Cientistas e governo em campanha pelo uso de animais em pesquisa

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“Graças à pesquisa com animais, eles terão 23.5 anos a mais para protestar” – Esta não é da campanha, mas tem que ter apelo

RICARDO MIOTO
Folha.com
Na briga contra organizações de direitos dos animais que querem acabar com pesquisas envolvendo cobaias, cientistas e governo criaram uma campanha publicitária tentando convencer a opinião pública da importância desses estudos.
A partir da próxima quarta-feira, serão feitas inserções na televisão, no rádio e em jornais e revistas.
Os anúncios têm dois motes. Um é que “quase todos os medicamentos e vacinas são resultado de pesquisas com animais de laboratório”, salvando muitas vidas. O outro é que, depois da Lei Arouca, aprovada em 2008 para regular o uso de cobaias, nenhum animal deixa de ser tratado com “ética e dignidade”.
A iniciativa já recebeu R$ 1 milhão, diz Marcelo Morales, biólogo da UFRJ e um dos responsáveis pela campanha. O dinheiro vem do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e do Ministério da Ciência e Tecnologia. E o valor pode aumentar.

Entrem no site para ouvir uma das campanhas.
É importante este tipo de ação, claro. Mas o modo como ela vai ser feita acho que só vai servir para levantar a bola para os ativistas cortarem.
Porque a campanha não tem apelo (considerando que só este estilo de propaganda vai ser feita), é chata mesmo, e vai servir só para levantar a discussão e é aí que os ativistas radicais vão aproveitar para usar todo apelo emocional que está do lado deles.
Ou seja, o tiro pode sair pela culatra.
Para mais sobre direito animal, veja:

Direitos dos animais: permitindo o diálogo saudável

Transcrevo aqui o comentário do leitor José Gustavo Vieira Adler em nosso post sobre o debate de direito animal.

Achei interessante o seu ponto conciliador, mostrando a importância da pesquisa – inclusive para o embasamento dos ativistas pelos direitos animais -, mas também mostrando que não devemos nos acomodar com as práticas atuais, afinal temos o poder de continuar mudando técnicas e conceitos.

Mas antes… BÔNUS: Aqui está o link para o Conselho de Cuidado Animal do Canadá (CCAC), que são as diretrizes seguidas pelo conselho de ética animal do Instituto de Biociências da USP. Ou seja, é o que a USP segue no que se refere a bem-estar dos animais em experimentos, nos seus míííííííínimos detalhes. Vale a pena dar uma olhada (em inglês).

O comentário foi transcrito com mínima intervenção minha; o original está aqui.

(…)
Quanto aos experimentos, dizer que se tem que acabar com os

experimentos é realmente difícil uma vez que nossa crença, nossos
conhecimentos e nossa cultura é baseado no metodo de pensar ciência e
como tal é impossível no estagio que estamos abdicar por completo do
uso de animais em experimentos. Mas usar isto como travas, correntes e
poltronas cômodas do costume é um equívoco, uma aberração contra a
nossa própria natureza, que é o avanço cultural.
Muito já se mudou, sendo que
hoje a pesquisa não depende de experimentação animal como dependia
em anos atrás, devido em grande parte graças ao movimento
ativista (que engraçado ter surgido por conta da visão mecaniscista dos
animais que eram vistos quase como máquinas e portanto não os
consideravam seres dotados de sentimentos e conhecimentos). O
diálogo só surgiu porque surgiu a emergência dos valores
intrínsecos aos demais animais, graças a luta pelos “direitos
animais”, e se faz necessário a continua luta e diálogo para forçar
financiamento para que mais e mais sejam desenvolvidas novas técnicas,
métodos e pensamentos voltados para a contínua retirada dos animais
dos laboratórios.

Agora, essas brigas de ego (macaco-alfa) de muitos que defendem os
direitos dos animais com ciêntistas que tem plena consciência da
problemática, a demonização dos que praticam a, realmente, enfadonha
tarefa de utilizar os animais em experimentos é um erro de julgamento,
um disturbio da idealização. Fazendo um paralelo com um argumento
muito usado pelos que lutam a favor dos valores dos outros animais,
vemos a escravidão do periodo colonial como uma ação demoníaca
dos donos de escravo, mas na verdade em muitos casos os donos de
escravo julgavam-se tratar da melhor forma possível seus escravos,
criavam empatia e um certo estreitamento. Quando esses escravos atacavam
ou matavam alguns de seus donos e fugiam pros quilombos eram julgados
como animais sem alma, selvagens, assim como um elefante mata seu
treinador ou uma orca afoga sua treinadora. Os julgamos como animais
selvagens, indomáveis. Os julgamentos e crenças são frutos do
contexto de cada época e cultura – condenar a caricaturas malevólas os
escravocratas é um desvio da valoração idealista. Os escravocratas
em grande parte acreditava que os negros eram realmente animais, ou que
seus sentimentos não valiam por não terem a consciência que seus
donos tinham a respeito da moral e costumes. Foram precisos muitos anos
de luta e uma mudança de interesses comerciais e econômicos para que
houvesse uma mudança no modo de julgar os negros, de enxergar os
negros, para depois entender que os negros são tão brancos quanto
nós e nós somos tão negros quanto eles, que somos todos humanos, da
mesma espécie, da mesma raça.

Para mudar o contexto socio-cultural que estamos imersos é preciso de
tempo, de muito diálogo, confronto de idéias, aquisição de
conhecimentos novos, aberturas de perspectivas, e PRINCIPALMENTE uma
mudança e um avanço no enfoque, nas ferramentas que temos para obter
nossos conhecimentos, criando alternativas viáveis e interesses
morais, éticos e economicos diferentes quanto a utilização de
animais, da coisificação de outras espécies.

Tratar os cientístas como demônios, assim como muitos humanistas,
esquerdistas tratavam os escravocratas como demônios é um erro de
julgamento, quando o que tem que ser combatido é a ação. O que tem que se
fazer é forçar cada vez mais a necessidade de se utilizar de outras
ações que dispensem o uso de outras espécies. Mesmo porque, ironia
do destino, a valoração dos animais ganhou visibilidade cética
graças a muitos experimentos com animais em cativeiro,
experimentações que chegavam até a ser invasivo.

Ou seja, é verdade que os que lutaram pelos direitos animais
empurraram a necessidade por uma abordagem dos valores dos outros
animais, também é verdade que que as pesquisas crescentes na
cognição e na sua evolução deram conteúdo, embasamento, para
tornar a visão de valores animais encorporada no contexto da Cíencia
,
tornar o assunto tema de respaldo e de valor cientifico. Os dois lados
caminharam em convergência para alcançar o grau de entendimento e
questionamento que chegamos atualmente. Muitos dos ativistas usarão o
discurso de que a inteligência animal era óbvia e clara, e que não
precisava de experimentos para atestar o que se podia averiguar
bastando conviver com os animais em seus habitats. Mas sem o respaldo
da Ciência, dos seus métodos e critérios, a idéia de inteligência
nas demais espécies estaria fadada a um saber local, ilhado,
desconectado dos processos do saber do homem contemporâneo. Estaria
reclusa na crença popular, em valores de povos regionais, não teria o
alcance e nem o corpo investigativo e criterioso em que uma metodologia
experimental de uma investigação científica dá à crença.

Ainda somos dependentes dos animais para nosso avanço como ser
cultural, mas não podemos tornar essa dependência como uma
naturalidade, como uma situação imutável.

Evolução da consciência e direito animal – o debate

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Primata admirando seu reflexo

Aconteceu em São Paulo, na Livraria Cultura, dia 3 de maio de 2010, a palestra “Evolução da consciência e direito animal”. Consciência por si só já é o assunto mais espinhoso e difícil de debater, afinal sobram, e por isso mesmo faltam, definições só pra poder começar a conversa. E misturar a isto “direito animal”, é a mesma coisa que juntar nitroglicerina e um moleque do interior em época de festa junina. “Será que explode?!”
Organizada pelo escritório de advocacia do advogado Rubens Naves [adendo -difícil chamar advogado de doutor. Para mim doutor é quem tem doutorado, mas parece que D. Pedro Segundo estipulou o tal título para bacharéis em direito e eles adoram jogar isto na nossa cara], teve a presença ilustre de Cesar Ades, psicólogo que trabalha com etologia ou comportamento animal e o cientista mais gente boa dos trópicos; Sidarta Ribeiro, famoso neurocientista que foi o braço direito do mais famoso Nicolelis; eu (Zé ninguém) e mais uma porção de pessoas interessantes, alguns amigos e outros nem tanto; e um grupo organizado de um instituto de proteção dos animais.
(veja o prospecto com mais sobre os participantes aqui)
Tudo começou com uma explicação de porque raios um “adEvogado” tem que se meter em assuntos de animais. Naves já avisou que o escritório tem atuado em algumas causas relativas a direitos animais, e citou outros casos emblemáticos como a farra do boi no Paraná e problemas de saúde pública, as sempre presentes zoonoses. Ou seja, o direito tem q estar atento ao assunto sim.
Chegou a hora do bom velhinho falar, Cesar Ades. Como sempre cativou todo mundo com seu jeito moleque e deslumbrado perante a natureza e o comportamento animal. Lembrou que os animais sempre nos acompanharam durante nossa evolução, e que a própria definição do que é ser humano vem mudando conforme vai se entendendo mais o animal. E ele deu aqui vários exemplos de o quanto animais podem se sobressair em relação a nós, com chimpanzés mais rápidos que estudantes universitários [nenhuma novidade aqui], e até corvos resolvendo problemas que uma criança de 5 anos não resolveria [confesso que mesmo este blogueiro não teria resolvido a parada].
Veio então Sidarta tentar buscar as diferenças entre animais humanos e não-humanos. Tamanho de cérebro? Não, golfinhos e baleias tem cérebros maiores e passarinhos com cérebros minúsculos fazem coisas incríveis.
Comunicação? Não também. Animais conversam entre sim das mais diversas e sofisticadas formas.
Capacidade de entender símbolos? Hum…não. Macacos e pássaros podem entender símbolos se forem acostumados a tal.
Então por que “coisificamos”, ou utilizamos os animais como coisas? Bom, isso foi vantajoso pois foi o que nos trouxe até aqui: evoluimos puxados à charrete e comendo um bom bife. E além do mais fazemos a mesma coisificação com os próprios homens, como em Auschwitz. Sidarta conclui que não estaríamos aqui sem nos utilizar de animais (e homens), e que o problema do direito animal toca também o direito humano.
Começa o quebra-pau
Foi então que esquentou. As perguntas começaram inocentes, mas o grupo de proteção animal ficou com uma comichão na cadeira, se remexendo e falando alto. Deu pra perceber o nervosismo antes mesmo de eu entender que aquele grupo estava junto e sob a mesma causa.
Algumas coisas desse grupo me irritaram:
Acusaram o Sidarta de ter usado de ironia na apresentação para sacanear os defensores de animais que ele supostamente sabia que estariam lá. – Não procede. Não houve cinismo e acho que esse pessoal foi com pedras na mão. A atitude deixou isso mais claro.
Não argumentaram, só atacaram. Um dos adEvogados do grupo de defensores usou o brilhante e inédito argumento “e se fosse você sendo torturado para pesquisa em lugar do rato”, o que eu acho bem infantil para um doutor em direito.
Aí a coisa descambou. O Sidarta disse que fato é que mata animais profissionalmente, apesar de não gostar disso e compensar o fato dando um fim maior ao que faz, e enfatizando que a sociedade como um todo, democraticamente, lhe deu este direito.
Perguntou até quem mais matava animais profissionalmente e eu tive que levantar a mão, né (veja aqui o porquê).
[Se bem que se pensarmos bem, profissão é o que se faz por necessidade, se comemos por necessidade, todo mundo que come algum animal está matando profissionalmente, mas esse não foi o ponto levantado]
Na saída da palestra o grupo, que descobri ser do Instituto Nina Rosa, distribuiu CDs com um documentário sobre experimentação animal, que eu prometo assistir e contar pra você.
E é isso, meu amigo. Peço mais serenidade neste tipo de debate.
E para não pensarem que sou tendencioso, afinal eu uso animais no laboratório, veja aqui um relato do debate de uma advogada (o único comentários que achei sobre o debate até agora, inclusive olhando no site do Instituto Nina Rosa).