Com medo de contrair o coronavírus, ou COVID-19, várias pessoas estão costurando e comprando máscaras caseiras para usar na rua, principalmente quando vão às compras. Esses equipamentos de proteção produzidos em casa sem embasamento científico têm tudo para dar errado. Nesse texto, explico o porquê com um exemplo histórico.

A máscara de gás foi criada na Primeira Guerra Mundial como uma forma de proteger os combatentes no front, pois foi em um ataque em 1915 que as armas químicas passaram a ser utilizadas em massa pela primeira vez. Os primeiros ataques foram realizados com o gás cloro, mas ao longo do conflito outros tipos de gases mais letais foram desenvolvidos, como por exemplo o gás fosgênio e o mostarda.

As primeiras máscaras eram bastante simples e consistiam basicamente em um pedaço de tecido embebido em soluções neutralizadoras que deveria ser atado ao nariz e a boca. Uma bastante conhecida é o respirador feito com véu negro desenvolvido por John Scott Haldane, o black veil respirator. Chegar ao design de uma máscara aparentemente tão simples não foi uma tarefa fácil. Como o tecido deveria necessariamente ser embebido com soluções neutralizadoras, ele precisava permitir a passagem de ar quanto úmido, já que muitas vezes os combatentes vestiam a máscara logo após mergulhá-la na substância neutralizadora e também ser capaz de neutralizar os efeitos dos gases quando seco.

Por isso a black veil respirator era feita com um tipo específico de fibra de algodão, além de utilizar como faixa fixadora um véu – negro porque era o mais produzido no momento, já que era usado por viúvas ou mulheres como símbolo luto. Mas nem todos os tecidos permitem a passagem de ar quando estão molhados e desconhecer essa informação causou a morte de muitos soldados. 

Em uma tentativa de auxiliar nos esforços da guerra, o governo britânico fez uma chamada para que civis fizessem um mutirão para confeccionar máscaras. Milhares delas foram confeccionadas da noite para o dia e enviadas para o front. Como se verificou da pior maneira, elas eram não só inúteis, como perigosas. Como foram confeccionadas com o tipo inadequado de fibra de algodão, essas máscaras não protegiam do gás quando secas e molhadas não permitiam a passagem do ar. Como consequência, no meio de um ataque muitos soldados ficaram desprotegidos ou precisaram tirar a máscara úmida e acabaram sendo feridos ou mortos pelos gases. A partir desse episódio, a produção de máscaras e outros equipamentos de proteção passou a ser centralizada por um departamento criado especificamente para lidar com as questões das armas químicas: o Gas Service. Além de produzirem equipamentos, esse destacamento era responsável por treinar os combatentes para que eles pudessem usar o equipamento de forma correta, já que só assim ele seria efetivo.

Desenvolver um equipamento exige muita pesquisa e muitos testes. As coisas não funcionam porque elas parecem funcionar, mas sim porque elas acumulam tecnologias desenvolvidas a partir de muitas pesquisas e experiências. E eles só funcionam quando são utilizados de forma adequada, seguindo protocolos rigorosos de uso estabelecidos após numerosos testes.

As máscaras que estão sendo criadas em casa ou vendidas por costureiras – e até mesmo aquelas cirúrgicas – não impedem a inalação do COVID-19. Elas somente são efetivas quando usadas por pessoas contaminadas, já que impedem a dispersão do vírus no ar através de gotículas. A pessoa saudável que usa uma máscara caseira está, na verdade, criando uma armadilha para concentrar o vírus (e outros microrganismos) no próprio rosto. Além disso, tocar na máscara, deslocá-la pelo rosto até a área dos olhos ou abaixá-la no pescoço para falar acabam, na verdade, aumentando as chances de contaminação. Por isso essas máscaras podem ser tão perigosas: elas criam uma sensação falsa de segurança, o que acaba aumentando as chances de contaminação.

As únicas máscaras capazes de impedir a inalação dos vírus são aquelas que possuem um sistema para barrar partículas minúsculas, biológicas ou não, dispersadas por aerossol. E como dito anteriormente: elas só funcionam quando usadas de forma rigorosamente correta e por tempo limitado. Se não conhecemos o comportamento e o tamanho do vírus e as especificidades dos tecidos, e se não sabemos quais são os protocolos de segurança no uso, criar e usar máscaras caseiras é irresponsável e perigoso. Não existe equipamento milagroso contra a contaminação. Para diminuir os riscos de contrair a doença devemos ficar em casa e evitar aglomerações, lavar frequentemente as mãos com água e sabão por pelo menos 20 segundos, não tocar a face e manter ambientes ventilados.

Se você não apresenta sintomas, não compre máscara de nenhum tipo! Deixe para as pessoas que trabalham na área da saúde e seus familiares, que estão expostos cotidianamente ao vírus, e para as pessoas que precisam cuidar de familiares e amigos doentes. Somente use máscaras se você estiver contaminado.

Um último lembrete: precisamos proteger e investir na ciência brasileira, pois é somente através de pesquisas e experiências que encontraremos soluções eficientes para os nossos problemas, como é o caso da atual pandemia.

Update 06/04/2020 (Coordenação do Blogs de Ciência da Unicamp): Até o presente momento a Organização Mundial de Saúde segue sem recomendações de uso de máscara por pessoas não contaminadas. O MS e o CDC mudaram suas recomendações, especialmente em função de pessoas que podem estar infectadas mas não sabem. Todas as recomendações mais recentes são apenas para usar máscara como barreira mecânica de quem está infectado. O Blogs de Ciência da Unicamp decidiu manter este post no ar, uma vez que traz um panorama histórico importante dos riscos de produções sem cuidados técnicos e científicos. Quaisquer recomendações feitas por este veículo de Divulgação Científica estão e estarão, sempre, de acordo com preceitos científicos e embasados teoricamente. Reiteramos, ainda, que quaisquer comentários desrespeitosos com a autora, ou o blogs, não serão aceitos. 

Para Saber mais

AULD, S. J. M. Gas and flame in modern warfare. Nova York: George H. Doran, 1918.

FRANKE, I. A fotografia e a máscara: uma antropologia da imagem. 2019. 109 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

GRAYZEL, S. R. Defence against the indefensible: the gas mask, the State and British Culture during and after the First World War. Twentieth Century British History, vol. 25. n. 3, 2014, pp. 418-434.

JONES, S.; HOOK, R. World War I gas warfare tactics and equipment. Colchester: Osprey, 2007.

 

Os argumentos expressos nos posts deste especial são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica da Unicamp. Não, necessariamente, representam a visão da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.