Os órgãos de saúde e a imprensa têm falado bastante sobre a necessidade de não expormos grupos de risco ao novo coronavírus. Medidas já começam a ser adotadas para proteger essas pessoas. Nos lares brasileiros, por exemplo, o isolamento domiciliar até de pessoas que não estão apresentando sintomas tenta restringir o contato entre jovens e idosos que, por conta da idade, podem ter a saúde mais frágil. Dúvidas também começam a pipocar. Afinal, quem está incluído neste grupo de risco? Pessoas com doenças crônicas são, realmente, mais afetadas pela COVID-19? Se tenho alguma doença deste tipo, devo me preocupar?
Para responder essas perguntas, vamos dar uma olhada nos dados que temos até agora. O perfil dos pacientes chineses infectados e que evoluíram para quadros clínicos mais graves tem sido mapeado por alguns estudos científicos. Ainda que os números sejam incipientes, podemos falar que existe uma relação entre doenças crônicas e a COVID-19 e que o assunto deve ser levado a sério. Um estudo com 1099 indivíduos apontou que 1 a cada 3 pacientes infectados com o coronavírus e histórico de doença crônica tiveram quadro clínico considerado grave (critérios baseados nas diretrizes da American Thoracic Society para pneumonia adquirida na comunidade) após a infecção pelo vírus. Em pacientes sem outras complicações de saúde, o número de casos graves foi quase a metade disso (21%)[1].
Um segundo estudo realizado no Hospital de Wuhan, na China, com 99 pacientes do 1º ao 20º dia do mês de janeiro mostrou que a faixa etária do grupo foi de 55,5 anos [2]. A metade destes indivíduos tinha alguma comorbidade, como doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. A COVID-19 também parece ter uma preferência por homens do que mulheres. A hipótese lançada pelos pesquisadores é de que hormônios sexuais e o cromossomo X das mulheres parecem possuir uma função relacionada à imunidade [3]. Outro estudo avalia que a maioria dos indivíduos que contrai o vírus e desenvolve a doença tem boas chances de recuperação. As exceções seriam a população idosa e indivíduos com doenças crônicas [4].
Quando falamos em histórico de doença crônica, nos referimos a pessoas que têm alguma condição de saúde que afeta o seu sistema imunológico. Diabéticos, pacientes com problemas cardíacos, em tratamento contra câncer ou com doenças pulmonares crônicas entram nesta lista. O envelhecimento também entraria no rol de fatores de risco, já que, quando idosos, nosso sistema imunológico tende a ser mais debilitado e o processo inflamatório parece aumentar devido às morbidades e problemas geriátricos. A lógica é a seguinte: ao contrair uma gripe, nosso organismo libera um exército de células de defesa para combater a infecção. Se temos uma doença persistente, inflamatória, as chances do nosso exército estar exausto ou, ainda, de existirem poucos soldados para combater o novo coronavírus, é grande.
Ainda não sabemos ao certo como determinadas doenças crônicas ou a presença de várias doenças ao mesmo tempo (o que chamamos de multimorbidade) tornaram o corpo dos pacientes na China mais vulnerável à instalação do vírus. O que sabemos, por enquanto, é que os casos mais graves precisaram de um tratamento intensivo de saúde, como ventilação mecânica e oxigenoterapia. A COVID-19 é uma doença que exige muito do sistema de saúde. Segundo o estudo que usamos como fonte, o risco de morte, admissão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou uso de ventilação mecânica (por aparelhos), foi de 3,6% mas chegou a 20,6% (1 a cada 5 indivíduos) entre os casos graves.
Bem, o que esses dados chineses têm a ver com a realidade brasileira? Não que seja uma regra, mas entender como a COVID-19 vem evoluindo e quem é mais vulnerável a ela pode nos ajudar na hora de agir. Lembramos que os estudos apresentados neste texto são análises iniciais da doença, ou seja, podem ser retificados durante a pandemia conforme a ciência for avançando.
No momento, sabemos que pessoas com doenças crônicas e imunidade baixa precisam se precaver em dobro para não contraírem o novo coronavírus, pois têm mais chance de ter complicações clínicas mais graves. Se você é diabético, cardiopata, tem acima de 60 anos, deveria se preocupar, sim! E sabe o que você pode fazer para se proteger? Ficar em casa. Simples assim.
Fonte: Baseado em OMS, 2020.
[1] GUAN, W., NI, Z., HU, Y., LIANG, W., et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. Massachusetts Medical Society. The New England Journal of Medicine. 2020; Avaliable in https://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJMoa2002032?articleTools=true DOI: 10.1056/NEJMoa2002032. Access on March 21, 2020.
[2]Chen N , Zhou M , Dong X , et al. Características epidemiológicas e clínicas de 99 casos de 2019 nova pneumonia por coronavírus em Wuhan, China: um estudo descritivo. Lanceta. 2020; pii: S0140-6736 (20) 30211-7.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30211-7 .
[3] JAILLON, S.; BERTHENET, K.; GARLANDA, C. Sexual Dimorphism in Innate Immunity. Clinical Reviews in Allergy & Immunology, v. 56, 2017. DOI: 10.1007/s12016-017-8648-x
[4] Ramo de Radiologia da Associação Médica Chinesa Diagnóstico Radiológico da Nova Pneumonia por Coronavírus: Recomendações de Especialistas em Ramo de Radiologia da Associação Médica Chinesa (Primeira Edição) [J / OL] Jornal Chinês de Radiologia, 2020,54 (2020- 02-08) .http://rs.yiigle.com/yufabiao/1180115.htm DOI: 10.3760 / cma.j.issn.1005-1201.2020.0001
WHO. World Health Organization. Q&A on coronaviruses (COVID-19). 2020. Avariable in https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-coronaviruses. Access at march 23, 2020.
* O Grupo Brasileiro de Estudos em Multimorbidade reúne pesquisadores brasileiros da área da saúde vinculados a instituições brasileiras, como UFPel, UFG, USP, UFRN e Unicamp, e colaboradores estrangeiros da Colômbia, Portugal e Índia. Eles estudam doenças crônicas e multimorbidade. (link para o site: https://wp.ufpel.edu.br/gbem/)
** Os argumentos expressos no texto são dos pesquisadores, produzidos a partir de seus campos de pesquisa científica e atuação profissional e foi revisado por pares da mesma área técnica-científica. Não, necessariamente, representam a visão da UFPel e da Unicamp. Essas opiniões não substituem conselhos médicos.