A aventura de Atalia – uma narrativa de RPG sincera – parte 4

Atalia acordou na manhã seguinte extremamente debilitada. Todo seu corpo doía muito, sentia um cansaço extremo e uma sede sem igual. Arrastando-se foi procurar pelas gotas de água do orvalho, enquanto tentava raciocinar sobre como sobreviveria naquele estado. Então se lembrou do vaga-lume e isso a fez por um momento esquecer-se da dor e do cansaço, quando foi procurá-lo encontrou-o exatamente onde ela estava deitada. Pensou que ele estivesse morto, mas então tocou nele e ele acendeu, segurou-o com as mãos e sorriu animada com aquilo mas ele não reagia e nem se movia. Ela então começou a empurrá-lo com o dedo para que ele andasse um pouco, mas só assim ele erguia um pouco as patinha, se movia até recuperar a estabilidade do empurrão e então parava. Ela então o jogou para o alto para ver se ele conseguia voar, e ele abriu a asas, voou e então pousou na frente dela.

  • Momento do teste! Atalia notou que havia algo de estranho naquele inseto, pois era esperado que ele agisse de maneira mais agitada, contudo o cansaço e o senso de sobrevivência começavam a disputar espaço com sua curiosidade. De 0.01 – 0.90 ela o deixa de lado por um tempo e seguirá em busca de recursos, de 0.91 – 1.00 ela ignora a fome e o cansaço e segue investigando o inseto: 0.84.
  • Resultado: Relutante sobre o comportamento do inseto, sente que aquilo não é sua real prioridade, deixando-o de lado um pouco e indo procurar nos arredores do que sobrou daquela casa, algo que pudesse ajudá-la a sobreviver.

Encontrou um poço, que parecia ter água, mas não tinha nenhuma corda nem balde para pegá-la.

  • Momento do teste! Após conferir com uma pedra de que havia água no fundo, Atalia pensa em como poderia puxá-la. Sua ideia era improvisar uma corda cortando faixas do seu cobertor, mas não poderia ser nem muito grossa, pois precisava dele para resistir ao frio e nem muito fina, pois teria a chance de arrebentar. Com uma pedra pontuda, mãos cansadas e sua baixa destreza para trabalhos manuais, tentou fazer estas faixas. De 0.01 – 0.10 faz as faixas na medida certa, de 0.11 – 0.50 faz as faixa um pouco largas, reduzindo mais do que precisava a largura do seu cobertor, de 0.51 – 1.00 faz as faixas bem largas, comprometendo assim o poder do cobertor de protegê-la do frio a noite: 0.32.
  • Resultado: Após cortar algumas faixas meio tortas, seu cobertor já estava bem menor, mas ainda com largura suficiente para proteger uma moça pequena como ela.

Amarrando as faixas, jogou aquela corda até alcançar o fundo, e puxando aquele pano molhado até o topo, torceu-o e bebeu sua água como e fosse a coisa mais maravilhosa do mundo. Começava a sentir a vida fluir pelo seu corpo e repetiu este processo até que estivesse satisfeita. Juntou então algumas madeiras que não estavam muito queimadas e procurou encaixá-las no canto, fazendo uma proteção onde poderia ficar mais segura durante a noite.

  • Momento do teste! Faltava equipamento e experiência sobre como fazer aquilo, e também as madeiras eram um tanto pesadas, procurou escorá-las do melhor modo possível como se fizesse uma cabana. De 0.01 – 0.15 consegue fazer uma cabana bem fechada e com uma estrutura firme, de 0.16 – 0.40 faz uma cabana vazada mas com uma estrutura firme, de 0.41 – 0.80 faz uma cabana vazada e com uma estrutura frouxa, de 0.81 – 1.00 faz uma cabana vazada e com estrutura instável: 1.00.
  • Resultado: Mexer com madeira não era o forte de Atalia, após um tempo de dedicação e imenso esforço, sua cabana estava horrível, não parecia proteger do frio e ameaçava cair a qualquer momento, mas tinha sido o melhor que ela pode fazer naquelas condições.

Desanimada com o estado de sua cabana, Atalia foi vasculhar nas cinzas a procura de algo que pudesse lhe ser útil. Vasculhando nas cinzas, achou alguns trapo queimados, alguns objetos de barro quebrados, um pedaço de metal que parecia ser a base de uma enxada, e alguns ossos.

  • Momento do teste! Atalia somente havia vistos ossos de animais até então, não imaginava que aquele seriam osso humanos. Desse modo, não chegou a se surpreender com eles, seguindo sua busca sem imaginar o que havia acontecido ali. De 0.01 – 0.10 Atalia sente um calafrio e pressente que ali houve um assassinato, de 0.11 – 0.30 Atalia sente um calafrio relacionado àqueles ossos, mas não entende o que possa ser, de 0.31 – 0.60 Atalia tem a leve sensação de que há algo estranho no ar, de 0.61 – 1.00 Atalia nem desconfia do que possa ter ocorrido e segue sua busca: 0.56.
  • Resultado: Atalia sente algo estranho, uma espécie de mal-estar naquele ambiente, como se houvesse uma carga pesada ali, mas associa isto ao seu estado de cansaço e exaustão, ignorando esta sensação e prosseguindo na sua busca.

Reunindo alguns objetos de barro não tão quebrados, pensava em usá-los para guardar um pouco de água, e com aquela base de enxada, podia cortar com mais facilidade do que usando uma pedra. Certamente a dificuldade não havia terminado, mas ao menos agora começava a sentir suas chances de sobrevivência aumentando. Aproveitou o momento mais quente do dia para se lavar e cuidar da sua ferida, cuja dor começava a incomodar.

Tirando com cuidado suas ataduras, viu que a ferida ainda estava sensível, doía só de tocar ao seu redor, e sentia que por dentro ainda estava ruim. Com bastante cautela se lavou por completa, e também tentou lavar as ataduras, torceu-as e deixou-as secar antes de usá-las novamente. Enquanto esperava ali no sol até secar-se foi procurar seu vaga-lume, que encontrava-se exatamente onde havia deixado de manhã. Isso era bem estranho, pois ele aparentava vivo, mas sem reagir naturalmente a nada. O tempo passou rápido até que estivesse totalmente seca e suas ataduras também, refez o curativo e então se vestiu. Foi procurar pelos arredores o que pudesse comer, algum tempo depois havia reunido uma boa quantidade de coisas possivelmente comestíveis, mas decidiu ser mais seleta, não comendo o que lhe deixasse em dúvida. Também trouxe um pouco de folha secas para dar mais aconchego à sua cabana.

Já estava terminando a tarde, quando achou por bem tentar refazer sua cabana, agora com mais energia, com a experiência frustrante da última tentativa e a possibilidade de fazer alguns talhos na madeira com sua ponta de enxada.

  • Momento do teste! De 0.01 – 0.25 consegue fazer uma cabana bem fechada e com uma estrutura firme, de 0.26 – 0.50 faz uma cabana vazada mas com uma estrutura firme, de 0.51 – 0.90 faz uma cabana vazada e com uma estrutura frouxa, de 0.91 – 1.00 faz uma cabana vazada e com estrutura instável: 0.66.
  • Resultado: Mexer com madeira realmente não era algo fácil para Atalia, após um tempo de dedicação e imenso esforço, sua cabana estava bem vazada mas a estrutura já não estava tão instável. Poderia se arriscar a passar a noite ali sem tanto medo dela desabar em cima dela.

Logo mais caiu a noite e Atalia se cobriu e encostou-se no canto preparada para o frio que viria, mesmo com algum receio das madeiras caírem, então com a chegada na escuridão lembrou-se procurar seu vaga-lume. Se engatinhando ela procurou com as mãos onde o havia deixado e logo mais o pegou. Trazendo para pertinho de si perguntou se ele não ia acender aquela luzinha? E então ele começou a brilhar. Isso a fez bem e a noite passou de maneira mais leve, caindo rapidamente no sono.

STATUS

Nome: Atalia, filha de Galieu da região de Farhes
Aparência: Mestiça indiana/europeia
Idade: 16 anos
Profissão: Andarilha
Equipamentos:
Roupa do corpo
Cobertor
Ponta de enxada
Situação:
Saúde debilitada
Características:
Forte odor
Não sente nojo
Não se incomoda com odores
Pouco comunicativa
Gosta de ficar sozinha
Saúde forte
Afinidade com animais
Ágil e flexível
Língua dos mortos
Reanimar coleópteros
Inimigos:
Duquesa de Mancini


RPG e curvas de crescimento

Como chegamos onde estamos hoje? Claro que existem exceções nos quais ocorrem saltos que mudam tudo do dia para a noite. Mas na maioria dos casos as coisa se constroem lenta e gradativamente. Mesmo na nossa formação acadêmica, as vezes temos contato com algum evento científico ou projeto no Ensino Médio, então vamos para a graduação onde as coisas seguem por mais alguns anos, somando uma participação em congresso, uma coautoria em resumo, uma experiência em projeto e por ai vai. Analisados de maneira individual parecem ações muito simples, e que contribuem pouco no currículo acadêmico, mas então começamos a somar e valores mais significantes começam a aparecer.

Na aventura de hoje pode parecer tudo muito banal, Atalia acordou e permaneceu naquela casa queimada até o final do dia. Mas se formos ver o que aconteceu realmente com nossa personagem, é que depois de uma longa jornada ferida, de não conseguir espaço com comerciantes que passavam por ela na estrada, ela finalmente encontrou um local para reclinar a cabeça. Como a intenção dessa é ser uma aventura sincera, a protagonista não deseja nada mais do que um pouco de segurança e tédio para se recuperar por completo. Ela está se desenvolvendo nessa aventura, aprendendo a sobreviver sozinha, encontrando comida, improvisando uma cabana, reunindo recursos por onde passa. Ações que até então nunca foram preocupações para ela, mas que agora começam a mudar a personagem. Mesmo seu pequeno vaga-lume zumbi, já começamos a notar um domínio inconsciente sobre ele, ao perguntar se viria a acender a luzinha, e ter seu comando obedecido. Atalia não sabe que é uma necromante, nem teve mentores que identificassem nela essas habilidades, mas começam a surgir as primeiras pistas de que há algo de diferente nela.

Contudo, o tema da discussão de hoje, é curva de crescimento. Esse é um tema que já discuti bastante com o Pavel, e sempre caímos num dilema sobre as pessoas aprendem/desenvolvem-se e como isso pode ser modelado dentro de um RPG.

Certamente não podemos restringir um jogador de querer que seu personagem aprenda algo novo, pois na vida aprendemos coisas novas o tempo todo. Embora tenha também a questão de quão bom você é em algo, e como isso pode afetar suas ações. Após muitas discussões sobre este tema, e experiências em RPG’s nos quais isso era proibido e em que isso era liberado, acho interessante falar mais a respeito do que acontecia nestes contextos. Quando havia uma regra clara sobre não adquirir novas habilidades exceto mediante pontos atribuídos com ganho de nível, os jogadores simplesmente seguiam sua vidas, e do nada apareciam com uma habilidade totalmente nova vinda de lugar nenhum (Neo para Morpheus: eu sei kung fu!). No cenários em que ganhar habilidades com treinamento era permitido, os jogadores ficavam literalmente todo o tempo livre dos seus personagens treinando. Interações sociais ou qualquer outra ação eram ignoradas, e o foco todo era treinar, inclusive treinar para não sentir que estavam desperdiçando tempo com besteiras. Também haviam contextos intermediários, no qual o ganho estava associado a algum mentor, nestes casos, os jogadores buscavam sempre achar mentores que pudessem dar-lhes os ganhos desejados. Em todos os contextos, sinto que a questão sempre trava na ideia de ganhar algo ou uma sede em melhorar-se o tempo todo.

Se precisasse responder isso hoje, sobre como enxergo a evolução de habilidades num cenário de RPG, acho que a melhor resposta seria uma pergunta retórica: pra que você quer se desenvolver?

Até o final do mês de junho, estava trabalhando como estagiário docente de Cálculo III, nesse período precisava dar aulas de um conteúdo que sentia ter pouco domínio. Assim, ficava estudando para dar boa aula, e coneguir tirar dúvidas de meus alunos. Esta era minha intenção, e isso me motivava e me preocupava o suficiente para dedicar-me em aprender, para isso, abrindo mão de outras atividades.

Para um RPG a situação segue análoga, se um personagem deseja ganhar um torneio de artes marciai, é natural que procure treinar diariamente para isso. Mas se ele simplesmente quer ter uma vida confortável e sua arma é um instrumento para garantir sua segurança pessoal, talvez seja mais prudente dormir em quartos individuais nas pousadas, do que acampar ao redor da cidade.

Em relação a números, pontos, quanto se ganha, quanto se perde… acredito que isto sempre termine em confusões. Pois uma vez que inserimos uma regra numérica para modelar um ganho/perda/melhoria, começamos mentalmente (as vezes de forma involuntária) a procurar maximizar nossos ganhos ou minimizar nossa perdas. Mesmo para regras muito complexas, em seus extremos provavelmente teremos situações absurdas que não correspondem a um modelo sustentável. É aquela história:

  • Se um pedreiro constrói uma casa em um ano, 365 pedreiros constroem uma casa em um dia?

Acredito que a maior arma para evitar incogruências no enredo e que vem inclusive a somar no próprio desenvolvimento da história, é a própria história como base. Atalia tentou construir sua cabana, gastou tempo, energia e esforçou-se para fazer algo bom. Mas a sorte estava contra ela, e o resultado foi péssimo… algum tempo depois, decidiu que valia a pena tentar novamente, se contentando com o novo resultado um pouquinho melhor que o anterior. Se esse for um critério de base, cabe aos jogadores manterem uma consciência sobre o que já ocorreu com seu personagem ao longo da aventura, e fazer uso destas experiências para exigir melhores condições para os testes (ou seja, um sinal de que não são mais os mesmos de quando tentaram isso pela última vez).

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A aventura de Atalia – uma narrativa de RPG sincera
parte 0: https://www.blogs.unicamp.br/zero/3826/
parte 1: https://www.blogs.unicamp.br/zero/3832/
parte 2: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4247/
parte 3: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4283/
parte 4: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4579/
parte 5: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4700/
parte 6: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4703/
parte 7: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4708/
parte 8: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4716/

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Como referenciar este conteúdo em formato ABNT (baseado na norma NBR 6023/2018):

SILVA, Marcos Henrique de Paula Dias da. A aventura de Atalia – uma narrativa de RPG sincera – parte 4. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS. Zero – Blog de Ciência da Unicamp. Volume 8. Ed. 1. 2º semestre de 2022. Campinas, 12 ago. 2022. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/zero/4579. Acesso em: <data-de-hoje>.

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