As reviravoltas em torno de KIC 8462852

TabbyStar
Concepção artística de KIC 8462852 segundo a hipótese da nuvem de cometas

Nos últimos meses uma estrela tem causado polêmica na comunidade astronômica e vem sendo reportada com estardalhaço na mídia. KIC 8462852 é o nome da estrela que se tornou alvo de especulações quando uma astrônoma revelou seu padrão de luminosidade, considerado irregular e inexplicável. Não demorou muito para aparecer uma hipótese de que o comportamento do astro fosse reflexo da presença de uma civilização extraterrestre bastante avançada em suas imediações. Pesquisas mais recentes mostram que não é para tanto.

Situada na constelação do Cisne, KIC 8462852 é uma estrela do tipo F, ligeiramente maior e mais quente que o Sol. Esse astro parecia bastante banal até setembro do ano passado, quando uma astrônoma da Universidade de Yale, Tabetha “Tabby” Boyajian publicou um estudo sobre ele numa plataforma de pré-publicação [1]. No artigo, Boyajian e seus colegas descreviam o caso de flutuações luminosas incomuns encontradas por “caçadores de planetas” quando miravam KIC 8462852. Os tais “caçadores de planetas” nada mais eram amadores que reviravam os dados de telescópio espacial Kepler em busca da glória de encontrar um exoplaneta.

Até aqui, nada de incomum: astrônomos amadores já encontraram planetas ao minerar dados do Kepler e as flutuações luminosas são um indício bastante comum. No entanto, eram as próprias variações de luminosidade de KIC 8462852 que fugiam do comum. Os caçadores de planeta começaram a mirar essa estrela em 2009, quando encontraram uma queda de 1% de luminosidade, o que seria compatível com a presença de um planeta do tamanho de Júpiter. Parecia promissor, mas o que viram era uma variação assimétrica, incompatível com a passagem de um planeta. Era mais provável que fossem objetos irregulares, como cometas.

Dois anos se passaram sem variações na luz da KIC 8462852. De repente, houve uma queda de 15% durante uma semana. Outros dois anos se passaram sem nada até que em 2013 foi registrada uma série complexa de flutuações. A mais estranha dessas flutuações eram quedas de intensidade de luz que foram registradas ao longo de um período de 100 dias, o que parecia indicar um grande número de objetos em trânsito ao redor da estrela, que passou a ser conhecida como “Estrela de Tabby”. De acordo com Boyajian, para esse efeito seria necessário um objeto com 1000 vezes a área da Terra para transitando diante da estrela.

Ainda em outubro, o que era um enigma para a comunidade astronômica viralizou na mídia. O que chamou a atenção de jornalistas e blogueiros foi outro estudo sobre KIC 8462852, dessa fez realizado por astrônomos ligados à Pennsylvania State University [2]. No paper, que também foi pré-publicado e acabou sendo publicado em janeiro, Jason T. Wright et al. descreviam a “bizarra curva de luz” da estrela como “consistente com” um enxame de megaestruturas de origem alienígena.

dyson
A Estrela de Tabby é imaginada aqui como cercada por um conjunto de anéis de Dyson

A hipótese de termos encontrado um anel, uma concha ou mesmo uma esfera de Dyson em construção era muito tentadora. Até mesmo para o SETI, que focalizou a Estrela de Tabby com seu Alien Telescope Array na tentativa de detectar qualquer sinal de rádio que pudesse confirmar a presença de uma civilização extraterrestre. Em novembro, o SETI divulgou o resultado de suas observações, concluindo que “não há evidências” de sinais de origem artificial.

choque-planetário
Outra possibilidade para KIC 8462852: uma nuvem de poeria após o choque entre dois ou mais planetas.

Explicações puramente físicas começaram a surgir. KIC 8462852 poderia estar cercada de uma imensa nuvem de cometas, fragmentos de uma colisão entre dois ou mais planetas ou então sua luminosidade estaria sendo afetada pela passagem de outro tipo de nuvem — nuvens de poeira interestelar situadas entre nós e aquela estrela estranha. Em janeiro, o interesse na estrela de Tabby e na especulação sobre ETs superavançados já começava a perder o brilho quando Bradley E. Schaefer, um astrônomo da Louisiana State University (LSU) lhe deu novo fôlego em outro artigo pré-publicado [3].

KIC
O que a gente realmente pode ver de KIC 8462852 é o pontinho indicado na imagem

Para o Schaefer, o brilho de KIC 8462852 era ainda mais esquisito, pois teria diminuído 20% entre 1890 e 1989. As evidências estariam em chapas fotográficas registradas pela Universidade de Harvard ao longo do século XX. Novamente, não havia como explicar essa intensa flutuação em termos naturais. A especulação sobre os ETs superavançados ganhou força: tamanha queda de luminosidade só poderia ser reflexo de um programa secular de construção de megaestruturas em torno da Estrela de Tabby. Apesar da polêmica, o estudo de Schaefer foi aceito para publicação no Astrophysical Journal.

No entanto, outro estudo (também pré-publicado e recém-aceito pelo Astrophysical Journal) [4] analisou os mesmos dados e chegou a uma conclusão oposta (e bem mais pé-no-chão). Quando o artigo da LSU apareceu na plataforma arXiv, o doutorando Michael Lund, da Universidade Vanderbilt, ficou com um pé atrás justamente pela fonte dos dados, o Digital Access to a Sky Century @ Harvard (DASCH). O DASCH, que está sendo digitalizado, é uma coleção de mais de 500 mil placas fotográficas registradas por astrônomos de Harvard entre 1885 e 1993. Lund percebeu que o aparente escurecimento centenário da Estrela de Tabby poderia muito bem ser resultado do uso de diferentes telescópios e câmeras ao longo de um século. Também seria questionável a própria qualidade dos filmes e chapas armazenados por tanto tempo.

reading-surprise
Reação de Lund ao encontrar o artigo de Schaefer.

Preocupado, Lund procurou a ajuda de seu orientador, Keivan Stassun, professor de Física e Astronomia em Vanderbilt. Juntos, eles buscaram a colaboração do astrônomo Joshua Pepper, da Universidade Lehigh. A primeira coisa que esse trio de astrônomos descobriu foi que dois pesquisadores — Daniel Angerhausen, da NASA e o astrônomo amador alemão Michael Hippke — já estavam conduzindo uma linha de pesquisa parecida. Os dois grupos resolveram juntar seus esforços e colaboraram no artigo submetido à Astrophysical Journal.

“Sempre que você está fazendo pesquisa em arquivos, que combinam diferentes fontes de informação,” — explicou Stassun ao Phys.org — “você deve levar em conta os limites de precisão dos dados”. Stassun e seus colegas analisaram diversas estrelas do tipo F no banco de dados DASCH e descobriram que muitas delas também sofreram uma queda similar em intensidade luminosa nos anos 1960. Essa variação, segundo os autores, foi causada por mudanças na instrumentação utilizada e não por flutuações de brilho intrínsecas.

Seria possível que os dados do Kepler também estivessem bugados de alguma forma? É difícil saber, porque agora o telescópio espacial está voltado para outra região do céu e KIC 8462852 saiu de sua linha de visão. No fim, o escândalo midiático em torno da estrela pode servir para alguma coisa. Milhares de astrônomos amadores continuam a observá-la e as imagens dessas observações estão sendo reunidas pela American Association of Variable Star Observers, o que deve permitir futuras análises e, quem sabe, mais reviravoltas.

Reviravoltas, digo, Referências

rb2_large_gray251. T. S. BOYAJAN et. al. Planet Hunters X. KIC 8462852 – Where’s the Flux? [Caçadores de Planetas vs. KIC 8462852 – Onde está o fluxo?]. arXiv:1509.03622 [astro-ph.SR]. Submitted on 11 Sep 2015.

2. Jason T. WRIGHT et. al. The Search for Extraterrestrial Civilizations with Large Energy Supplies. IV. The Signatures and Information Content of Transiting Megastructures [A Busca por Civilizações Extraterrestres com Grandes Fontes de Energia. IV. As assinaturas e conteúdos de informação de megaestruturas em trânsito]. arXiv:1510.04606 [astro-ph.EP]. Submitted on 15 Oct 2015.

3. Bradley E. SCHAEFER. KIC 8462852 Faded at an Average Rate of 0.165+-0.013 Magnitudes Per Century From 1890 To 1989 [KIC 8462852 enfraqueceu a uma taxa média de 0.165+-0.013 magnitudes por século entre 1890 e 1989]. arXiv:1601.03256 [astro-ph.SR]. Submitted on 13 Jan 2016

4. Michael HIPPKE et. al. A statistical analysis of the accuracy of the digitized magnitudes of photometric plates on the time scale of decades with an application to the century-long light curve of KIC 8462852 [Uma análise estatística da acurácia de magnitudes de placas fotométricas em escala de décadas e digitalizadas, com aplicação à curva de luz centenária de KIC 8462852]. arXiv:1601.07314 [astro-ph.EP]. Submitted on 27 Jan 2016

chevron_left
chevron_right

Join the conversation

comment 1 comment
  • Tel U

    Espero que esteja tudo bem... um artigo que fornece muitas informações sobre o espaço sideral

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Comment
Name
Email
Website