A importância da divulgação científica como prática acadêmica

Por Germana Barata, coordenadora do Divulga Ciência
Publicado originalmente no portal da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC)

O Brasil tem incrementado, a cada ano, sua produção científica no contexto mundial, saltando de menos de 1% da produção global nos anos 1990 para cerca de 3% em 2014. Esforços para melhorar a qualidade e impacto da ciência brasileira fazem parte de nossos constantes e legítimos esforços. Neste cenário, a divulgação científica passa a desempenhar um papel coadjuvante, ao invés de mero figurante.

Embora a divulgação científica não seja, muitas vezes, vista como parte das atividades da comunidade acadêmica ou mesmo de periódicos científicos, cujo papel sempre foi comunicar a ciência para pares, se coloca, crescentemente, como atividade necessária, relevante e, até, obrigatória para que se estabeleça uma ponte definitiva entre ciência e sociedade.
Ademais, num mundo em que a multi, inter e transdisciplinaridade são desejadas e incentivadas, falar para e com o “público leigo” significa também falar para especialistas de outros campos do conhecimento que, fora de sua área, são também leigos.

Especialistas e cientistas afirmam que, muitas vezes, tomam conhecimento de um artigo através da mídia. E é apostando também nesse potencial que inúmeras instituições de pesquisa – incluindo as brasileiras, sobretudo a partir do final dos anos 1990 – e revistas científicas, principalmente as de maior fator de impacto, investem em estratégias de divulgação científica de sua produção.

A mídia é também uma importante ferramenta com a qual os debates contemporâneos tomam forma antes de se tornarem uma prioridade de pesquisa e se revela uma arena na qual a ciência justifica seus investimentos à sociedade (haja visto a grande divulgação dos projetos genoma a partir dos anos 2000) ou a necessidade de estabelecer políticas de C&T, a exemplo do projeto de lei em discussão sobre uso da biodiversidade e conhecimentos tradicionais, ou a Lei de Arouca (11.794/2009) que trata sobre uso de animais na experimentação.

A comunidade não deve permanecer fechada em seu mundo de especialistas, é preciso que se posicione e participe do debate público. Felizmente, temos bons exemplos na comunidade de divulgadores ativos, ou mesmo de especialistas sempre disponíveis a colaborar como fontes de informação aos jornalistas, mas é preciso que a cultura da divulgação faça parte da formação dos nossos futuros cientistas e especialistas. Com raríssimas exceções pontuais (cursos de curta duração ou extensão), a divulgação científica ainda não faz parte do currículo universitário, o que torna os esforços uma iniciativa voluntária e autodidata.

Mas há alguns movimentos importantes em direção à valorização da divulgação científica como parte da atividade acadêmica, por meio de políticas de incentivo. Em 2012, a nova versão do Currículo Lattes do CNPq passou a incluir a aba de “Popularização da ciência e tecnologia” para que estudantes, pesquisadores e cientistas incluam sua produção em divulgação científica (i.e. livros, artigos, entrevistas, vídeos, blog, páginas em redes sociais etc). Ainda não se sabe quando e se essa produção terá peso na avaliação e progressão de carreira, mas tudo indica, esperamos, que sim.

Outro movimento de peso é que editais de projetos de maior porte financiados por agências de fomento, como a FAPESP, ou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), como os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT), exigem que esteja contemplado atividades que garantam a disseminação ou transferência de conhecimento para a sociedade, a exemplo do que ocorre nos Conselhos Britânicos, ou na norte-americana National Science Foundation, há algumas décadas.

Em dezembro de 2014, Abel Paker, um dos idealizadores e atual coordenador do Programa SciELO/FAPESP, ao apresentar os novos critérios de indexação na biblioteca eletrônica virtual científica durante o Workshop da ABEC, anunciou que, a partir de 2016, as revistas científicas deverão ter canal de comunicação nas redes sociais e blog, como estratégia de ampliar a leitura e visibilidade das publicações.

Há ainda o crescente uso de Altmetrics – já adotado pelo SciELO e revistas científicas estrangeiras – que produz indicadores alternativos de visibilidade e impacto da produção científica considerando, para isso, os acessos, compartilhamentos e citações feitas por blogs, pela mídia e redes sociais (dentre elas o Facebook e Twitter). Uma métrica mais instantânea e múltipla que valoriza, assim, a divulgação da ciência em meios não formais e reconhece a importância de abarcar públicos e meios distintos.

“A pesquisa que não merece ser publicada, não merece ser feita”, concluiu Jonathan Ashmore, membro da Royal Society, em mesa durante a conferência que celebrou os 350 anos do Philosophical Transactions, em março passado. Está nesta afirmação embutida a importância da comunicação no processo de construção do conhecimento, que traduz o mote “publicar ou perecer”. Publicar, já sabemos, não basta. A pressão é cada vez maior na direção da visibilidade, da citação: “ser citado ou perecer”.

Para reconhecer essas mudanças é preciso que as revistas científicas, sobretudo as brasileiras, que batalham por visibilidade e internacionalização, invistam na divulgação de seus conteúdos pós-publicação. Os esforços da equipe editorial não podem terminar com a publicação de uma nova edição. Seria como imaginar uma editora de livros investir na editoração da obra e esquecer que o lançamento é absolutamente fundamental para o seu sucesso. É preciso cuidar, com carinho, da divulgação por meio das redes sociais, blog, manter os assessores de imprensa da instituição ou editora informados sobre as atualizações de conteúdos para que cheguem à comunidade acadêmica, ampliando inclusive o público leitor, e, porque não, chegando à sociedade em geral. Alguns periódicos brasileiros começam a investir na divulgação científica, na comunicação com assessores de imprensa e jornalistas e comemoram o aumento dos acessos e downloads de artigos, bem como relatam aumento nas submissões.

Em meio a essa avalanche de informações disponíveis na rede mundial de computadores, a divulgação científica pode também servir ao papel que as revistas científicas desempenharam no século XVIII quando se popularizaram: indicar o que havia de mais relevante e interessante em meio ao oceano de livros existentes, mas que tinham alto custo e demora para ser publicados. A divulgação do conhecimento pelas vias não formais enriquece, tende a democratizar e catalisa o debate científico. Falta agora que a academia a incorpore e valorize sua prática.


Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), editora da revista Ciência e Cultura, publicada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e coordena projeto “Os periódicos científicos brasileiros: estratégias para expandir e melhorar a comunicação com a sociedade”(Fapesp 2013/10075-8), que resulta no Divulga Ciência. Email: germana@unicamp.brfacebook.com/germana.barata  

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