Ligamento Cruzado Posterior: quem é esse tal de LCP?

O joelho é a maior articulação do corpo humano. É formado pelo encontro do fêmur, da tíbia e da patela.

Ao contrário do quadril, uma articulação do tipo bola e soquete, que tem estabilidade óssea, o joelho depende de ligamentos para prover sua estabilidade, já que as superfícies ósseas em contato não se encaixam.

Existem basicamente quatro ligamentos principais no joelho: os colaterais medial (LCM) e lateral (LCL), e os cruzados anterior (LCA) e posterior (LCP).

O LIGAMENTO CRUZADO POSTERIOR (LCP) é o restritor primário da posteriorização da tíbia em relação ao fêmur.

 

Figura 1: Ligamentos do joelho.

 

Como fazer o diagnóstico da lesão do LCP?

Seja em traumas de alta energia, tais como quedas de moto e acidentes de carro com o choque do joelho no painel, ou seja em traumas de baixa energia, como queda no solo, a lesão do LCP ocorre sempre por TRAUMA DIRETO no joelho. É preciso bater o joelho em alguma coisa. Torções raramente lesionam o LCP.

O diagnóstico da lesão é feito por um teste clínico muito simples, chamado GAVETA POSTERIOR. O paciente é colocado em decúbito dorsal horizontal, com o quadril fletido e o pé apoiado na maca, com o joelho em 90 graus de flexão. O médico empurra a tíbia para trás. A gaveta pode ser graduada, de acordo com a RELAÇÃO ENTRE OS CÔNDILOS, como:

 

Figura 2: o teste da gaveta posterior. Fonte: www.thekneeresource.com
  • grau 1: a tíbia permanece a frente do côndilo medial do fêmur;
  • grau 2: a tíbia chega até o mesmo nível do côndilo medial do fêmur;
  • grau 3: a tíbia vai mais posterior que o côndilo medial do fêmur.

Essa graduação é muito importante na escolha do tratamento.

 

 

 

Exames de imagem como a RADIOGRAFIA COM ESTRESSE e a RESSONÂNCIA MAGNÉTICA geralmente são solicitados.

Figura 3: Rx com estresse. Gaveta posterior. A = normal; B = lesão do LCP. Fonte: https://musculoskeletalkey.com/arthroscopic-double-bundle-tibial-inlay-posterior-cruciate-ligament-reconstruction/

 

Figura 4: ressonância magnetica do joelho com lesão do LCP. Fonte: www.radiopedia.org

 

Como tratar a lesão do LCP?

A primeira providencia é definir se a lesão pode ou não cicatrizar. Para isso, é feita a classificação de acordo com o tempo desde o trauma:

  • lesão aguda: até 3 semanas; podem cicatrizar.
  • lesão subaguda: de 3 semanas a 3 meses; talvez cicatrizem;
  • lesão crônica: mais de 3 meses; não cicatrizam adequadamente.

 

LESÕES AGUDAS:

Exsitem 3 situações que necessitam cirurgia:

  • Lesões de vários ligamentos: Além do LCP, existe lesão de do LCA, ou do LCM, ou do LCL.
  • Fratura-avulsão do ligamento com desvio: nesses casos, uma tomografia computadorizada ajuda a fazer a medida exata. Se o desvio do fragmento for maior que 2 mm, há necessidade de redução e fixação com um parafuso esponjoso de pequenos fragmentos e uma arruela.
  • Gaveta posterior grau 3.

Se nenhuma destas três condições estiver presente, então o paciente pode ser tratado sem cirurgia, com a colocação de uma tala ou de um gesso para manter o joelho em extensão durante 6 semanas. Quarenta dias sem dobrar o joelho. Além disso, é feita a retirada da carga com duas muletas para não pisar.

 

LESÕES CRÔNICAS:

Além das 3 situações citadas anteriormente, caso não tenha sido feita a cirurgia na fase aguda, existe uma quarta indicação:

  • Lesões grau 2 sintomáticas, que não tiveram melhora com fisioterapia.

O sintoma típico da lesão do LCP é a DOR PATELAR. Na falta do LCP, com a posteriorização da tíbia, ocorre um aumento da pressão de contato da patela contra o fêmur, levando a dor para descer escadas ou para ficar sentado com o joelho dobrado (dor do cinema).

 

Como é cirurgia do LCP?

É necessário um tendão para ser colocado dentro de túneis ósseos, atravessando o joelho, na posição onde ficava o LCP, ou seja, começando na parte anterior do côndilo medial do fêmur e terminando na parte posterior da tíbia proximal .

Esse tendão pode vir do próprio paciente ou de um doador.

Do próprio paciente, pode ser retirado de três locais: da pata-de-ganso, do tendão patelar ou do tendão quadricipital. Todos estes tendões são encontrados no próprio joelho lesado. Sua retirada causa pouca perda de força.

De doador, é retirado de pacientes com morte encefálica em UTIs,, quando a família decide doar os órgãos. Da mesma forma como se retira coração, fígado, rins, córnea, podemos retirar tendões. O mais usado é o tendão de Aquiles. O problema do doador é o risco de transmissão de doenças virais. Por isso o mais comum é usar o enxerto do próprio paciente.

Existem basicamente duas técnicas para reconstrução cirúrgica do LCP: a TRANSTIBIAL e a INLAY.

 

A CIRURGIA TRANSTIBIAL consiste em fazer um furo com uma broca, da frente para trás, na tíbia. O enxerto passa por dentro desse túnel. Chegando lá atrás do joelho, ele sai do túnel ósseo e vira pra dentr

Figura 5: tecnica transtibial. 

o da articulação, voltando por dentro do joelho até chegar na parte da frente do fêmur. Essa virada é perigosa. Os americanos a chamam de “KILLER TURN”, porque o osso é afiado e pode rasgar o enxerto. Além disso, a broca pode lesar a artéria poplítea, que passa atrás do joelho, podendo terminar até em amputação. A maioria dos ortopedistas usa esta técnica, porque dá para fazer com artroscopia, sem necessidade de “rasgar a pele”.

 

 

 

 

A CIRURGIA INLAY consiste em abrir o joelho por trás, na fossa poplítea, e colocar o enxerto direto por aí, evitando assim a virada, a “killer turn”. Outra vantagem é que não precisar furar a tíbia com uma broca, então tem muito menos chance de lesar a artéria. O problema é que abrir o joelho por trás requer treinamento especial, que a maioria dos ortopedistas não tem.

 

 

 

Figura 6: A tecnica inlay. 

 

A recuperação da cirurgia é sempre a mesma, para qualquer das técnicas. São seis semanas de tala ou gesso, com o joelho em extensão, sem dobrar. Nesse período é usado um par de muletas para não pisar. Depois começa a fisioterapia, que vai até os seis meses. Esse é o tempo que leva para o joelho ficar bom.

 

Os principais riscos da cirurgia do LCP são:

  • lesão da artéria poplítea. Se isso acontecer, a artéria precisa ser reparada imediatamente. Por isso, sempre se deve ter um especialista em cirurgia vascular de prontidão no centro cirúrgico no dia da cirurgia do LCP;
  • trombose venosa e embolia pulmonar. Por ser uma cirurgia trabalhosa e as vezes demorada, é indicado o uso de medicamentos para a prevenção da trombose e orientações para mobilização ativa precoce dos tornozelos;
  • infecção hospitalar. É muito raro, mas o hospital escolhido para realizar a cirurgia deve ter uma política ostensiva de prevenção de infecções;
  • rigidez articular. Devido ao tempo prolongado de imobilização, seis semanas, pode haver dificuldade de dobrar o joelho. Por isso a importância de um fisioterapeuta experiente durante toda a reabilitação;
  • Frouxidão do enxerto. O tendão pode lacear e no final uma gaveta posterior pode estar presente. Na verdade, gavetas grau 1 são comuns em cirurgias consideradas bem sucedidas. O que não pode é ficar uma gaveta grau 2 ou grau 3. Nesse caso é necessário re-operar.
  • complicações raras e complicações imprevisíveis podem ocorrer.

 

Alessandro Zorzi

Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

16 thoughts on “Ligamento Cruzado Posterior: quem é esse tal de LCP?

  • 27 de junho de 2019 em 21:02
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    Tenho uma lesão parcial do PCP mas os meus outros ligamentos estão conservados assim como os meniscos. Não sinto dor não tem inchaço e o joelho não está quente. Mas se escorrego ou desloco o joelho de fora pra dentro sinto um estalo dentro do joelho junto com uma dor. Nesse caso só fortalecimento e fisioterapia resolvem? Ou tenho que fazer cirurgia? Obrigado e boa noite

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    • 29 de junho de 2019 em 18:00
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      Prezado Everson, a lesão isolada do LCP em geral não requer cirurgia, a menos que existam outras lesões associadas, tais como meniscos. Também existe uma indicação cirúrgica tardia que é a lesão crônica sintomática que não melhora com exercícios. Mas isso depende de uma avaliação minuciosa.

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  • 24 de agosto de 2019 em 12:02
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    Tenho uma lesão isolada no LCP, porém a lesão enquadra-se como Gaveta Posterior grau 3. É necessário a cirurgia?

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    • 28 de agosto de 2019 em 10:08
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      Me enquadro nas mesma situação do Mauro Azevedo, não sinto dores, tenho uma vida normal, porém gostaria de continuar a praticar esporte ( Futebol ), quais as consequências que eu poderei estar sujeito por não realizar a cirurgia.

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      • 29 de agosto de 2019 em 13:01
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        Oi Wagner, se for uma lesão isolada do LCP, não tem problema. A cirurgia não é obrigatória. MASSSSSS! Dificilmente, diria até que é impossível uma lesão isolada causar uma gaveta grau 3 no exame clínico. Necessariamente teria que ter lesão associada do ligamento popliteo-fibular. E aí vira cirúrgico, porque se não você pode ter entorses de repetição e desenvolver artrose do joelho.

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  • 12 de setembro de 2019 em 13:59
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    Olá!
    eu rompi o ligamento cruzado posterior, do joelho direito
    O médico receitou 30 dias de tala imobilizadora e 20 sessões de fisioterapia.
    Devo fazer as sessões de fisioterapia durante o tempo que estou com a tala? Ou devo esperar passar os 30 dias da tala para iniciar a fisioterapia?

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  • 25 de novembro de 2019 em 20:42
    Permalink

    Olá eu fiz uma cirurgia de lcp em abril desse ano de 2019 e hoje 7 meses depois sinto dores atrás do joelho aparentando um nervo rasgando é uma dor horrível
    E gostaria de saber se é normal ou falta de fortalecimento.
    Obrigado!

    Resposta
  • 25 de novembro de 2019 em 20:43
    Permalink

    Olá eu fiz uma cirurgia de lcp em abril desse ano de 2019 e hoje 7 meses depois sinto dores atrás do joelho aparentando um nervo rasgando é uma dor horrível
    E gostaria de saber se é normal ou falta de fortalecimento.
    Obrigado!

    Resposta
  • 2 de abril de 2020 em 14:57
    Permalink

    Operei LCP tem 3 semanas, porém estou sentindo muita dos nas costas por estas o dia inteiro nas mesmas posições. Eu posso deitar de lado na hora de dormir?

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    • 20 de abril de 2020 em 17:51
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      Oi Gabriela, pode deitar de lado e até de barriga para baixo. Mas é bom um médico te examinar para ver se essa dor nas costas é só um mau jeito mesmo.

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  • 17 de fevereiro de 2021 em 23:33
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    Como realizar rx perfil joelhado 90° sobe TAT?

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    • 22 de fevereiro de 2021 em 15:13
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      Oi Adriano, tem muitas formas. A mais fácil é colocar uma cadeira e apoiar o joelho em cima.

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  • 20 de fevereiro de 2022 em 16:25
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    Boa tarde . Rompi meu LCP em 1997 em um acidente de moto com várias fraturas na perna . Um ano depois fiz a operação (grau 3) . Muito bem sucedida .Em 2020 tive chikugunha e consumiu praticamente quase toda minha cartilagem . É possível operar a artrose mesmo tendo um grau 1 de rompimento de?

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    • 21 de fevereiro de 2022 em 08:58
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      Oi Fatima, se eu entendi sua pergunta, você quer saber se é possível fazer uma prótese em uma pessoa que já rompeu o LCP. SIM, sem problemas. A protese substitui a função do ligamento.

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  • 23 de agosto de 2022 em 16:34
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    Tenho rotura total do LCP com lesão na cartilagem e as dores são esporádicas. Meu medo de realizar a cirurgia é o tendão que será retirado da coxa fazer falta futuramente, já que sou atleta de artes marciais e o medo de não fazer é gerar uma lesão mais grave no futuro. Não consigo analisar os prós e contras dessa decisão hehe.

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    • 13 de janeiro de 2023 em 19:20
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      Felipe, não tem o que pensar. O risco da retirada do enxerto é mínima. Muitos muitos muitos atletas fazem a cirurgia, inclusive de artes marciais. Não fazer a cirurgia é bem mais arriscado. Existe uma possibilidade, que é o uso de enxertos de bancos de tecidos.

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