Por Germana Barata
Em março, o Instituto de Câncer de São Paulo interrompeu os testes clínicos com a substância sintética fosfoetanolamina (fosfo) – conhecida como a “cura do câncer” – por falta de efeitos terapêuticos em pacientes de câncer. Antes de chegar a essa conclusão, no entanto, a questão criou um acalorado debate nas redes sociais e na mídia sobre o direito dos pacientes de câncer terem acesso a uma substância que prometia curar o que a própria medicina tradicional, em vários casos, ainda não conseguiu. Mas o que os médicos oncologistas pensam sobre o uso da fosfo?
Artigo publicado na Revista da Associação Médica Brasileira (v.63, n.1, 2017) descreve o resultado de um questionário submetido a 1.072 oncologistas, membros da Associação Médica Brasileira (AMB), para saber sua opinião e experiência com pacientes que utilizavam a fosfo.
Entre os cerca de 400 médicos participantes, 28,9% disseram ter acompanhado pacientes que usaram a substância. Dentre eles, 12,2% disseram ter observado efeitos adversos, enquanto 3,5% atribuíram a melhora do quadro clínico à substância. A maioria (83,2%) afirmou que a fosfo só deveria ser usada como parte de um protocolo de testes clínicos e 78.1% dos médicos não recomendaram a substância a seus pacientes. No entanto, cerca de 10,6% dos oncologistas participantes da pesquisa disseram aceitar a fosfoetanolamina como tratamento complementar a um tratamento aprovado e 3,8% afirmaram aceitar o uso da substância dependendo das circunstâncias.
Sobre a necessidade de conduzir testes clínicos para testar a eficácia da fosfo, 83,2% dos médicos defenderam o uso apenas depois da comprovação da eficácia, mas 6,5% afirmaram que a substância poderia ser considerada mesmo sem testes clínicos.
“Mostramos neste estudo que quase todos os oncologistas no Brasil tiveram pacientes que afirmaram ter interesse na fosfoetanolamina e menos de um terço dos médicos do país trataram indivíduos que usaram a substância”, descreveram Juliana Florinda Rêgo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e co-autores do artigo. Os médicos que tiveram mais contato com pacientes que usaram a fosfo eram da região Sudeste e Sul, mais próximas de São Carlos (SP), local produtor e distribuidor da substância ou que tiveram inúmeros pedidos judiciais aprovados para ter acesso à fosfo.
Os autores lembram que cerca de 40 a 90% dos pacientes de câncer de mama e ginecológico, respectivamente, já reportaram fazer uso de tratamentos alternativos simultanea ou posteriormente ao tratamento tradicional.
“A distribuição sem controle e o uso da fosfoetanolamina sem evidências apropriadas sobre seus benefícios e segurança constituem um risco à saúde pública no Brasil”, alertaram os autores.
Desdobramentos
O caso da fosfoetanolamina ganhou notoriedade por ter cientistas e médicos de uma instituição de prestígio, a Universidade de São Paulo (USP), envolvidos na produção e distribuição. Apesar da questão estar encerrada do ponto de vista de testes clínicos, que não mostraram atividade no combate ao câncer, a substância está sendo comercializada como suplemento alimentar por dois ex-colaboradores do químico Gilberto Chierice, professor aposentado da USP que liderou a produção e distribuição. As vendas online por meio de uma empresa norte-americana deverão encontrar consumidores ávidos por uma esperança ao tratamento do câncer.
Em fevereiro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou nota esclarecendo que é proibida qualquer comercialização de suplemento alimentar que contenha indicação para tratamento a doenças. A Agência conseguiu que páginas do Facebook da marca New Life e Quality Medical Line, que divulgavam a venda da fosfo com propriedades terapêuticas, saíssem do ar. A Anvisa concluiu a nota afirmando: “Se há interesse na comercialização da fosfoetanolamina no Brasil, o caminho correto é que seus produtores apresentem o pedido de registro, com os devidos testes de qualidade, segurança e eficácia realizados, para ser analisado”.
Leia o artigo completo em:
Rego, J.F.M., et al. A “miracle” cancer drug in the era of social media: A survey of Brazilian oncologists’ opinions and experience with phosphoethanolamine. Rev. Assic. Med. Bras., v.63, n.1, 2017.
Entre em contato com a autora principal do estudo, Juliana Rêgo: juliana.oncologia@gmail.com
Leia também:
O previsível fiasco do ensaio da fosfoetanolamina, a improvável “pílula do câncer”. Artigo de Francisco Paumgartten para a revista ComCiência de abril de 2017.
Particularmente, acho que a indústria farmacêutica é tão poderosa que deve ter dado muito dinheiro para que médicos e hospitais digam que a fosfotoetanolamina não funciona. A indústria não deixaria passar essa formula em que a pílula custa somente R$ 0,10 e cura sem os efeitos danosos da quimioterapia. A indústria farmaceutica teria um prejuízo violento. Não dá para crer que os cientistas de São Carlos que não tem qualquer interesse comercial, tenham errado. O que impera é o poder econômico mesmo e, por conta disso, continuamos morrendo de câncer...
Cara Thaiz, entendendo que tenhamos que ser otimistas em relação a alternativas que possam aparecer para melhorar a qualidade do tratamento de pacientes de câncer. No entanto, neste caso, houve irresponsabilidade da equipe da USP em promover uma susbstância sem que sua eficácia tivesse sido testada. Não podemos acreditar tampouco em substâncias milagrosas sem comprovação científica. Por ora, a única e melhor forma de verificar os benefícios de uma susbtância é através de testes que podem verificar sua toxicidade (foi comprovado que não é tóxica) e eficácia. Infelizmente os testes iniciais não comprovaram qualquer eficácia da fosfo no combate ao câncer. Nesta mesma linha nos vemos consumindo inúmeros produtos que prometem grandes benefícios, mas no final só têm um efeito psicológico. É verdade que a indústria farmacêutica não investe em susbtâncias que não lhe tragam lucro. Mas não podemos assumir que todos os cientistas trabalhem nesta linha. No caso da Fosfoetanolamina comprovou-se que não tinha eficácia ainda nos testes iniciais. Abraço cordial.