O que andei vendo no Netflix em abril

Abril foi um mês em que o mestrado começou a me exigir bastante atenção mas mesmo assim consegui arranjar tempo para assistir documentários sobre calçados, os filhos da talidomida, a poluição oceânica, animais fofos, o encontro entre dois grandes cientistas e saga de cinco famosos cineastas na II Guerra Mundial.

Sneakerheadz (69 min., 2015) — Para a maioria das pessoas, tênis nada mais são do que calçados de couro, camurça ou lona com um solado de borracha. Bastam um ou dois pares, usados à exaustão. Para os sneakerheadz ou tênis-maníacos, tênis são bem mais que isso. São um objeto de desejo, de consumo, de coleção, como obras de arte. São um meio de afirmar a identidade perante o grupo de amigos. Ou são um meio de ganhar a vida. Situado na intersecção entre música, esportes e cultura pop, o submundo dos tênis nasceu nos EUA em algum momento dos anos 80 e explodiu nas décadas seguintes, alcançando lugares e culturas tão distantes quanto o Japão. Mas afinal, como surge essa paixão? O que leva as pessoas a caçar edições limitadas, colaborações e acumular dezenas, centenas, milhares de caixas de sapatos com calçados muitas vezes jamais usados? Seria uma obsessão, uma forma específica de transtorno de acumulação? Atletas, designer, rappers, psicólogos e economistas respondem a essas e outras perguntas no documentário de David T. Friendly e Mick Partridge, narrado pelo DJ Skee. Além de contar a história de alguns modelos, o filme também apresenta a histórias trágicas como os casos de violência associada ao lançamento dos modelos mais cobiçados (nos quais pessoas acabam pisoteadas e até mortas) ou inspiradoras, como a do ex-sem-teto que virou revendedor conceituado no Japão e a do hospital oncológico infantil que oferece aos seus pacientes a oportunidade de desenhar e produzir seus próprios modelos.


In their shoes (93 min., 2015) — Do outro lado do mundo, em Agra, na Índia, também não faltam calçados. Mas lá a situação não é tão brilhante nem tão rica. É o que mostra o cineasta Atul Sabharwal, que busca compreender porque seu pai, um calçadista, sempre o desencorajou de seguir nos negócios da família. Guiado pelo pai, Sabharwal visita a zona tradicional do calçado de Agra, onde faz entrevistas em um Mercado Central de Calçados quase arruinado, lojas mantidas por velhos e atulhadas de calçados e acessórios mas sem clientes, oficinas sombrias onde ainda se fazem sapatos de couro à mão, curtumes e fábricas de cera à beira da falência. Como as coisas terminaram assim nesta que foi a capital nacional do calçado na Índia? O declínio lento porém constante dessa indústria passa por momentos históricos como a partição da Índia britânica, o ciclo de exportações para a URSS e o Leste Europeu nos anos 60 e 70, as crises de liberalização, exportação de couro e mão-de-obra dos anos 90 e a ascensão do couro sintético no começo do século XXI. Enquanto as grandes firmas de exportação de calçados são protegidas pelo governo e fazem feiras glamourosas em hotéis chiques, as oficinas artesanais e os pequenos lojistas — como o pai de Sabharwal — estão morrendo aos poucos.


Attacking the Devil (101 min., 2014) — Qual foi o maior desastre causado por negligência industrial? O naufrágio do Titanic? O acidente nuclear de Chernobyl? Passado meio século, pouca gente se lembra da tragédia da talidomida, que matou ou mutilou centenas de milhares de bebês. Dirigido por David e Jacqui Morris, este documentário busca resgatar o caso da talidomida no Reino Unido. O foco, porém, não está nas crianças deformadas — agora adultas de meia-idade — e sim do senhor — já grisalho — que trabalhou incansavelmente durante dez anos para dar voz e uma indenização decente aos “filhos da talidomida”. O nome deste homem é Harold Evans e ele é jornalista e editor. Ao longo de uma década, ele e seus colaboradores do Northern Echo e do Sunday Times lutaram contra uma indústria farmacêutica e o próprio sistema judicial britânico para expor à sociedade os efeitos da talidomida, suas causas e suas origens. Essa história é contada por meio de imagens de arquivo e entrevistas com os envolvidos: os jornalistas mas também os pais e as crianças afetadas. A luta de Evans rendeu não apenas a indenização almejada pelas famílias mas também abriu um precedente que trouxe maior liberdade para os jornalistas investigativos do Reino Unido, então limitados por uma das leis de imprensa mais rígidas da Europa Ocidental. No fim, Evans reflete quais devem ser as qualidades de um bom editor e o documentário apresenta evidências que, embora não sejam conclusivas, ligam o desenvolvimento da talidomida aos campos de concentração da Alemanha Nazista.


Oceanos de Plástico (100 min., 2016) — Com uma epígrafe de Moby Dick e uma abertura com registros das buscas por baleias-azuis, é de se pensar se o título desde documentário, dirigido pelo jornalista e surfista australiano Craig Leeson não estaria errado. Infelizmente, porém, o título está correto: o plástico não tarda a aparecer a alguns quilômetros da área de buscas da baleia-azul, a poucos quilômetros do Sri-Lanka. Atropelado pela realidade dessa forma, o que era pra ser mais um documentário sobre vida selvagem transforma-se num filme em que a mergulhadora Tanya Streeter apresenta, com ajuda de ambientalistas, ecologistas, ecotoxicologistas, oceanógrafos e outros cientistas os inúmeros impactos da poluição por plásticos no ambiente marinho. Engana-se quem pensa que esse é apenas um problema superficial, pois amostras de plástico têm sido encontradas a centenas ou milhares de metros de profundidade. Embora a situação seja mais grave nos Oceanos Índico e Pacífico, o problema dos plásticos no mar é global: da ilha atulhada por lixo no Pacífico à Antártica, passando pelo acidente que derramou milhões de bolinhas de plástico nas costas de Hong Kong e as tartarugas e golfinhos afetados pelo plástico na Itália. O mais chocante, porém, é descobrir aves marinhas e até baleias com o estômago tão atulhado de plásticos que acabam morrendo graças ao bloqueio do sistema digestivo. Outra grande ameaça à vida marinha são os micro-plásticos — presentes, por exemplo, nos cosméticos com “micro-esferas”. Essa plástico particulado cria uma névoa da qual é praticamente impossível evitar a ingestão, especialmente para os seres que consomem micro-organismos como zoo- e fitoplânctons. A situação é desesperadora – em algumas áreas já há mais plásticos que plânctons — mas o que podemos fazer? Algumas iniciativas e técnicas de reciclagem, das mais simples às mais sofisticadas são apresentadas. No entanto, a maneira mais simples de lidar com um problema do tamanho do oceano pode ser começar a evitar o uso de plásticos ou deixar de vê-lo como um material de uso único, descartável. No fim, após uma participação especialíssima de Sir David Attenborough, fica um questionamento: o que nos diriam as baleias-azuis se pudessem se comunicar conosco?



Jane & Payne (53 min., 2016) — Ela está sempre viajando, ele está sempre no mesmo lugar. Ela é da floresta, ele é do mar. Ela revolucionou nossa compreensão dos primatas, ele mudou nosso entendimento sobre as baleias. Ela é a primatóloga Jane Goodall e ele, o especialista em baleias Roger Payne. Ambos se admiram há décadas, mas só foram se encontrar aos 80 anos — e este documentário é o registro desse encontro, ocorrido na casa de Payne no litoral da Patagônia por intermédio dos documentaristas argentinos Boy Olmi e Dylan Williams, admiradores dos dois cientistas. Em meio a um bate-papo sobre problemas como poluição, acidificação dos oceanos, nosso papel como agentes da mudança climática e a responsabilidade de grandes empresas e de pequenas atitudes, Jane e Payne comem, bebem e aprendem um com o outro. Nem tudo é conversa científica, porém: ela revela seu lado brincalhão às vezes; ele mostra sua face musical e ambos lembram da importância de não separar cérebro do coração nem ciência da arte.


Séries documentais

Five came back (2017) — John Ford. John Huston. Frank Capra. William Wyler. George Stevens. Eles eram os cinco principais cineastas de Hollywood no fim dos anos 1930. Como aconteceu com milhões de outros homens, a II Guerra Mundial interrompeu suas carreiras quando eles foram convocados ou se alistaram às forças armadas dos EUA. Em três episódios (cerca de 1h cada), esse épico documentário exclusivo da Netflix conta como cinco cineastas sem experiência em documentário se envolveram na guerra, como tiveram que se adaptar às condições imprevisíveis dos campos de batalha e como, mais tarde, tiveram que se readaptar ao mundo pós-guerra depois de terem testemunhado as atrocidades que ocorreram no Pacífico, nas praias da Normandia, nas serras da Itália, nos céus e nos campos de concentração da Alemanha. O impacto, os bastidores e as diferenças de abordagem dos 13 documentários realizados por esses diretores (também disponíveis na Netflix, mas que eu ainda não tive tempo de ver) são discutidos por cineastas do calibre de Francis Ford Coppola, Guillermo del Toro, Paul Greengrass, Lawrence Kasdan e Steven Spielberg, que também é um dos produtores desta série, baseada em livro homônimo escrito pelo jornalista Mark Harris. Com narração original de Merryl Streep, Five came back também conta com imagens de arquivo, cenas dos documentários citados (inclusive as cortadas), trechos de jornais, diários e entrevistas feitas após a guerra com os diretores apresentados.


72 cutest animals (2016) — Que gatos e cachorros são fofos todo mundo concorda. Mas e quanto a sapos, baleias, ursos-pardos, antas, rinocerontes, tartarugas e outros animais selvagens? Embora a fofura seja bastante subjetiva, essa produção da TV australiana ABC de 12 episódios (cerca de 27 min. cada) faz um esforço decente para apresentar o aspecto adorável de animais que nem sempre são lembrados por isso. De maneira similar a 72 dangerous places to live, a lista apresenta-se de maneira alinear, um tanto caótica mesmo. No entanto, não deixa de ser uma diversão leve e (se relevarmos alguns defeitos da versão dublada) pode ser uma boa porta para as crianças entrarem no mundo dos documentários.

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