As Vantagens Cognitivas de um Programa de Imersão em Língua Estrangeira

ResearchBlogging.orgUma das minhas principais linhas de pesquisa é aquisição da linguagem. É por isso que uma das coisas que mais gosto de fazer é observar a maneira como crianças aprendem a falar. É ainda mais fascinante para mim — e super intrigante — a rapidez com que crianças pequenas se tornam proficientes em uma língua estrangeira. Com praticamente um ano — ou até menos — de “contato” com uma língua estrangeira, os pequenos já se comunicam na língua estrangeira (e obviamente na materna) com uma facilidade e proficiência que assustam.

É grande, em psicolingüística, o número de pesquisas sobre os processos que ocorrem na cabeça de um falante bilíngue. Essas pesquisas têm cada vez mais mostrado evidência de que esses falantes ativam as duas línguas (L1 – língua materna e L2 – língua estrangeira) simultaneamente durante a leitura, escuta e, surpreendentemente, durante a fala. Basicamente o que essas pesquisas mostram é que não existe uma estratégia cognitiva automática que “desliga” uma língua enquanto a outra está sendo usada. É por isso que falantes bilíngues, na verdade, enfrentam um “desafio” cognitivo quando usam uma das línguas que sabe. De certa maneira, é esse desafio cognitivo enfrentado pelo falante bilíngue que faz com que falantes bilíngues tenham certas vantagens cognitivas (em termos de funções executivas) quando comparados com falantes monolíngues. Em outras palavras, falar mais de uma língua faz bem traz vantagens cognitivas a longo prazo.
Ao mesmo tempo que observamos crianças aprendendo uma língua estrangeira numa facilidade e rapidez assustadora, notamos que falantes adultos apresentam uma dificuldade muito grande em se tornarem proficientes em uma língua estrangeira. Muita gente acredita no que chamamos de “período crítico”, ou seja, se não aprender uma língua estrangeira até uma certa idade, as chances de se tornar proficiente nessa língua são poucas, quando nenhuma. É como se existisse uma “ampulheta biológica” para aprender uma língua estrangeira. Uma vez que a areia caiu toda, seu prazo venceu.
No entanto, o que pode criar essa dificuldade na aquisição de uma língua estrangeira para o adulto, pode não ser um portal biológico que se fecha depois de certo tempo, e sim uma competição cognitiva entre as duas línguas. Em outras palavras, é mais difícil para um adulto “desligar” a ativação da sua L1, dificultando assim o uso da L2.
Muitas pessoas têm a crença de que para que um adulto se torne proficiente em uma língua estrangeira é necessário que esse adulto esteja imerso em um ambiente onde a língua estrangeira em questão é falada o tempo todo. Em outras palavras, um brasileiro adulto se torna mais proficiente em inglês se morar nos Estados Unidos ou na Inglaterra, por exemplo. Por que será que isso ocorre? Uma hipótese seria que um ambiente de imersão facilita a inibição (desligamento) da L1, consequentemente, a ajuda no desenvolvimento da L2.
Jared Linck, Judith Kroll — do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado da Pensilvânia — e Gretchen Sunderman — do Departamento de Línguas Modernas da Universidade do Estado da Flórida nos Estados Unidos — fizeram um estudo (publicado na Psychological Science) para testar essa hipótese. Basicamente eles testaram dois grupos de aprendizes de espanhol (falantes nativos de inglês): um grupo que estudou espanhol durante seis meses na Espanha e um grupo que estudou espanhol durante seis meses em uma universidade dos Estados Unidos. Cada grupo participou de uma tarefa de compreensão conhecida como translation recognition task e de uma tarefa de produção (verbal fluency task). Além disso, os participants fizeram tarefas de memória (reading-span) e de controle inibitório (Simon effect task).
A tarefa de compreensão consiste na apresentação de uma série de pares de palavras — uma na língua estrangeira e sua tradução na língua materna (i.e., cara-face). Ao ver o par, o participante deve indicar se a tradução está correta ou não. No entanto, durante a tarefa são introduzidos alguns pares que:
(1) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é parecida com a palavra na língua materna (i.e., cara-card)
(2) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é semanticamente relacionada com a palavra na língua materna (i.e., cara-head)
(3) apresentam uma tradução incorreta, porém a tradução é fonologicamente semelhante a tradução correta na língua estrangeira (i.e., cara-fact)
Pesquisas mostram que falantes proficiente em uma língua estrangeira são menos sensíveis a distratores do tipo (3). Isso ocorre pois falantes proficientes devem ser mais capazes de “inibir” a língua materna.
A tarefa de produção verbal consiste na produção de o máximo de palavras possíveis de uma dada categoria. Por exemplo, em 30 segundos, os participantes tinham que falar o maior número possível de animais. Pesquisas mostram que falantes bilíngues produzem menos palavras por categoria, tanto na língua materna quanto na língua estrangeira.
A tarefa de memória (reading-span) é clássica e consiste em mostrar os participantes uma série de frases e palavras para serem lembradas. O número de palavras lembradas corresponde ao “tamanho” da memória de curto-prazo. A tarefa de controle inibitório é parecida com o famoso Stroop test, onde você vê a palavra VERDE escrita de vermelho e precisa dizer o nome da cor da letra e não o que está escrito. Em outras palavras, você precisa inibir um processo para engajar em outro.
Os resultados do estudo mostraram que em todas as tarefas linguísticas, o acesso a L1 foi menor para o grupo que participou da imersão. Esse padrão continuou mesmo após o controle de outras variáveis, tais como proficiência e experiência linguística com a língua estrangeira anterior ao programa de imersão (vale a pena dar uma olhada no estudo original e na técnica estatística utilizada pelos autores — Multilevel Modeling). Muita gente pode pensar que esse resultado ocorreu não por que houve inibição da língua materna e sim por que houve uma maior exposição à língua estrangeira (um efeito de frequência, quase). Para controlar isso, os autores testaram uma amostra dos participantes que fizeram o programa de imersão seis meses depois que retornam aos Estados Unidos. O padrão dos resultados foi praticamente o mesmo. Se somente o contato com a língua estrangeira fosse responsável pelo padrão de resultado, esperaria-se que ao retornarem aos Estados Unidos a inibição da língua materna seria novamente dificultada.
Outros controles interessantes e outras análises foram feitas no estudo. Vale a pena dar uma olhada. Basicamente o estudo mostra que, a vantagem que um programa de imersão tem para a aquisição de uma língua estrangeira não está na simples exposição à essa língua, e sim no impacto que essa exposição tem no controle inibitório da sua língua materna. Mais uma vez, não há dúvidas de que a exposição à uma língua estrangeira traz vantagens cognitivas que nenhuma outra tarefa pode trazer.
A mensagem que fica é: quando não estiver lendo o ***Cognando*** vá estudar uma língua estrangeira! 🙂

Linck JA, Kroll JF, & Sunderman G (2009). Losing Access to the Native Language While Immersed in a Second Language: Evidence for the Role of Inhibition in Second-Language Learning. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS PMID: 19906121

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Infidelidade Sexual e Emocional Através da Internet.

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Devido ao interesse das pessoas na minha última postagem (e obviamente meu interesse no assunto), resolvi postar novamente sobre relacionamentos, ciúmes e o papel da internet nessa mistura. Algumas pessoas me escreveram com perguntas sobre o que realmente é esse sentimento chamado “ciúme” e por que a gente sente isso. Em psicologia, existem várias definições distintas para o que é e pra que serve o sentimento de ciúme. Popularmente, é muito comum que as pessoas digam que “um pouco de ciúme no relacionamento é bom uma vez que isso mostra que gostamos do nosso parceiro”.

Para psicologia evolucionista, no entanto, o motivo e a função do sentimento de ciúme é outro. Para eles, ciúme é uma reação negativa que um dos membros de um relacionamento tem em relação ao envolvimento sexual e emocional do parceiro com outra pessoa. Vale a pena mencionar que esse envolvimento pode ser real ou mesmo imaginário. Mas pra que serve esse sentimento? Basicamente, ciúme é um mecanismo que se desenvolveu através da evolução do ser humano para proteger os casais de possíveis rivais. Em outras palavras, a possibilidade de seu parceiro estar envolvido, tanto emocional quanto sexualmente com outra pessoa, traz um “risco” para o bem-estar do casal. O sentimento de ciúme é um mecanismo que protege o casal e evita que esse “risco” se torne uma realidade e, consequentemente, acabe com o relacionamento amoroso do casal.
O que é interessante notar é que homens e mulheres demonstram tipos diferentes de ciúmes. Vários estudos mostram que homens são mais sensíveis (e sentem mais ciúmes) do envolvimento sexual da parceira com outra pessoa. Em outras palavras, homens se preocupam com a ameaça da parceira se envolver em relações sexuais com outros homens. Já a mulher
é mais sensível ao envolvimento emocional do parceiro com outras mulheres. Assim, mulheres sentem mais ciúmes quando o parceiro dedica mais tempo e energia a uma outra mulher (gasta mais dinheiro, ajuda no trabalho, ou mesmo quando carrega uma bolsa ou ajuda com uma mudança, por exemplo). Segundo os psicólogos evolucionistas, essa diferença é causada pelas diferentes pressões sociais que homens e mulheres sofrem.
O que vem me chamando atenção recentemente, no entanto, é como a internet cada vez mais influencia (para o bem e para o mal) o bem-estar de casais. Na postagem anterior, eu falei um pouco sobre o papel de sites de relacionamento tais como Orkut e Facebook na incidência de casos de ciúme. Na presente postagem, vou falar de uma pesquisa, desenvolvida na Holanda, que mostra como homens e mulheres vêem a “traição online”. A pergunta básica foi: será que as mesmas pressões sociais envolvidas na ameaça de traição offline estão envolvidas na traição online?
Antes de falar da pesquisa em si, os autores (Hinke Groothof, Pieternel Dijkstra e Dick Barelds) abordam um assunto que parece muito interessante, e que eu vejo MUITOS casais conversando sobre isso. Se o seu namorado ou namorada se envolve em conversas online de caráter sexual, isso conta como traição? Outra coisa: se o seu parceiro ou parceira se masturba durante uma conversa online de caráter sexual, isso conta como traição? E se ele se envolve apenas emocionalmente com alguém online? Seria isso traição?
Várias pesquisas mostram que quase 85% dos casais acham que esses tipos de atividades virtuais SÃO traições, mesmo que não envolvam nenhum tipo de contato físico. Interessante notar que, para mulheres, apenas uma conversa mais íntima ou emocional (sem conotações sexuais necessariamente) já são consideradas atos de traição. O estudo de Hinke Groothof e colaboradores investigou se os mesmo padrão de ciúme encontrados em relacionamentos offline também ocorrem no ambiente online.
Basicamente, os participantes da pesquisa leram uma série de dilemas envolvendo traição sexual (uma pessoa se masturbando pela webcam) e traição emocional (uma pessoa emocionalmente se relacionando com outra pessoa pela internet). Os resultados mostraram que, assim como em outras pesquisas, 86% dos homens sentiram mais ciúmes da traição sexual do que da traição emocional. No entanto, foi interessante notar que as mulheres sentiram mais ciúmes da traição sexual, quando essas envolviam o parceiro dizendo que estaria disposto a tentar “posições sexuais diferentes” com a parceira virtual. De uma maneira geral, os padrões de ciúmes para traição virtual parece ser o mesmo que o padrão de ciúmes para traição offline.
Basicamente, o estudo sugere que o mecanismo psicológico envolvido na emergência do sentimento de ciúme para traições online é o mesmo envolvido na emergência de ciúmes em traições offline. Uma possibilidade que pode explicar isso é que, talvez, o nosso cérebro registra atos físicos (reais) e virtuais de maneira semelhante. Uma outra possibilidade que pode explicar esse padrão é o fato que de, na verdade, os participantes vêem as traições virtuais como o começo e a possibilidade de uma traição “real”ou offline. Existem muitos casos de casais que começaram o relacionamento de maneira virtual. Pode ser que, na verdade, as pessoas vêem a traição online como o começo de uma traição offline.
Mais uma vez, o que um estudo como esse deixa de lição pra gente é que devemos saber e entender o impactos que as novas mídias, tais como internet, sites de relacionamento, etc. têm no bem-estar do nosso relacionamento. É importante saber de onde vêm os sentimentos de ciúmes e, de alguma forma, tentar amenizá-los de forma que o sentimento não cresça o suficiente para fazer com que a vida amorosa do casal vire um inferno! 🙂

Groothof, H., Dijkstra, P., & Barelds, D. (2009). Sex differences in jealousy: The case of Internet infidelity Journal of Social and Personal Relationships, 26 (8), 1119-1129 DOI: 10.1177/0265407509348003

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Orkut, Facebook e os Problemas no Relacionamento

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Muito tempo sem postar nada! Na verdade, essa é a minha primeira postagem de 2010. Assim sendo: Feliz Ano Novo!!! Muita paz e amor pra todo mundo!!!

E por falar em amor, eu decidi postar sobre um assunto que parece ser bem interessante e, de certa forma, bem contemporâneo. Todos nós conhecemos casos de ciúme em relacionamentos: sabemos de casos de um ex-namorado que assombra a paz de um casal, ou é um amigo ou amiga que, devido ao excesso de intimidade ou por causa de uma amizade “muito próxima”, tem problemas em estabelecer limites claros entre o que é aceitável em uma amizade e o que não é.
Episódios de ciúme em relacionamentos amorosos certamente são, a longo-prazo, altamente prejudiciais para a harmonia do casal. Esses episódios aumentam a desconfiança entre casal, aumenta a probabilidade de haver mentiras e segredos entre os casais e, consequentemente, aumenta a possibilidade de infidelidade.
Atualmente, uma fonte muito comum de atritos em relacionamentos amorosos (principalmente atritos relacionados com ciúmes e insegurança de infidelidade) são os conhecidos sites de relacionamento, tais como Orkut e Facebook. O principal objetivo desses sites de relacionamento é manter uma rede de “amigos”, onde a comunicação é facilitada e, principalmente, a distância entre as pessoas é reduzida. No entanto, o surgimento desses tipo de relacionamentos de amizade trouxe também mudanças importantes em termos de como as pessoas se relacionam com os membros do seu círculo de amizade. Talvez a mudança mais crucial está em como essas relações de amizade são expostas e compartilhadas com outras pessoas, incluindo parceiros amorosos. Basicamente, o que antigamente fazia parte da vida particular de uma pessoa (a forma como seu amigo de trabalho o cumprimenta pela manhã, ou a forma com se deseja um “Feliz Aniversário”) passa, através dessas redes de relacionamento, a fazer parte do espaço público.
Consequentemente, não é surpreendente que sites tais como Orkut e Facebook são constantemente referidos como as principais causas de brigas e desavenças amorosas. Na maioria das vezes causada por ciúmes de uma das partes. Aualmente, Orkut indiretamente causa mais desavenças em relacionamento do que ex-parceiros amorosos, ou amigos muito próximos.
Existem vários estudos em psicologia que tentam entender as bases e causas desse sentimento conhecido como “ciume”. Vários estudos mostram que sentimentos de ciúme variam a depender:
(a) do nível de confiança entre os parceiros, ou seja, quanto menor a confiança, maior o número de episódios de ciúmes.
(b) da crença na falta de envolvimento de um dos parceiros no relacionamento. Em outras palavras, se há uma crença de que um dos parceiros não está 100% envolvido e compromentido com o relacionamento, geralmente o número de episódios de ciúme são maiores
(c) do nível de auto-estima. Pessoas com baixa auto-estima tendem a sentir mais ciúmes dos parceiros
Um estudo interessante feito na Universidade de Guelph no Canadá (conduzido por Amy Muise e colaboradores) explorou o papel de sites de relacionamento, tais como Facebook e Orkut, no aumento do sentimento de ciúmes e, consequentemente, desavenças entre casais. Esses pesquisadores desenvolveram uma medida da “quantidade de ciúme” que esses sites provocam e também mediram o nível de confiança, auto-estima e tendência a sentir ciúmes.
Os dados descritivos são bem interessantes. Em média, as pessoas gastam de 30 a 40 minutos nessas redes sociais. Quase 80% das pessoas adicionam namorados e parceiros antigos à sua rede de amigos. Geralmente mulheres gastam mais tempo navegando por esses sites do que homens. Essa diferença foi estatisticamente significativa. Também interessante notar que as mulheres tendem a sentir mais ciúmes do que os homens ao navegar no Facebook ou Orkut.
Uma análise de Regressão Múltipla revelou resultados interessantes. Primeiramente, quanto mais tempo uma pessoa gasta navegando por esses sites de relacionamento, mais ciúme a pessoa tende a sentir do parceiro(a) amoroso(a). Apesar de fatores de personalidade também contribuirem para o sentimento de ciúme, esses fatores contribuíram, juntos, apenas 2%.
Por que será que quanto maior o tempo de navegação nesses sites, maior a tendência de sentir ciúmes? Uma das possibilidades discutidas pelos autores é o fato de que um maior tempo de exposição aos sites aumenta a quantidade de informação que você pode ter acesso com relação so seu parceiro ou parceira. Ou seja, quanto mais informação sobre quem são os amigos(as) e o que eles dizem e fazem, maior a probabilidade dessas informações causarem sentimentos de ciúmes.
Um outro fato interessante apontado pelos pesquisadores é isso pode ser um círculo vicioso, ou seja, quanto mais tempo navegando pelo site Orkut ou Facebook, mais informação você obtém sobre o seu parceiro(a) e quanto mais informação você tem, maior a tendência de navegar por mais tempo. Em outras palavras, o sentimento de ciúme para estar preso a esse círculo em que o tempo aumenta a quantidade de informação e esse por sua vez aumenta o tempo de navegação.
Em suma, o estudo é bem interessante e a mensagem que ele deixa é a seguinte: se você é do tipo de pessoa que tem uma tendência a sentir ciúmes do seu parceiro(a) e quer o bem estar do relacionamento, diminua o tempo de exposição/navegação nos sites de socialização. Passe menos tempo monitorando seu namorado(a) no Orkut ou Facebook, uma vez que esses sites contém informações sobre eles que não são necessariamente as informações que você gostaria de saber e ter.
Aproveite o tempo que passaria navegando no Orkut ou Facebook para tomar um chá, ou então ler o blog ***Cognando*** 🙂

Muise A, Christofides E, & Desmarais S (2009). More information than you ever wanted: does Facebook bring out the green-eyed monster of jealousy? Cyberpsychology & behavior : the impact of the Internet, multimedia and virtual reality on behavior and society, 12 (4), 441-4 PMID: 19366318

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Intervalo de Estudo e Retomada de Atenção

ResearchBlogging.orgÉ interessante notar como o comportamento humano se repete a cada ano: todo final de semestre letivo, por exemplo, é a mesma história: professores cheios de provas e trabalhos para corrigir e estudantes cheios de trabalhos para fazer e provas para estudar.

Para estudantes, particularmente, o final de um semestre letivo é um período crítico. A quantidade de horas que ele dedica aos estudos aumenta de forma considerável. Ao mesmo tempo, obviamente, aumenta o cansaço mental. Muitos alunos reclamam que depois de uma certa quantidade de horas estudando sem parar, o foco começa a ficar difuso, a capacidade de concentração diminui e o processamento da informação necessária para a prova é comprometido.

Uma vez que manter a atenção em determinado assunto ou tópico é uma atividade voluntária e demanda o uso de mecanismos inibitórios diversos (para evitar distrações), a manutenção de atenção por períodos prolongados de tempo causa “cansaço”. Em psicologia, esse fenômeno é conhecido como fatiga atencional, ou mais popularmente conhecido como “cansaço mental”. Como é um fenômeno já bem conhecido, pesquisadores têm cada vez mais procurado por maneiras efetivas de conseguir uma “retomada da atenção”. Em outras palavras, uma vez que se chega a esse estágio em que a capacidade de manter a atenção está comprometida, é preciso que tenhamos mecanismos que façam com que essa capacidade seja retomada de maneira efetiva e produtiva.

Fazer um intervalo é certamente uma alternativa. No entanto, Stephen Kaplan, um dos primeiros estudiosos a definir a Teoria da Restauração da Atenção (Attention Restoration Theory) diz que, para ser efetivo, esse intervalo deve apresentar algumas características: (1) deve distanciar a pessoa do assunto/tópico que causou o cansaço mental. Esse distanciamento pode ser físico ou mental, (2) deve promover o uso da nossa atenção involuntária, ou seja, aquela que não requer ativação de mecanismos inibitórios — quando estamos admirando alguma coisa, por exemplo e (3) qualquer que seja a atividade (ou falta dela) nesse intervalo, ela deve ser compatível com o que a pessoa procura, de maneira que o intervalo não crie outras demandas mentais. Pesquisadores na área de Psicologia Ambiental (sim, isso é uma área da Psicologia) têm mostrado que ambientes naturais, em oposição a ambientes com construções e prédios, apresentam as características colocadas por Kaplan e, por isso, são mais eficientes no processo de restauração da atenção.

Gary Felsten, do Departamento de Psicologia da Indiana University, fez um estudo bem bacana para investigar essa possibilidade. O estudo foi publicado esse mês no Journal of Environmental Psychology. Ele pediu para os participantes da pesquisa (alunos de uma universidade “rural” e alunos de uma universidade “urbana”) que imaginassem que estavam estudando para uma prova. Eles deveriam imaginar que já estavam estudando por algumas horas e que, mesmo ainda não tendo acabado os estudos, eles precisam de um intervalo. Após esse procedimento, os participantes viam uma série de lugares e respondiam a algumas perguntas, envolvendo os aspectos mencionados por Kaplan. Eles respondiam sobre o potencial do local para a restauração da atenção. Uma das perguntas que eles responderam, por exemplo, foi: “Alguns lugares nos permite sentir como se estivéssemos longe de nossos problemas do dia-a-dia. Você acha que esse lugar te faria sentir assim?”

Felsten controlou o “tipo” de lugar que os participantes viam. Todos eram locais internos. Algumas figuras mostravam locais sem janela. No entanto, desses locais, alguns tinnham as paredes com ambientes naturais (árvore, caichoeira, montanhas) pintados. As outras figuras mostravam locias com janelas. Essas figuras variavam no que tange a vista da janela: ambiente natural, ambiente urbano e uma mistura dos dois.

Os resultados mostraram que os participantes perceberam os locais que apresentavam alguma forma de natureza (janela ou pintura) como mais apropriados para um intervalo de estudo. Alguns efeitos interessantes foram observados com relação aos participantes da universidade “rural” vs. os da universidade “urbana”: os participantes da universidade urbana apresentaram uma maior preferência para os locais que apresentavam janela com uma vista mista (prédios e área verde). Todas as diferenças encontradas foram estatisticamente confiáveis.

Sempre que vou a alguma conferência, eu noto que a quantidade de área verde nos campi universitários, nacionais e internacionais, é bem grande. Seria interessante verificar empiricamente como as pessoas não so percebem o local de intervalo de estudo, mas se, efetivamente, esses locais proporcionam uma restauração de atenção eferiva. Seria divertido também verificar se há alguma correlação expressiva entre a quantidade de área verde nas universidades e o desempenho geral dos alunos. Mais ineterssante ainda, seria verificar se há uma relação entre as faculdades e institutos que se localizam fisicamente mais perto das áreas verdes, o desempenho dos seus alunos e o número de “grants” que seus professores recebem (ok ok, esse último é só por diversão mesmo!!!)

Referência:

Felsten, G. (2009). Where to take a study break on the college campus: An attention restoration theory perspective Journal of Environmental Psychology, 29 (1), 160-167 DOI: 10.1016/j.jenvp.2008.11.006

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Embodied Cognition I: A Importância do Peso

ResearchBlogging.orgMuitas vezes na vida, precisamos tomar decisões importantes. Muitas pessoas não gostam de tomar decisões sozinhos e acabam pedindo a opinião de amigos e parentes. Temos a intuição, no entanto, que algumas opiniões têm mais peso que outras. Em outras palavras, julgamos as opiniões de peso como sendo mais importantes que outras.

Não estou interessado hoje, na dinâmica de tomada de decisões a partir da opinião de outras pessoas. Estou particularmente interessado na expressão “opinião de peso”. Por que será que utilizamos tal expressão para conotar “opinião importante”? Por que associamos a noção física de “peso” à noção abstrata de “importância”?
Uma das correntes teóricas recentes da Psicologia Cognitiva, conhecida como Embodied Cognition, tem tentado explicar esse fenômeno. NOTA: já encontrei na literatura em língua portuguesa várias traduções para o termo Embodied Cognition: Cognição Corporificada, Encorpada, Encarnada, Corporizada, e por aí vai. Como parece não haver consenso no termo em português, vou utilizar a expressão em inglês mesmo.

De acordo com a posição adotada pela Embodied Cognition, os conceitos que populam o nosso conhecimento, ou seja, nossas representações mentais — por mais abtratas que sejam — estão fundamentadas no nosso sistema sensório-motor. Por exemplo, sabemos que para lidar com objetos pesados precisamos de mais energia, mais esforço físico e mais planejamento cognitivo. Assim, as pessoas parecem associar as experiências com objetos pesados com maior esforço físico e cognitivo. E uma vez que decisões importantes, na sua maioiria, requerem maior processamento cognitivo, há a possibilidade de que a nossa concepção abstrata de importância esteja ainda fundamentada nas nossas experiências sensório-motoras com objetos pesados.

Para testar essa idéia, Nils Jostmann (University of Amsterdã), Daniël Lakens (Ultrecht University) e Thomas Schubert (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Portugal) fizeram uma série de exprimentos super interessantes. O estudo foi publicado no periódico Psychological Science de Setembro. Basicamente, os pesquisadores estavam interessados em verificar em que medida a noção de importância é uma noção corporificada e fundamentada na noção de peso.

No primeiro estudo, os pesquisadores pediram a um grupo de estudantes que julgassem o valor monetário de várias moedas de vários países. Por exemplo: eles tinham que dizer quantos Euros eram necessários para comprar 200 Ienes, ou 1 Franco Suiço, etc.). No entanto, metade dos estudantes responderam ao questionário segundo uma prancheta que pesava 675 gramas, enquanto a outra metade segurava uma prancheta pesando 1 quilo.

Surpreendentemente, os pesquisadores encontraram que a média de valor monetário atribuída pelos estudantes segurando a prancheta de 1 quilo foi significativamente maior que a média de valor monetário atribuído pelo grupo de estudantes que segurava a prancheta mais leve. Os resultados sugerem que a experiência física com a prancheta pesada influenciou o julgamento de valor monetário dos partipantes da pesquisa.

No estudo II, os pesquisadores investigaram a mesma coisa, porém com o conceito abstrato de justiça. Os participantes tinham que julgar o quão importante eles achavam que era ter a voz ouvida em uma situação de tomada de decisão. A manipulação das pranchetas foi a mesma do estudo I. Novamente, os resultados mostraram que o grupo que utilizou a prancheta pesada julgou a participação em tomadas de decisões como sendo mais importantes que o grupo da prancheta leve.

No estudo III, com a mesma manipulação, os pesquisadores investigaram em que medida a prancheta pesada influenciaria os participantes a utilizarem estratégias cognitivas mais elaboradas. Para medir o grau de elaboração, os pesquisadores acessaram o grau de consistência entre julgamentos distintos, porém relacionados: os participantes tinham que julgar o nível de satisfação com (1) administração da cidade e (2) nível de satisfação com o prefeito da cidade.
Novamente, os participantes com a prancheta pesada mostraram uma consistência muito maior nos julgamentos do que os participantes da prancheta leve.

O estudo IV foi bem semelhante ao III, no entanto os participantes tinham que indicar o grau de concordância com uma série de argumentos relacionados à uma construção de natureza controversa que estava ocorrendo na cidade na época da coleta de dados. A hipótese era de que, os participantes com a prancheta pesada fossem concordar mais com os argumentos “mais fortes” e discordar mais dos argumentos “mais fracos”. Nesse estudo, os participantes foram entrevistados na rua ao invés do laboratório. Novamente, os resultados foram consistentes com os outros estudantes. Os participantes com a prancheta pesada tenderam a concordar mais com os argumentos positivos mais fortes e discordar mais dos argumentos mais fracos.

Todas as diferenças acima foram estatisticamente significativas!

Em conjunto, os resultados sugerem que a experiência física com peso parece sim fazer parte da nossa representação de conceitos. No final das contas, as forças gravitacionais (que têm papel importante na constituição do peso dos objetos) parecem nos afetar muito além das nossas ações físicas. Afetam também nossas representações mais abstratas.

Nos próximos posts vou falar mais de sobre Embodied Cognition e as pesquisas legais que rolam nessa área.

Stay tuned! 😉

Referência:

Jostmann NB, Lakens D, & Schubert TW (2009). Weight as an embodiment of importance. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS, 20 (9), 1169-74 PMID: 19686292

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Infidelidade: Como funciona nossa cognição quando desconfiamos que estamos sendo traídos?

ResearchBlogging.org Amar é bom! Todos nós sabemos que o sentimento associado ao fato de termos um parceiro ou parceira é agradável. Não há dúvidas de que relacionamentos duradouros e estáveis causam sentimentos de felicidade e contribuem para o bem-estar das pessoas envolvidas. No entanto, sabemos também que nem tudo são flores. Relacionamentos amoros trazem também desconforto e estresse. Esses sentimentos são significativamente mais salientes quando há um temor e desconfiança com relação à fidelidade do parceiro. O medo de ser traído causa sentimentos fortes de ciúme e certamente tristeza e estresse.

Cada vez mais, pesquisas ná área de psicologia social e da personalidade têm mostrado que existe uma gama enorme de processos cognitivos distintos associados à preocupação sobre a fidelidade do parceiro. Em outras palavras, o que essas pesquisas mostram é que a forma como percebemos, lembramos e conceptualizamos certas coisas e pessoas em momentos de estresse pela angústia de estar sendo traído(a) são totalmente diferentes. E, consequentemente, são também diferentes as ações que decorrem desses processamentos cognitivos enviesados.

Jon Maner, Saul Miller, Aaron Rouby e Matthew Gailliot, da Florida State University, realizaram recentemente uma série de estudos mostrando como a nossa cognição e percepção são alteradas quando temos um alto nível de ciúme crônico associado ao sentimento de ser traído. Os pesquisadores mostraram que as pessoas com temor de traição implicitamente focalizam a atenção, armazenam informações e avaliam outras pessoas de maneira distinta das pessoas sem esse tipo de preocupação.

Imagine que você está em uma festa e desconfia que sua esposa está de paquera com outra pessoa. Como você direciona/focaliza sua atenção de forma a ficar alerta com relação a possíveis “competidores”. Uma vez que você focaliza possíveis ameaças, que informações são armazenadas? E como você implicitamente avalia as as pessoas que são possíveis ameaças? Esses pesquisadores estavam interessado nessas respostas.

No primeiro estudo, os pesquisadores pediram aos participantes que lembrassem e escrevem sobre uma situação onde eles tiveram sentimentos de que o parceiro ou parceira estava sendo infiel. Após essa tarefa de priming, os participantes completaram uma tarefa de “desengajamento atencional”. Nesse tipo de tarefa, é medida a capacidade que as pessoas têm de mudar a atenção de um foco para outro. Os pesquisadores assessaram em que medida as pessoas com altos níveis de ciúme crônico (medido através da Escala Emotinal Jealousy) conseguiam desviar a atenção de fotos que mostravam pessoas do mesmo sexo e fisicamente atraentes. Os resultados mostraram que participantes com alto nível de ciúme crônico e com preocupações sobre infidelidade direcionaram a atenção para fotos que mostravam pessoas atraentes do mesmo sexo. Ou seja, os resultados sugerem que quando se têm alguma preocupação com infidelidade, automaticamente vamos ficar mais atentos às pessoas do mesmo sexo e que são atraentes. É como se essas pessoas estivessem, implicitamente, monitorando as principais ameaças de infidelidade no ambiente.

Para monitorar alguém ou alguma coisa, sabemos que precisamos ter uma boa memória. O estudo II investigou exatamente isso: os pesquisadores estavam interessados em saber se as pessoas com altos níveis de ciúmes crônicos e com preocupações sobre infidelidade são capazes de armazenar na memória mais informações relativas às pessoas atraentes do mesmo sexo em comparação às outras pessoas. Novamente os resultados mostraram que sim. As pessoas com ciúmes e medo de serem traídas conseguiram lembrar mais eficazmente das fotos de pessoas atraentes e do mesmo sexo do que das outras fotos. Em outras palavras, as pessoas ameaçadas de traição não só prestam mais atenção nas pessoas atraentes do mesmo sexo, como também armazenam mais informações sobre elas na memória.

Por fim, os pesquisadores invetigaram se a maneira como implicitamente julgamos as pessoas é também influenciada pelo temor à infidelidade. Após a tarefa de priming, os participantes tinham que “julgar” algumas fotos como sendo “positivas” ou “negativas”. Novamente, os resultados mostraram que as pessoas com alto níveis de ciúmes e preocupação com traição tendem a avaliar pessoas atraentes e do mesmo sexo mais negativamente.

Essa pesquisa é interessante por, pelo menos, duas razões: primeiramente contruibui para o corpo de pesquisas em psicologia social que investiga a maneira como os seres humanos lidam (mesmo que implicitamente) com situações de estresse causadas por fatores relacionados à relacionamentos amorosos. Segundo, ela integra a investigação de aspectos cognitvos ao cotidiano social das pessoas.

Então, a próxima vez que desconfiar da fidelidade do seu parceiro ou parceira, tente lembrar que cognitivamente as coisas podem ser um pouco diferentes! 🙂

Referência:

Maner JK, Miller SL, Rouby DA, & Gailliot MT (2009). Intrasexual vigilance: the implicit cognition of romantic rivalry. Journal of personality and social psychology, 97 (1), 74-87 PMID: 19586241

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Efeitos de Uma Segunda Língua na Sua Língua Materna

ResearchBlogging.orgTodo mundo sabe que saber falar uma língua estrangeira é bom. Na verdade, essa é uma habilidade fundamenal nos dias de hoje. Além de ser um diferencial importante na busca de bons empregos no mercado de trabalho, saber uma segunda língua traz mudanças cognitivas importantes para seus falantes. Vários estudos em Psicologia Cognitiva e Linguística têm mostrado isso. No campo da Psicologia, os estudos tem mostrado como falantes de duas ou mais línguas têm facilidades em tarefas cognitivas diversas. Já no campo da Linguística, as pesquisas tendem a enfatizar nos efeitos da língua materna no processo de aquisição da segunda língua.

Uma pergunta interessante, no entanto, é: será que falar uma língua estrangeira afeta nossa habilidade linguística na língua materna? Em outras palavras: será que falar inglês, por exemplo, afeta nossa habilidade com a língua portuguesa?

Um grupo de pesquisadores da Ghent University (Eva Van Assche, Wouter Duyck, Robert Hartsuiker e Kevin Diependaele), em um estudo bem simple, investigaram essa possibilidade. O artigo será publicado no periódico Psychological Science ainda esse ano.

Em alguns estudos anteriores, pesquisadores encontraram que falantes bilíngues são mais rápidos no reconhecimento de palavras cognatas. Palavras cognatas são aquelas palavras que apresentam uma semelhança formal significativa em duas ou mais línguas. Por exemplo, as palavras feminism (inglês) e feminismo (português) são cognatas. Estudos mostram que falantes bilíngües são mais rápidos no reconhecimento de palavras cognatas em comparação ao reconhecmento de palavras não cognatas. A idéia é de que a apresentação de uma palavra em uma dada língua ativa a representação de todas as outras línguas conhecidas.

No entanto, o reconhecimento de palavras é uma tarefa que, apesar da sua grande validade interna, tem pouca correspondência com as tarefas cognitivas com as quais bilíngües estão expostos no dia-a-dia (veja o conceito de Optimal Level of Fuzz do meu post anterior para entender por que isso pode ser um problema). No presente estudo, os pesquisadores analisaram o mesmo efeito de facilitação de palavras cognatas, porém em uma tarefa muito mais “automática” e pervasiva: LEITURA.

Os quarenta e cinco estudantes bilíngües (Inglês-Dinamarquês) que participaram do estudo tinham a tarefa de ler algumas frases apresentadas em dinamarquês que incluíam uma palavra cognata (grupo experimental) ou uma palavra controle (frase controle). Eram frases do tipo:

Exprimental: Ben heeft een oude oven gevonden tussen de rommel op zolder.
Controle: Ben heeft een oude lade gevonden tussen de rommel op zolder.

Os correspondentes em inglês eram:

Experimental: Ben found an old oven among the rubbish in the attic.
Controle: Ben found an old drawer among the rubish in the attic.

Em português:

Experimental: Ben achou um forno velho no meio das tralhas no sotão.
Controle: Ben achou um gaveta velha no meio das tralhas no sotão.

Para medir o tempo de leitura das palavras-alvo (em negrito), os pesquisadores utilizaram técnicas de rastreamento ocular (medidas específicas de fixações e foveamento).
Os resultados são bem interessantes. Eles mostram que as medidas de tempo de leitura para as palavras cognatas, em comparação às outras, foi estatisticamente menor. Esses resultados são interessantes, uma vez que mostram que, mesmo em tarefas altmente entreincheiradas e em que o conhecimento da segunda língua não é necessariamente relevante, os falantes parecem ativar representações da língua não-dominante.

Outros estudos, obviamente, precisam ser feitos para consolidar os achados dessa pesquisa. Mas, certamente, os resultados apresentados nesse estudo já são suficientemente interessantes para suscitar outros questionamentos.

Van Assche E, Duyck W, Hartsuiker RJ, & Diependaele K (2009). Does Bilingualism Change Native-Language Reading? Cognate Effects in a Sentence Context. Psychological science : a journal of the American Psychological Society / APS PMID: 19549082

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The Optimal Level of Fuzz: O Equilíbrio na Pesquisa em Psicologia Cognitiva

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Há alguns meses, eu e alguns colegas de departamento nos reunimos para montar um experimento para investigar alguns aspectos do processo de categorização. A reunião foi basicamente para aparar “arestas” nas tarefas que propúnhamos. Em outras palavras, estávamos controlando os possíveis confounds que poderiam influenciar a variação da nossa variável dependente.

Essa é uma prática comum na montagem de experimentos psicológicos. Todo pesquisador busca o que chamamos de validade interna, ou controle experimental. No entanto, logo após sair da reunião, tive uma inquietação, que, na verdade, volta e meia angustia minha prática acadêmica: experimentos altamente controlados acabam não retratando “externamente” o fenômeno psicológico que pretendem estudar. Por exemplo, Amos Tversky e Daniel Kahneman, em 1983, estudaram o que é hoje conhecido como “a falácia da conjunção”. Eles desenvolveram um problema (Linda’s problem) para estudar o fenômeno. Apesar de ser um problema interessante para entender questões do pensamento lógico humano, a grande maioria dos estudos que se inspiram no clássico de 1983 se preocupam com um controle exacerbado da tarefa que, essa acaba se distanciando do que os seres humanos realmente fazem fora do laboratório.

A pergunta então é: qual é a validade externa das pesquisas, altamente controladas, em Psicologia Cognitiva? Parece razoável dizer que é necessário uma espécie de equilíbrio entre as perdas (e ganhos) internos e externos.

Art Markman e um grupo de outros pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade do Texas em Austin abordaram recentemente essa questão em um artigo que será publicado no Journal of Experimental and Theoretical Artificial Inteligence.

Art e seus colaboradores chamam esse espaço de equilíbrio entre as validades interna e externa de optimal level of fuzz. No artigo, os pesquisadores apresentam dois importantes princípios que eles julgam ser importantes na busca desse “nível ótimo”. Os pesquisadores relatam três exemplos de pesquisa realizada em que os princípios apresentados foram utilizados. Não vou comentar aqui os estudos propriamente dito, mas vou utilizar parte da discussão para apresentar os princípios propostos por Art e seus colaboradores.

Todos nós sabemos que são vários os fatores que afetam o comportamento humano. Dessa forma, não podemos utilizar apenas de observações puras para definir os processos cognitivos que subjagem as ações humanas. Acessar processos cognitivos apenas por meio de observações faz com que os resultados da pesquisa sejam fuzzy (pouco claros). E controlar demais as observações de laboratório faz com que as pesquisas não sejam suficientemente fuzzy, não representando a realidade do fenômeno psicológico em questão.

Para que uma pesquisa alcance o optimal level of fuzz, Art e seus colegas apontam que, dada a natureza multidisciplinar da Psicologia Cognitiva, é preciso que a pesquisa:

(1) tenha uma relação com algum comportamento que ocorre FORA do laboratório.
(2) utilize uma tarefa que tenha uma “proposta de análise” clara, de preferência coadunada á um modelo matemático, computacional ou um modelo dinâmico.

O primeiro ponto parece óbvio. No entanto, observamos um grande número de pesquisas que não atendem à esse critério. O exemplo que mencionei no começo desse texto é um exemplo disso. Muitas pesquisas que “replicam” estudos anteriores, muitas vezes, não têm ligação direta com o fenômeno psicológico que pretendem estudar. Consequentemente, acabam não contribuindo para a compreensão dos processos que subjazem o comportamento humano diário.

O segundo princípio é simples. Para investigar um fenômeno psicológico pouco compreendido é necessário que a tarefa de laboratório utilizada seja uma que seja bem compreendida. Tarefas bem compreendidas são aquelas que apresentam uma proposta de análise que especifique os processos cognitvos requeridos pela tarefa. Essas tarefas geralmente possibilitam a criação de modelos matemáticos e/ou computacionais que podem ser utilizados para caracterizar o fenômeno cognitivo em questão.

Existem várias vantagens na utilização de modelos matemáticos/computacionais. Uma delas é a possibilidade de tirar conclusões que vão além dos resultados encontrados em laboratório. A outra vantagem, que Art e seus colaboradores apontam como mais importante, é a possibilidade de mapear estratégias cognitivas em uma dada tarefa. Por exemplo, pode ser que uma certa estratégia (persistência, por exemplo) sejam adequadas para certos momentos de uma tarefa e não para outros. Modelos matemáticos possibilitam esse tipo de mapeamento, tanto no nível individual quanto no nível global.

No final das contas, os pesquisadores mostram que a combinação entre variáveis fuzzy (comportamentos humanos ainda pouco entendidos) e tarefas pouco fuzzy (tarefas bem compreendidas) levam a pesquisa a alcançar o optimal level of fuzz. Art ainda relata três estudos (na área de motivação, diferenças individuais e neurosciência) que utilizaram os dois princípios apresentados.

Apesar de bem delineados, os princípios propostos para se alcançar o optimal level of fuzz não são fáceis de serem postos em prática. Eles requerem, segundo esses pesquisadores, que as pessoas “saiam” da zona de conforto: experimentos mais fuzzy e observações mais controladas. O ideal é investir em colaborações com pessoas de áreas distintas. Mas esse é um assunto para alguma postagem futura!

Referência:

Markman, A.B., Beer, J.S., Grimm, L.R., Rein, J.R., & Maddox, Todd W. (2009). The Optimal Level of Fuzz: Case Studies in a Methodology for Psychological Research. Journal of Experimental and Theoretical Artificial Intelligence

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$%#$#@%: Falar Palavrão Pode Aliviar Dor Física!

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Há alguns dias, eu estava assistindo ao show “Nóis na fita” de Leandro Hassum e Marcius Melhem e, em uma parte do show, os comediantes falam do papel catártico que palavrões exercem na nossa vida. Apesar de engraçado, temos a sensação de que isso é verdade. Quem nunca deu aquela topada na quina da cama e, ao soltar um palavrão (que parece ser uma resposta automática) parece ter a dor aliviada instantaneamente?
Um grupo de pesquisadores da Escola de Psicologia da Universidade de Keele na Inglaterra (Richard Stephen, John Atkins e Andrew Kingston) resolveram investigar essa hipótese empiricamente. Eles investigaram em que medida falar palavrão afeta não só nossa perpepção da dor, mas também a nossa tolerância à dor.
Os pesquisadores pediram que os participantes (homens e mulheres) colocassem a mão em um balde com água gelada e a mantivesse lá até que não aguentassem mais. O tempo total em que o participante mantinha a mão no balde foi a medida de tolerância à dor. Foram também acessadas a percepção da dor pelo participante (Perceived Pain Scale), batimento cardíaco, ansiedade (Spielberg State-trait Anxiety Index) e o medo de dor (Fear Pain Questionnarire).
Antes de imergir a mão na água gelada, os pesquisadores pediram aos participantes que falassem cinco palavrões que eles falariam se martelassem o próprio dedo e cinco palavras que eles usariam para descrever uma mesa.
Durante o experimento propriamente dito, os participantes na condição “palavrão”, deveriam colocar a mão no balde de água gelada e repetir o primeiro palavrão da lista de cinco palavrões que escolheram. Na condição “controle”, eles deveriam colocar a mão na água gelada e repetir a palavra que escolheram para descrever a mesa.
Os resultados são interessantes: eles mostraram que o tempo de imersão na água gelada na condição “palavrão” foi maior que na condição controle, sugerindo que a tolerância à dor é maior quando se fala palavrão. Houve também um efeito do sexo: homens suportaram mais a dor do que as mulheres. No quesito percepção da dor, os pesquisadores encontraram que tanto homens quanto mulheres mostraram uma redução dessa percepção na condição “palavrão”, mas a diferença foi maior para as mulheres. Os batimentos cardíacos foram maiores para a condição “palavrão”, e muito maiores para as mulheres do que para os homens.
De uma maneira geral, os resultados sugerem que, falar palavrão, além de desencadear uma resposta emocial, desencadeia também uma resposta física. O aumento do batimento cardíaco pode ser indício de agressividade. Existem estudos, por exemplo, que mostram que a agressividade diminui a sensação de dor. Os pesquisadores acreditam que, no passado, esse aumento de agressividade seria importante em situações de risco, pois aumentaria a tolerância à dor, o que facilitaria a luta contra um agressor.
Importante, ou não, o que sabemos é que muitas vezes o palavrão sai de forma tão automática algumas situações de dor, susto, etc., que não é um absurdo sugerir que eles já fazem parte da nossa cognição. De qualquer forma, já temos respaldo científico para justificar o palavrão que sai depois da topada na quina da cama!
Referência:
Stephens, R., Atkins, J., & Kingston, A. (2009). Swearing as a response to pain NeuroReport, 20 (12), 1056-1060 DOI: 10.1097/WNR.0b013e32832e64b1
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O Bem-estar no Relacionamento: Tudo Depende do Tipo de Foco.

ResearchBlogging.org No último dia 7 de julho, a atriz brasileira Sthephany Brito casou-se, em uma cerimônia altamente luxuosa (coisa de princesa), como o atacante do Milan, Alexandre Pato. Luxuosidades à parte, hoje em dia, casamentos estão na moda. Muitas pessoas namoram por muito pouco tempo e já seguem o caminho do altar.

Como fazer para garantir um bom relacionamento após o casamento? E mesmo antes de casar, como garantir que você e o(a) seu parceiro(a) estão em uma sintonia que garanta o bem-estar do relacionamento?

Psicólogos sociais têm, desde de muito tempo, estudado o bem-estar psicológico de pessoas envolvidas em relacionamentos amorosos. Dentre as várias descobertas, estudiosos afirmam que uma variável importantíssima na construção de um relacionamento sadio é a quantidade de suporte que seu(sua) parceiro(a) te dá em momentos de dificuldade e de triunfo. Em outras palavras: se você vê seu(sua) parceiro(a) como alguém que apóia você em momentos marcantes da sua vida, a chance de que você terá um relacionamento legal é grande.

Recentemente, pesquisadores têm investigado se o apóio dos parceiros com relação aos seus objetivos de vida tem influência na percepção do bem-estar do relacionamento: como você percebe a maneira como seu parceiro apóia seus objetivos?

Em Psicologia Social existem dois tipos básicos de objetivos, ou melhor, dois tipos distintos de foco: foco preventivo e foco não-preventivo (essa tradução é péssima. Em inglês os termos são prevention focus e promotion focus). Foco não preventivo é aquele que focaliza nos “ganhos” futuros. Por exemplo: um estudante com foco não-preventivo foca na obtenção de um “A” no final do semestre, ou seja, ele foca no ganho de uma nota boa. Em contrapartida, o foco preventivo é aquele que focaliza nas “não-perdas”. O mesmo aluno, por exemplo, ao invés de focar no “ganho” de um “A”, ele focaliza no “não-ganho” de um “B”. O foco preventivo “evita” resultados negativos ao passo que o foco não-preventivo “busca” resultados positivos.

É interessante notar que o “resultado” final é o mesmo (o “A” no final do curso, por exemplo). Apenas a representação desse resultado final é que varia. Várias pesquisas têm mostrado que o tipo de foco tem impacto direto na maneira como nos executamos determinadas tarefas (mais no futuro, vou postar algums trabalhos que a pesquisadora Lisa Grimm — College of New Jersey — e o pesquisador Art Markman — Universidade do Texas — têm feito nessa área).

Seguindo a mesma linha, Daniel Molden, da Northwestern University, e alguns colaboradores investigou como que o tipo de foco (preventivo vs. não-preventivo) influencia na maneira como as pessoas percebem (conceptualizam) o suporte do(a) parceiro(a).

O estudo contou com casais casados e não-casados. Segundo os pesquisadores, casais não-casados teriam um foco não-preventivo. Segundo Molden e seus colegas, esses casais buscam “ganhar” intimidade e estabilidade no relacionamento, ao passo que casais casados, devido ao profundo investimento psicológico (e muitas vezes financeiro) apresentam um foco mais preventivo, ou seja, de manutenção da estabilidade e do envovimento com o(a) parceiro(a).

Os pesquisadores, na verdade, acreditam que casais casados apresentam os dois tipos de foco de uma maneira balanceada (eles também buscam “ganhar” cada vez mais intimidade e respeito no relacionamento), ao passo que casais não-casados apresentariam um foco de caráter não-preventivo.

A hipótese dos pesquisadores na presente pesquisa foi a seguinte: a percepção da participantes sobre o suporte do parceiro para focos não-preventivos seria um forte preditor do bem-estar do relacionamento para casais não-casados. E a percepção sobre o suporte do parceiro para os dois tipos de foco seriam bons preditores de bem-estar no relacionamento para casais casados. Em uma linguagem mais acessível: se você não é casado, a sensibilidade do seu parceiro com relação aos seus objetivos não-preventivos é um forte candidato para garantir o bem-estar do relacionamento. A sensibilidade com relação aos seus objetivos preventivos não importa. no entanto, se você é casado, a sensibilidade do seu(sua) parceiro(a) para seus objetivos preventivos E não-preventivos é que garante o bem-estar do casamento.

Os resultados são confirmadores da hipótese. A partir de várias análises estatísticas e controles, os pesquisadores confirmaram o que eles esperavam: a associação entre percepção de suporte e bem-estar no relacionamente depende do tipo de foco. A percepção de suporte para foco não-preventivo apenas foi importante para o bem-estar do relacionamento para os casais não-casados. Já para os casais casados, a percepção de suporte para os DOIS tipos de foco foram importante para predizer o bem-estar do relacionamento.

Pelos resultados, sabemos que o suporte que demonstramos aos nossos parceiros não pode ser qualquer um. Ele deve ser condizente com o contexto motivacional em que nosso parceiro se encontra. Outras pesquisas já mostraram resultados semelhantes em outras áreas da cognição humana (ver os trabalhos de Todd Maddox, Art Markman e Lisa Grimm). Acho que vale a pena um estudo de normatização mostrando que a idéia de que casais não-casados são não-preventivos em comparação à casais casados. A idéia é bastante pertinente, mas um estudo para normatizar isso seria bem interessante.

No mais, fica o conselho para os casais por aí: avalie o contexto motivacional em que seu relacionamento se inclui, pois não é somente o suporte que conta, mas o suporte condizente ao tipo de foco/objetivo do(a) parceiro(a).

Referência:

Molden, D., Lucas, G., Finkel, E., Kumashiro, M., & Rusbult, C. (2009). Perceived Support for Promotion-Focused and Prevention-Focused Goals: Associations With Well-Being in Unmarried and Married Couples Psychological Science, 20 (7), 787-793 DOI: 10.1111/j.1467-9280.2009.02362.x

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