Edições Anteriores – Direitos humanos após a determinação do status de refugiado

Crianças somalis no campo Dadaab no Quênia. Foto de Tony Karumba/AFP, 2011.
Crianças somalis no campo Dadaab no Quênia. Foto de Tony Karumba/AFP, 2011.

Por Kátia Kishi

Contexto atual

A Europa passa por uma crise migratória de pessoas que fogem de seus países nativos, principalmente, por causa das guerras, pobreza, repressões política e religiosa. Porém, nessa busca por melhores condições de vida no continente europeu, os refugiados investem alto em traficantes de pessoas e enfrentam uma arriscada travessia pelo Mediterrâneo que, só neste ano, já contabiliza com 2.700 mortos, segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Entre os principais países de origem dos refugiados, um grande número saí da Síria, que após os protestos da Primavera Árabe contra o ditador Bashar Al-Assad, que está no comando desde 2000 (ano de falecimento de seu pai que governou o país por 30 anos), vive uma guerra civil entre o exército e grupos sectários como o Estado Islâmico.  A guerra resultou em 240 mil mortes desde o início do conflito e, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 7 milhões de pessoas abandonaram suas residências dentro do país e 60% da população vive na faixa da pobreza, o que levou 4 milhões de sírios emigrarem do país.

Outros grandes grupos são de afegãos e eritreus que tentam escapar da pobreza, violação dos direitos humanos e repressão política, seguidos por outros grupos originários da Nigéria, Paquistão, Líbia, entre outros.

Os principais destinos almejados pelos refugiados são a Alemanha, que recebeu metade dos pedidos de asilo (73 mil) no primeiro trimestre de 2015, Reino Unido e Suécia. O problema inicial dos asilos é que de acordo com a Convenção de Dublin que lida com pedidos de asilo na União Europeia, a responsabilidade de examinar uma solicitação é do primeiro país do bloco que a pessoa pisou, o que mobilizou a construção de uma barreira de 175 km pela Hungria para evitar a imigração síria na fronteira e uma complicada situação para a Grécia, que passa por uma grave crise econômica. Nesse ponto, a Finlândia parou de enviar os refugiados de volta para a Grécia e a Alemanha analisa os pedidos desconsiderando a regra.

Este mês a União Europeia anunciou o projeto de distribuição de 120 mil refugiados entre os países membros, mas, por enquanto, possíveis cotas obrigatórias para cada país estão em discussão.

Nesse processo migratório, o Brasil também está presente na recepção de refugiados, tendo recebido até agosto de 2015 2.077 sírios e, desde 2010, 60 mil cidadãos haitianos, afirma a presidente Dilma Rousseff em artigo ao El País.

Direitos Humanos e Refúgio

Para trazer mais reflexões sobre os direitos humanos dos refugiados nos países de acolhida, resgata-se “uma análise sobre o momento pós-determinação do status de refugiado” publicada pela Revista Brasileira de Política Internacional (vol.56, n.1) em 2013. Nesse estudo, as autoras Thais Menezes e Rossana Reis destacam que a literatura da política internacional discute o refúgio no momento “anterior” à determinação da condição de refugiado e que os trabalhos que mencionam a vida dos refugiados em seus países de acolhida, costumam se limitar aos desrespeito dos direitos humanos como reforço da ideia de que esses indivíduos vão para países pobres, mas sem profundidade na análise.

Com a intenção de trazer uma abordagem descritiva dos direitos humanos e o refúgio após a determinação do status de refugiado, as autoras desenvolvem uma análise sobre o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), utilizando como base os Anuários estatísticos – balanço geral sobre a situação dos refugiados no mundo – e os Apelos Globais – visam angariar recursos para ACNUR em cada país de acordo com as necessidades de proteção – de 2002 a 2011. O foco do artigo foi o Quênia, Irã e Alemanha, alguns dos países que mais receberam refugiados em 2011 e que aderiram à Convenção Relativa ao Estatuto de Refugiado, de 1951, podendo-se basear em parâmetros oficialmente reconhecidos.

No estudo, as autoras concluíram que “moralmente falando, as demandas humanitárias do oferecimento de proteção internacional ao refugiado devem superar quaisquer preocupações, mas a realidade mostra que é impossível separar o ético do político no mundo moderno de relações interestatais. Assim, a falha em responder adequadamente aos fluxos de refugiados deve-se, em larga medida, à natureza política e internacional do problema, sendo essa refletida em todos os aspectos que envolvem a temática.”.

Isso porque nos países de acolhida, os refugiados sofrem com violação dos direitos humanos e até “perseguição” da população local que ameaçam a vida e liberdade daqueles por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou pertencimento à um grupo político. Mesmo sendo países que oficialmente estão comprometidos em restabelecer a dignidade dos refugiados.

Na pesquisa, também se procurou pelas referências “direitos humanos” e “direitos” nos Apelos Globais, detectando-se que a ACNUR pouco alude esses conceitos e quando menciona “direitos”, não deixa claro se são os do país de acolhida ou os direitos internacionalmente declarados. E quando se menciona “direitos humanos”, é para tratar suas violações nos momentos anteriores ao status de refugiado ou de abuso dos países de acolhida.

No caso do Irã, os principais problemas são de acesso à educação e saúde, além da imposição de taxas municipais e restrição de áreas que os refugiados podem trabalhar e morar. Já a situação no Quênia foi analisada como mais grave, pois não são respeitadas as condições mínimas de vida previstas, tendo uma política de restrição de liberdade, ou seja, os refugiados vivem acampados em locais com clima quente, seco e com limitados recursos naturais, não podendo cultivar na terra ou buscar emprego fora dessas regiões. Assim, o artigo destacou no período analisado uma taxa de 12% de má-nutrição aguda nos campos, que apenas 17% dos refugiados viviam em habitações adequadas e que 75% não tinha documentação. Os problemas detectados na Alemanha foram a preocupação em manter a qualidade do refúgio com algumas instalações sub-padronizadas e a xenofobia, racismo e intolerância no país, que impedem a integração dos refugiados.

A análise destaca que “se, ao tratar da proteção de uma forma geral, a Agência enfoca fortemente a questão dos direitos humanos, seria coerente tratar dessa mesma questão nos países de acolhida – afinal, essa proteção abstrata para a qual se advoga uma perspectiva de direitos humanos somente se concretiza no mundo real dos países de acolhida. Todavia, não é essa a situação observada nas publicações abarcadas por este trabalho, o que leva a um novo questionamento: por que há essa distinção em relação à forma como essa organização se expressa em relação à mencionada vinculação?”.

Como explicação, as autoras acreditam que o motivo seja a política internacional, em que a ACNUR tenha que equilibrar a proteção do refugiado com os interesses dos países de acolhida.

Leia o artigo completo:

Artigo: Direitos humanos e refúgio: uma análise sobre o momento pós-determinação do status de refugiado
Autor: Thais Silva Menezes (thaissilvamenezes@hotmail.com) e Rossana Rocha Reis (rossanarr@uol.com.br)
Revista: Revista Brasileira de Política Internacional (vol.56, n.1)

Campo de refugiados - Quênia. Foto de Oli Scarff/ Getty Images
Campo de refugiados – Quênia. Foto de Oli Scarff/ Getty Images
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