e pós-crítica.

Também deixamos como sugestão a série “pós-modernidade” do pesquisador e escritor aqui do blog Peterson Fernando Kepps da Silva, em que o autor problematiza a pós-modernidade e a relação com o nosso tempo.

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