Novos apartamentos: do sonho à realidade cotidiana

Quem nunca folheou um panfleto com o sonho do apartamento próprio, com espaços  gourmet, áreas de lazer, conceitos de sustentabilidade, espaços verdes e qualidade de vida? A promessa, no entanto, está distante do cotidiano daqueles que fecham o negócio e mudam para essas habitações verticais.

Artigo publicado na última edição da revista Ambiente Construído analisou as mudanças nos projetos habitacionais de 169 edifícios de classe média em dois municípios de médio porte no Brasil: Ribeirão Preto (SP) e Uberlândia (MG). Simone Barbosa Villa e co-autores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) analisaram a qualidade habitacional e ambiental pós-ocupação, além do uso, na prática, do conceito de sustentabilidade.  

Brinquedoca de um dos edifícios analisados. Do marketing para o espaço real. Crédito: Villa et al, 2018

Os autores constataram que as construtoras aumentam o investimento em marketing e propaganda, com projetos que variam, sobretudo, na estética e no chamado marketing verde. No entanto, a maioria dos edifícios não adota medidas de economia de energia e sustentabilidade (resíduos e reciclagem e tratamento de água, por exemplo) investem pouco em espaços de uso comum e áreas verdes. Os moradores entrevistados pelos pesquisadores também relataram pouco isolamento acústico (resultado de uso de materiais de baixa qualidade) e sobreposição ou mudança no uso planejado para vários espaços na moradia (passar roupa fora da área de serviço ou estudar/trabalhar fora do escritório, por exemplo), revelando inadequação dos projetos.

“Esse cenário é também consequência da tentativa de se reduzir os gastos relacionados à construção, visando à obtenção de maiores lucros por parte das incorporadoras e construtoras – as quais, desde o princípio (…) perceberam o potencial lucrativo das habitações verticalizadas”, explicam os autores da universidade mineira.

Os primeiros apartamentos surgiram no Brasil no  século XX com a onda da modernização, mas atualmente os projetos parecem ter parado no tempo, pelo menos nas categorias mais populares. Desde a década de 1990, lembram os autores, os apartamentos passaram a ser uma alternativa de moradia popular, por serem uma alternativa mais barata e permitirem um grande número de moradias por espaço. O programa “Minha casa minha vida” a partir de 2009, segundo Villa e colegas, facilitou o acesso ao crédito para compra e aqueceu o mercado imobiliário no país. No entanto, os projetos a partir dos anos 2000, voltados para a classe média, apresentam redução de até 50% em espaços que existiam na década de 1950, e a concepção geral dos projetos ainda se mantém igual.

“O edifício de apartamentos, em geral, tem sido altamente tipificado, em descompasso com as necessidades dos diferentes formatos familiares da atual sociedade brasileira, cujos modos de vida passam por constantes alterações”, observam os autores da UFU, que verificaram usos de projetos padronizados nos dois municípios. A análise, esperam os autores, poderá contribuir para a melhoria de projetos habitacionais. Os resultados talvez não provoquem mudanças nas grandes construtores,  mas ao menos poderá contribuir para moradores mais atentos e exigentes para viver o que foi prometido.

Leia o artigo completo:

Villa, Simone Barbosa; Saramago, Rita de Cássia Pereira; Cardoso, Camila Cristina Marçal & Paulino, Maria Julia de Almeida. Habitar vertical: avaliação da qualidade espacial e ambiental de edifícios de apartamentos. Ambient. constr. vol.18 no.1 Porto Alegre jan./mar. 2018.http://dx.doi.org/10.1590/s1678-86212018000100236

Fale com os autores:

Simone Barbosa Villa, Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Email: simonevilla@yahoo.com

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