O Coronavírus traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral.
Texto por Cesar Augusto Gomes
A epidemia de um novo tipo de coronavírus, que atingiu primeiramente a China, já infectou mais de 8 mil pessoas em ao menos 18 países e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declará-la na quinta-feira (30/01/2020) como uma emergência global de saúde pública de preocupação internacional. O fato traz consigo não só o desafio de combater a proliferação da doença, mas também – e não menos importante – a necessidade de estancar a disseminação de falsas informações a respeito do assunto, que vem preocupando as autoridades e a sociedade em geral. Circularam, nas redes sociais digitais durante a semana passada, diversas informações a respeito do tema, sendo algumas fruto da desinformação de pessoas leigas e outras, da esperteza de quem pretende se aproveitar do surto para embolsar alguns trocados com vendas de produtos e visualizações em suas redes. Algumas das falsas notícias disseminadas foram: “O coronavírus foi espalhado propositalmente pela indústria farmacêutica para controle populacional” e “Objetos comprados na China pela internet podem estar contaminados com o novo vírus”. Um youtuber especializado em teorias da conspiração espalhou que o americano Bill Gates, dono da Microsoft, teria patenteado o vírus e trazido para o Brasil. Em outro vídeo, uma pessoa que se diz médico relaciona o aparecimento do coronavírus à falta de vitamina D no organismo. Informações não factuais ou manipuladas existem há tempos, muito antes do advento internet. O jornalista Heródoto Barbeiro escreve no texto A Revolução Francesa e o perigo do texto falso (2017), publicado no portal Comunique-se, que durante aquele período (1789-1799), o jornalista Jean Paul Marat, com seu jornal L’Ami du peuple (O Amigo do Povo) acelerou a derrubada da Bastilha com textos nem sempre verdadeiros. No livro-reportagem de Fernando de Morais (2000), Corações Sujos, vencedor do Prêmio Jabuti em 2001, encontramos a verídica história de uma seita, a Shindo Renmei – a Liga do Caminho dos Súditos – composta por imigrantes japoneses e descendentes que espalhavam a notícia da vitória do Japão na Segunda Guerra Mundial e assassinavam a quem ousasse dizer o contrário. Com o advento da Internet o cidadão comum passa a ser produtor e distribuidor ativo de conteúdo e a competir com o jornalismo tradicional na tarefa de agendar o debate na sociedade e de fabricar o consenso. Esse protagonismo, apesar da regulação existente, tem seus lados positivo e negativo, pois, aliado a outros fatores, potencializou exponencialmente a proliferação das, popularmente chamadas, fake news, que têm sido usadas para disseminar e legitimar crenças, em detrimento de fatos científicos. Na Saúde, no entanto, a desinformação é um problema ainda mais grave, pois, provoca sobre demanda nos Sistemas de Saúde com exames desnecessários, motivados por alarmismo. Pode também levar pessoas a comportamentos extremos, a deixar de realizar tratamentos necessários, a deixar de usar remédios essenciais para sua vida, enfim, no limite, a desinformação pode matar. Uma possível consequência do fenômeno pode ser sentida mais claramente no âmbito da vacinação, uma vez que, apesar das intensas campanhas de divulgação, as autoridades de Saúde não estão conseguindo cumprir as metas de vacinação, conforme tem sido amplamente divulgado pela imprensa. Como efeito, o Brasil perdeu em 2019 o certificado de erradicação do Sarampo, concedido ao país pela Organização Pan Americana de Saúde (OPAS/OMS), em 2016. Em trabalho que apresentei no “II Seminário Internacional e VI Seminário Nacional as Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake news e saúde”, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília, em 2019, analisei cinco textos que circularam entre 2016 e 2019 nas diferentes redes sociais digitais – e alguns sites apócrifos – e que traziam informações sobre vacinas. A partir dos critérios Wardle e Derakhshan (2017), foi possível classificar esses conteúdos em: Enganosos (partem de dados existentes, porém, manipulam-nos), Fabricados (conteúdo que é 100% falso, criado para ludibriar, prejudicar) e Falso Contexto. Uma rápida leitura nas notícias a respeito do coronavírus indicam que elas têm contornos parecidos. Para ficar num exemplo, o mesmo tipo de informação falsa divulgada pelo youtuber dando conta de que Bill Gates teria patenteado o coronavírus com o objetivo da redução populacional aparece também nas notícias sobre Vacina que analisei. Em um dos textos, uma “enfermeira” – de quem não se sabia o nome nem o hospital em que trabalhava – afirmava ser a febre amarela uma farsa inventada pelo governo para dizimar a população e que ninguém deveria tomar a vacina. Em sua maioria as fake News sobre saúde seguem o seguinte padrão: (1) sempre partem de uma fonte de confiança (o guru, o doutor, o especialista); (2) são vagos, sem datas e fontes confiáveis, pois o “Dr.” ou a “enfermeira” não têm nome, nem apresentam o hospital em que trabalham nem quaisquer registros de fonte oficial sobre o assunto; (3) são alarmistas; (4) têm pedido de compartilhamento. O jornalista norte-americano Farhad Manjoo (2008) no livro True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society discute a necessidade de se aprender a viver numa sociedade que escolhe a realidade em que quer acreditar, uma sociedade pós-factual. Vemos essas consequências na política, na negação da Ciência e até de fatos históricos. No entanto, quando se trata da saúde do ser humano, escolher entre ministrar um medicamento ou não, pode significar a morte. Referências BARBEIRO, Heródoto. A Revolução Francesa e o perigo do texto falso. Portal Comunique-se. São Pulo. 05 set. 2017. MANJOO, F. True Enough: Learning to Live in a Post-Fact Society. Nova Jersey: John Wiley & Sons. 2008. WARDLE C, DERAKHSHAN H. Information Disorder – Toward an interdisciplinary framework for research and policy making. Council of Europe. Estrasburgo, França. 27 out 2017. Texto por Cesar Augusto Gomes – Mestrando em Divulgação Científica e Cultural, Labjor/IEL/Unicamp