8 Fatores de Risco para Ter Artrose no Joelho.

A artrose (também chamada de osteoartrite) é uma doença degenerativa que afeta a cartilagem articular, a sinóvia e os ossos adjacentes. Os joelhos são as articulações mais frequentemente afetadas, mas a doença pode ser sistêmica ou pode atingir muitas outras articulações. Na matéria anterior (leia em “A importância do Diagnóstico Precoce da Artrose” em https://www.blogs.unicamp.br/femurdistal/tag/artrose/), foi discutido a necessidade de iniciar o tratamento em fases iniciais ou se possível antes mesmo do aparecimento da doença. Para isso é necessário saber quem tem mais risco de desenvolver o problema.  Mas como saber quem tem risco de ter artrose? 

O aparecimento e a progressão da artrose de joelho pode ser influenciada por diversos fatores, mas faremos aqui uma lista com os top oito mais conhecidos:

A) Fatores Não Modificáveis:

  1. Idade avançada: A artrose é uma condição degenerativa das articulações que geralmente ocorre com o envelhecimento. Embora a causa exata da artrose não seja completamente compreendida, sabe-se que a idade é um dos principais fatores de risco. De acordo com uma revisão sistemática de 2006 publicada na revista Journal of Rheumatology, a prevalência de artrose de joelho em adultos com mais de 40 anos é estimada em cerca de 19%, e aumenta para cerca de 37% em adultos com mais de 60 anos, praticamente o dobro. À medida que envelhecemos, nossas articulações passam por mudanças naturais, como o desgaste das cartilagens que revestem as extremidades dos ossos (senescência celular dos condrócitos), a diminuição da produção de líquido sinovial (um líquido que lubrifica as articulações) e a perda de elasticidade dos ligamentos e tendões que ajudam a manter as articulações estáveis. Além da perda de força por sarcopenia é claro. Essas mudanças podem tornar as articulações mais suscetíveis a danos e lesões. Além disso, outros fatores de risco associados à artrose, como obesidade, lesões articulares e certas condições médicas, também tendem a ser mais comuns em pessoas mais velhas. Portanto, embora a idade avançada por si só não seja a única causa da artrose, ela está fortemente associada a um maior risco de desenvolver a condição.
  1. Sexo Feminino: As mulheres têm uma maior probabilidade de desenvolver a artrose de joelho do que os homens, especialmente após a menopausa.A menopausa é um período de grandes mudanças hormonais na vida de uma mulher. Estudos sugerem que o estrogênio, um hormônio sexual feminino, desempenha um papel importante na manutenção da saúde das articulações. O estrogênio ajuda a proteger a cartilagem articular, reduzindo a inflamação e promovendo a produção de colágeno, uma proteína importante na estrutura da cartilagem. Durante a menopausa, os níveis de estrogênio diminuem significativamente, o que pode levar a uma diminuição na proteção da cartilagem articular. Além disso, a menopausa também está associada a uma série de outros fatores de risco para a osteoartrite de joelho, incluindo aumento de peso e diminuição da densidade óssea. O aumento de peso coloca uma pressão extra nas articulações, enquanto a diminuição da densidade óssea pode tornar os ossos mais suscetíveis a danos e lesões.
  1. Histórico familiar: Se houver casos de artrose de joelho na família, há uma maior probabilidade de desenvolver a doença. Principalmente a forma sistêmica conhecida como Osteoartrite Primária Generalizada, que costuma afetar também as mãos e produzir caroços nas articulações dos dedos, conhecidos como nódulos de Heberden e nódulos de Bouchard. 
Figura: Mão com artrose, apresentando os sinais típicos – nódulo de Heberden , nódulo de Bouchard e Rizartrose na base do polegar (CMC Joint ou em português, articulação trapézio metacárpica).

A osteoartrite (OA) é uma condição multifatorial e estudos genéticos sugerem que vários genes podem estar envolvidos na predisposição genética à doença. Os estudos de genética identificaram vários genes que parecem estar associados ao risco de OA generalizada, incluindo:

3.1) GDF5: este gene codifica uma proteína chamada fator de crescimento de diferenciação 5, que está envolvida na formação e regeneração da cartilagem. As variantes comuns em GDF5 foram associadas a um risco reduzido de OA do joelho e da mão, mas um risco aumentado de OA do quadril.

3.2)  FRZB: este gene codifica uma proteína chamada proteína relacionada a frizzled-b, que desempenha um papel na formação e manutenção da cartilagem articular. Variantes comuns em FRZB foram associadas a um risco aumentado de OA do joelho.

3.3)  ASPN: este gene codifica uma proteína chamada asprolisina, que está envolvida na formação e manutenção da cartilagem articular. Variantes em ASPN foram associadas a um risco aumentado de OA do joelho e da mão.

3.4) COL2A1: este gene codifica uma proteína chamada colágeno tipo II, que é um componente importante da cartilagem articular. Variantes raras em COL2A1 foram associadas a um risco aumentado de OA generalizada.

3.5) CALM1: este gene codifica uma proteína chamada calmodulina, que regula a atividade de várias enzimas envolvidas na formação e manutenção da cartilagem articular. Variantes em CALM1 foram associadas a um risco aumentado de OA do joelho.

 

B) Fatores Modificáveis:

  1. Obesidade: Fatores como idade, sexo e histórico familiar não podem ser alterados. Mas aqui começamos a falar de fatores ligados principalmente ao estilo de vida e a hábitos pouco saudáveis. Quando uma pessoa está acima do peso, isso coloca uma pressão adicional sobre as articulações, especialmente os joelhos, que são responsáveis por suportar todo o peso do corpo durante atividades como caminhar, subir escadas e correr. Esse estresse extra pode acelerar o desgaste da cartilagem, o que pode levar a uma artrose mais grave e progressiva. 

Além disso, a obesidade também pode aumentar a inflamação nas articulações, o que pode piorar a dor e a rigidez associadas à artrose. A obesidade pode aumentar a inflamação nas articulações de várias maneiras. Uma delas é através da produção de adipocinas, que são substâncias produzidas pelas células adiposas ou de gordura. Algumas adipocinas, como a leptina e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), podem aumentar a inflamação nas articulações. A leptina, por exemplo, é um hormônio que regula o apetite e o metabolismo, mas também pode desencadear uma resposta inflamatória. Em pessoas obesas, a quantidade de leptina produzida pelo tecido adiposo é aumentada, o que pode levar a uma inflamação crônica e de baixo grau. O TNF-α é uma proteína produzida pelas células do sistema imunológico que desempenha um papel importante na regulação da inflamação. No entanto, em pessoas obesas, os níveis de TNF-α podem ser aumentados, o que pode levar a uma inflamação crônica. Além disso, a obesidade também pode aumentar a produção de moléculas inflamatórias, como a interleucina-6 (IL-6) e o fator de necrose tumoral beta (TNF-β), que contribuem para a inflamação nas articulações. A inflamação crônica pode contribuir para a progressão da artrose, causando danos à cartilagem e levando a sintomas como dor, inchaço e rigidez nas articulações. Por isso, é importante manter um peso saudável e adotar um estilo de vida ativo para reduzir a inflamação nas articulações e prevenir a progressão da artrose.A perda de peso pode ajudar a reduzir a pressão nas articulações do joelho e diminuir a progressão da artrose. 

Um estudo realizado na Unicamp em 2018 descobriu que há prevalência de 90,1% de sintomas dolorosos nos pacientes obesos mórbidos encaminhados para cirurgia bariátrica. A prevalência de osteoartrite dos joelhos nesses obesos foi de 63,1% e a dos quadris foi de 40,8%. Muito acima da população geral. 

 

  1. Outras condições médicas: Algumas condições médicas podem aumentar o risco de desenvolver a artrose de joelho:

 

5.1) Doenças articulares inflamatórias: condições como artrite reumatoide, gota, pseudogota, artrite psoriática, lúpus e hemofilia podem danificar a cartilagem nas articulações. Embora o padrão de destruição articular seja distinto, podemos considerar toda destruição avançada de uma articulação como um tipo de artrose secundária. 

5.2) Diabetes: o diabetes pode aumentar o risco de artrose, possivelmente devido ao aumento do estresse oxidativo nas articulações.

5.3) Deficiências nutricionais: a falta de certos nutrientes, como vitamina D ou cálcio, pode aumentar o risco de artrose.

5.4) Hipotireoidismo: O hipotireoidismo é uma condição na qual a glândula tireoide não produz hormônios suficientes, o que pode levar a vários problemas de saúde. Um dos efeitos do hipotireoidismo é a diminuição do metabolismo, o que pode afetar a saúde das cartilagens. Com o hipotireoidismo, a diminuição do metabolismo reduz a síntese de colágeno e proteoglicanos, que são componentes importantes da cartilagem. Além disso, o hipotireoidismo também pode levar a um aumento dos níveis de uma proteína chamada de metaloproteinases de matriz (MMPs), que são responsáveis ​​por quebrar a matriz da cartilagem. O aumento dos níveis de MMPs pode contribuir para a perda de cartilagem e piora dos sintomas da osteoartrite.

5.5) Sarcopenia: é uma condição médica que se caracteriza pela perda gradual e progressiva da massa muscular e da força muscular relacionada à idade. A sarcopenia é uma consequência natural do envelhecimento, mas pode ser agravada por fatores como inatividade física, doenças crônicas, má alimentação, entre outros. A sarcopenia é mais comum em pessoas com mais de 50 anos e pode levar a uma série de complicações de saúde, incluindo fraqueza muscular, diminuição da mobilidade, maior risco de quedas e fraturas, incapacidade de realizar atividades cotidianas e menor qualidade de vida em geral. Falaremos mais sobre a sarcopenia numa próxima matéria que será publicada em breve. 

 

  1. Lesões articulares anteriores: Lesões no joelho, como fraturas ou rupturas ligamentares, podem aumentar o risco de desenvolver a artrose de joelho no futuro. As lesões articulares anteriores podem aumentar o risco de artrose por várias razões. Quando uma articulação é lesionada, o tecido da cartilagem que cobre as extremidades dos ossos pode ser danificado, levando a uma perda da sua superfície lisa e à diminuição da sua capacidade de absorver choques. Além disso, a lesão pode afetar outros componentes da articulação, como ligamentos, tendões e músculos, o que pode alterar a biomecânica normal da articulação e aumentar o estresse sobre a cartilagem. A inflamação que ocorre após uma lesão também pode contribuir para o risco de artrose. A inflamação crônica pode danificar a cartilagem, aumentar a produção de enzimas que quebram a cartilagem e diminuir a produção de substâncias que a mantêm saudável. Por fim, lesões articulares anteriores podem levar a instabilidade da articulação, o que pode aumentar ainda mais o risco de artrose. A instabilidade pode resultar em desgaste excessivo nas superfícies articulares, desalinhamento dos ossos da articulação e aumento do estresse sobre a cartilagem. Em resumo, as lesões articulares anteriores podem aumentar o risco de artrose, tanto por danificar diretamente a cartilagem quanto por alterar a biomecânica normal da articulação e aumentar a inflamação.

Dentre as lesões prévias, devemos destacar a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA), pela sua alta incidência. É uma das lesões esportivas mais frequentes e mais conhecidas. Ela pode aumentar significativamente o risco de artrose no joelho. Vários estudos têm sugerido que a lesão do LCA pode aumentar o risco de artrose em até 50% em relação a pessoas sem lesão do LCA.A razão pela qual a lesão do LCA pode aumentar o risco de artrose é que a lesão pode causar instabilidade na articulação do joelho, o que pode levar a uma sobrecarga nas superfícies articulares. A sobrecarga pode desencadear a degeneração da cartilagem articular, levando eventualmente à artrose.Além disso, a lesão do LCA também pode causar lesões secundárias em outras estruturas articulares, como meniscos e cartilagem articular, o que pode contribuir para o desenvolvimento de artrose.É importante ressaltar que o risco de artrose após a lesão do LCA varia de acordo com diversos fatores, como a idade do paciente, o grau de lesão do LCA, a presença de outras lesões associadas e o tratamento realizado após a lesão. É essencial que as pessoas que sofreram lesão do LCA procurem um médico especializado para avaliação e tratamento adequado, a fim de minimizar o risco de complicações a longo prazo, como a artrose. Também é importante ressaltar que ainda não foi demonstrado que a cirurgia para reconstrução do LCA consiga reduzir o risco do aparecimento de artrose.

 

  1. Defeitos anatômicos: Certas deformidades, como joelho varo (pernas arqueadas) ou joelho valgo (joelhos em “X”), podem causar distribuição assimétrica da carga nas articulações do joelho e contribuir para a progressão da artrose. A displasia da tróclea, a patela alta e a lateralização acentuada da tuberosidade da tíbia são deformidades associadas com o desenvolvimento de artrose patelo-femoral e dor na parte da frente do joelho. Já falamos um pouco sobre deformidades do joelho na matéria “Minha Filha tem a Perna Torta?” (Leia em https://www.blogs.unicamp.br/femurdistal/2017/01/16/minha-filha-tem-perna-torta-parte-1/). 
  1. Atividades repetitivas: Atividades que exigem movimentos repetitivos do joelho, como agachamentos ou corrida, podem aumentar o risco de desenvolver a artrose de joelho. Principalmente atividades de alto impacto. Entretanto, existe uma atividade repetitiva negligenciada: o trabalho com telas. Hoje em dia as pessoas passam horas sentadas e imóveis trabalhando em casa ou nos escritórios, com o olhar fixo em uma tela de computador. Absorvidas em seu trabalho, perdem a consciência corporal e mantem as articulações imóveis em posições não funcionais por horas, gerando dores e lesões cada vez mais prevalentes. O sedentarismo é tão ou mais vilão que as atividades de alto impacto. Além disso, embora o senso comum diga que esportes como a corrida são deletérios para as articulações, a ciência não apoia esta visão. Voltaremos a este tema polêmico na próxima matéria do blog. 

É importante destacar que a presença desses fatores de risco não necessariamente leva à progressão da artrose de joelho. No entanto, esses fatores podem aumentar a probabilidade de desenvolver a doença ou acelerar sua progressão. É importante conversar com um médico para determinar o risco individual e estabelecer um plano de tratamento apropriado.

 

 

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Alessandro Zorzi

Médico ortopedista e pesquisador na UNICAMP e no Hospital Albert Einstein, com mestrado e doutorado em ciências da cirurgia pela UNICAMP e especialização em pesquisa clínica pela Harvard Medical School.

5 thoughts on “8 Fatores de Risco para Ter Artrose no Joelho.

  • 6 de março de 2023 em 11:51
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    Tenho hipotireoidismo de Hashimoto e algum reumatismo autoimune (que a médica não nomeou). Na primeira crise, um dos joelhos foi bastante afetado e tive uma bursite. Tenho pernas arqueadas. Aguardando o próximo texto, visto que comecei a fazer academia.

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    • 11 de março de 2023 em 17:22
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      Boa Paulo, parabéns por começar a academia. Logo sai o próxima matéria falando mais sobre atividade física.

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  • 9 de março de 2023 em 06:12
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    Excelente artigo. Parabéns!
    As doenças osteoarticulares são muito prevalentes na clínica, principalmente em obesos, sedentários, diabéticos e idosos. A prevenção para mudança de estilo de vida de toda a população, não somente a população de risco, pode contribuir com a diminuição desta prevalência.

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  • 4 de julho de 2023 em 08:26
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    Bom dia, professor Alessandro!

    Tenho artrose nos joelhos e gostaria de saber se o senhor tem informações sobre estudos com células tronco para a criação e recomposição da cartilagem do joelho?
    Muito obrigado!

    Luiz

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    • 12 de julho de 2023 em 20:00
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      Olá Luiz, sim. Existem muitas pesquisas em andamento sobre o uso da terapia celular para o tratamento da artrose.

      Resposta

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