A ingenuidade de Bill Gates sobre a Biologia

Caro Bill Gates,

Sinto informar que células não são tão rápidas quanto elétrons. Mais que isso: burocracia para mexer com gente e com o ambiente não é tão simples quanto programar um software.

Digo isto em vista da reportagem do New York Times, repassado pela Época, sobre o balanço dos investimentos em pesquisa em saúde feitos pela fundação Gates.

 

“Cerca de 1.600 propostas chegaram, e as 43 principais eram tão promissoras que a Fundação Bill & Melinda Gates liberaram US$ 450 milhões em bolsas de cinco anos _ mais de duas vezes a estimativa inicial.
Recentemente, a fundação chamou todos os cientistas a Seattle para avaliar os resultados e decidir quem seguirá recebendo os financiamentos. Numa entrevista, Gates soou de certa forma moderado, dizendo diversas vezes: “Nós fomos ingênuos”.”

[Leia a história e os projetos selecionados aqui]

 

Mas na verdade não dá pra saber se ele foi ingênuo ou enganado pelo hype alardeado pelos projetos. Afinal o objetivo de escrever um projeto é justamente convencer a todo custo quem o lê. O famoso “puxar a sardinha pro seu lado”, coisa que as vezes (muitas vezes) os cientistas fazem exagerando nas expectativas e enviesando as perspectivas. Outra coisa é que tem vários ganhadores do Nobel participando, e convenhamos que receber um projeto de um cara desses e dizer “não” não deve ser fácil.

Fato é que ele parece não ter gostado do resultado. E muita gente, incluindo um comentarista da reportagem acima, os cientistas e o próprio Bill Gates acham que o dinheiro investido nessas pesquisas foi algo bem significativo! Quando na verdade o gasto é irrisório comparando com gastos militares por exemplo. Para entender meu ponto de vista você precisa ler este texto espetacular do 100 Nexos, onde se lê que antes do telescópio Hubble, o instrumento mais fantástico da astronomia por muito tempo, que ajudou a desvendar milhares de mistérios do espaço, do tempo passado e do futuro, é uma aplicação tardia de um projeto de satélites-espiões que somaram 9 em nossa órbita!

Ou seja, enquanto mendigamos por recursos para a astronomia e também para outras áreas como a saúde e o bem-estar humano, uma quantia gigantesca é gasta sem que nós sequer saibamos onde.

Obrigado Bill Gates, continue assim gastando parte da sua fortuna pelo bem do próximo (e olhem que eu não estou nem questionando o como essa fortuna foi adquirida), mas acho que mesmo este esforço é uma gota num oceano de descaso pela vida humana.

Analisando a Polêmica “Palhaçada Científica” de Ruth


Day_At_The_Beach_by_pianosinthesky.jpg
Um pequeno tufão varreu a blogosfera científica nacional. Ele foi gerado pelo texto da jornalista Ruth de Aquino, diretora da revista Época. Neste texto, Aquino diz que “Ler sobre pesquisas científicas de universidades respeitadas é uma receita certa para dar risada”, e cita algumas pesquisas que, por exemplo, constatam que crianças canhotas vão pior na escola, corpos femininos sem rosto vistos por homens são processados por eles nas áreas destinadas a objetos. Enfim, a crítica dela é que as pesquisas “descobriram” o óbvio.

Vários colegas de divulgação científica reagiram (links abaixo). Como não tenho o que acrescentar ao que já foi dito, preferi analisar a discussão em si.

Que mecanismos os cientistas e divulgadores têm para reagir nestes casos de discordância com a mídia? Neste caso, comentários na própria página da matéria são permitidos. Tentei resumir e classificar como foram conduzidas as discussões.

O que foi comentado
Muitos comentários mostrando na maioria indignação; pedidos de retratação; explicação de conceitos tidos como errôneos na reportagem; comentários apelativos de cunho pessoal; algumas críticas estendidas a outras matérias da revista Época.

Casos interessantes: um comentário conclama blogueiros para uma ação conjunta para “puxar a ficha” da autora, analisar a relevância da revista e do jornalismo em geral; um senhor se diz cientista e mostra apoio a crítica da autora da pesquisa do “óbvio”; uma resposta em favor do texto veio de um socialista crente (adjetivos meio paradoxais, não?).

A falta de experiência em escrever sobre ciência para não-cientistas gerou problemas clássicos, como por exemplo, o leitor invalidar a pesquisa dos canhotos irem mal na escola simplesmente por conhecerem um canhoto inteligente. Fato que não invalidaria um estudo com um número grande de sujeitos e com análise estatística robusta.

Leitor vulnerável
Não é raro ver deslizes de jornalistas não especializados em ciência quando têm que escrever sobre este tema. Mas até que ponto uma informação errada ou opinião distorcida pode afetar o cidadão-leitor comum?

Os comentários de concordância se acumulam mais próximos da data de publicação, mostrando que o leitor não-cientista, que provavelmente lê de rotina a revista, está muito vulnerável aos erros cometidos por ela. Dois dias depois da publicação só há críticas nos comentários, gerados por pessoas que provavelmente não lêem a revista mas se interessaram pelo texto.

Silêncio que incomoda
Nenhuma resposta, retratação ou comentário foi feito pela própria repórter ou pela revista. Fato comum para quem costuma criticar artigos nessa mídia “pseudo-interativa” que são os sites de notícias. Isso mostra uma inserção apenas parcial do jornalismo na internet. Afinal, a interação entre autor e leitor é plenamente possível, mas esta possibilidade está sendo desperdiçada, possivelmente fazendo com que leitores se frustrem e, no caso dos cientistas, realmente ignorem este tipo de mídia.

Este silêncio é provavelmente o causador, ou um catalisador, do sentimento de descaso e impunidade sentido por muitos divulgadores de ciência, leitores e cientistas neste debate.

(Por isso, continue lendo seus blogs científicos de confiança.)

Crítica aos críticos de Ruth

Minha crítica aos críticos de Ruth é no tom da discussão, muitas vezes excessivamente exaltado e passional. Parece mostrar um pouco de ingenuidade pelo espanto com a situação da divulgação de ciência no Brasil, que é sabidamente muito problemática, e é com este tipo de acontecimento que um divulgador de ciencia mais vai se deparar. (veja aqui uma outra crítica.)

Não sei até que ponto o artigo de Ruth de Aquino, por ser uma opinião, deveria ser respeitado por isso. Mas ao lidar com ciência, opinar de forma temerária e ingênua como foi feito, ainda mais numa área em que o cidadão-leitor é tão vulnerável, foi irresponsável, sem dúvida.

Pergunta:
É papel das sociedades científicas, como a Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), opinar sobre ou até fiscalizar este tipo
de artigo?

P.S.:
Por falta de tempo não comentarei os artigos de blogs gerados pelo tema, mas citarei os mais relevantes. Sugiro fortemente a leitura:

“Mas isso eu já sabia!” – 100Nexos (Este é HiperRecomendado!!!)

Em prol dos cientístas, idiotas e dos “ridículos” – Ciência Brasil

Conselho de Darwin para Ruth – Ecce Medicus

É muito fácil ser um jornalista frívolo – Geófagos

Nunca é tarde para uma autocrítica – n-Dimensional

Candidato a santo– Boca do Inferno

Ciência e o óbvio – Rainha Vermelha

Ciência é besteira? – Discutindo Ecologia

Pesquisas científicas me fazem rir! – Rastro de Carbono

Cara Ruth de Aquino, – Brontossauros

Ruth de Aquino já é a segunda colocada em comentários na Revista Época – SemCiência

(copiei sua lista, 42. Me processe!)