40 anos do IEL – Uma história do Instituto de Estudos da Linguagem

A existência de um Instituto de Estudos da Linguagem – IEL na Unicamp e não de uma Faculdade de Letras tem uma história interessante. Ela remonta ao ano de 1968, com a aprovação da “Proposta de Criação de um Grupo de Linguística no Instituto de Ciências Humanas”, assinada pelo professor Fausto Castilho, coordenador do Instituto de Ciências Humanas, e o professor Rubens Murillo Marques, coordenador do Instituto de Matemática.

Na referida proposta, a linguística era considerada uma disciplina que tinha uma metodologia adquirida pelo caminho da matematização, o que conferia a ela o estatuto de ciência: a ciência piloto das ciências humanas. Ao lado disso, a linguística também era considerada como uma disciplina facilitadora do trabalho interdisciplinar com os demais Institutos e Faculdades da universidade. E, ao mesmo tempo, a Proposta também falava de um Centro de Linguística Aplicada, que ofereceria disciplinas de línguas para os alunos de todos os cursos da universidade.

O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas foi o primeiro lugar institucional do Departamento de Linguística e também do Centro de Linguística Aplicada. O Departamento de Linguística contava com a colaboração de pesquisadores das áreas da filosofia, da antropologia, da sociologia e da matemática, foi composto por literatos e professores de língua da USP com especialização em Linguística na França e, logo depois, também por linguistas vindos das mais diferentes áreas, tanto de universidades do Brasil, quanto do exterior. E o Centro de Linguística Aplicada foi composto por docentes que se dedicavam ao ensino e pesquisa de línguas.

Também é interessante notar que estava previsto um Instituto de Letras – IL nos Estatutos da universidade, baixados em 1969, mas que nunca saiu do papel com este nome. Isso se deve ao fato de que o reitor Zeferino Vaz havia convidado o prof. Antonio Candido de Mello e Souza para coordenar o IL, mas este não aceitou os primeiros convites que lhe foram feitos. Há um belo relato dessa história feito pelo próprio Antonio Candido, por ocasião de seu discurso de recebimento do título de Doutor Honoris Causa pela Unicamp, em 1987. Com uma reflexão sobre o empenho conjunto de diversos professores de Linguística e Teoria Literária na criação de um instituto diferente de um Instituto de Letras tradicional, Antonio Candido conta:

Zeferino Vaz me havia convidado mais de uma vez para iniciar o Instituto de Letras, afirmando que não o começaria enquanto eu não aceitasse o encargo. Mas eu recusei cordialmente duas vezes, a despeito da estima que nos unia e da minha admiração pela sua obra notável no campo da organização universitária. É que nunca me senti qualificado para esse tipo de tarefa. No entanto, mantive desde cedo contato com a Unicamp, de um modo ou de outro, e contribuí para formar o núcleo inicial de Teoria Literária, assumindo o compromisso de assessorá-lo, no quadro do Departamento de Linguística do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas” (SCHWARZ, Org., 1989, p.  27)

Em agosto de 1974, alguns anos após o início do funcionamento do Departamento de Linguística no IFCH, a Unicamp recebeu uma proposta de criação de um Instituto de Letras vinda de um membro do Conselho Estadual de Educação. Essa proposta, feita nos moldes tradicionais de estudos de língua e literatura, conflitava com os projetos de um novo Instituto pretendidos pelos próprios linguistas e literatos do IFCH. A esse respeito, Antonio Candido, em seu discurso, observa:

Os meus amigos perceberam então que os nossos projetos não vingariam, e que seria criada uma Faculdade do tipo que eu chamava brincando de “tênia solitária”, isto é, formada por segmentos acrescentáveis e descartáveis à vontade, resultando em longas fitas universitárias de dimensão anódina e imprevisível. Então, Carlos Vogt me expôs a situação e praticamente me levou a aceitar o encargo que eu recusara até o momento. Conto essas coisas para mostrar que me tornei coordenador do projeto da nova unidade, e em seguida dela própria, na qualidade de representante dum grupo, para tentar pôr em prática as ideias que havia desenvolvido junto com ele” (SCHWARZ, Org., 1989, p. 28)

Desse modo, em 1975, foi formulado o “Ante-Projeto para a Implantação do Instituto de Letras”. Esse Anteprojeto possibilitou que várias discussões fossem feitas em torno do próprio nome do Instituto. Houve, por exemplo, uma proposta de chamar o novo instituto de “Instituto de Linguística e Estudos Literários”. A projeção desse nome fez parte do processo de construção da nomeação “Instituto de Estudos da Linguagem”. A nomeação “Instituto de Ciências da Linguagem” também poderia ter sido uma possibilidade, mas ela não ganhou corpo porque a Teoria Literária não era significada como uma ciência para os literatos do Departamento do IFCH. Aqui vale recordar um comentário interessante a esse respeito feito pela profa. Bernadete Abaurre, que participou do projeto de constituição do IEL:

O próprio nome do meu instituto na Unicamp, o IEL, poderia ter sido Instituto de Ciências da Linguagem, mas optou-se, ao fim de muita discussão, por Instituto de Estudos da Linguagem. E o fato de termos também um departamento de teoria literária no IEL, fez com que a questão, no momento da constituição do instituto, surgisse muito forte. Por isso somos hoje o Instituto de Estudos da Linguagem. No âmbito do próprio departamento de linguística, algumas pessoas não se sentem muito confortáveis com esse enquadramento enquanto cientistas. Por esse motivo, é preferível pensar na linguística como uma disciplina que define um campo de investigação sobre a linguagem.” (CORTEZ & XAVIER orgs., 2003: 17/18).

A Proposta “Instituto de Estudos da Linguagem – IEL”, de 1976, foi elaborada por uma comissão de docentes de Linguística e Teoria Literária, sob a coordenação de Antonio Candido de Mello e Souza: Aryon Dall’Igna Rodrigues, Ataliba Teixeira de Castilho, Carlos Alberto Vogt, Haquira Osakabe, Maria Lucia Dal Farra, Vera Maria Chalmers, Yara Frateschi Vieira. Nessa proposta, o IEL é definido como:

Unidade de ensino e pesquisa, nos níveis de graduação e pós-graduação, destinada a formar docentes e pesquisadores no domínio dos estudos sobre a linguagem em suas diversas manifestações” (INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (Unicamp) Constituição do Instituto de Estudos da Linguagem. 1976-77. folha 6).

Ao lado disso, a linguagem é significada como denominador comum da Linguística e da Teoria Literária:

(…) tanto a Linguística quanto a Teoria Literária têm por denominador comum a linguagem(INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS (Unicamp). Constituição do Instituto de Estudos da Linguagem. 1976-77. folha 9).

A eleição da linguagem como denominador comum permitiu que a Linguística e a Teoria Literária significassem de outros modos, para além da necessidade de um método científico específico, podendo significar com métodos diferentes.

Encaminhada ao reitor Zeferino Vaz em 30 de novembro de 1976, a proposta “Instituto de Estudos da Linguagem – IEL” foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Diretor da Unicamp em 14 de dezembro do mesmo ano. Isso levou a algumas alterações nos Estatutos e Regimento Geral da universidade, que substituiu o nome “Instituto de Letras” por “Instituto de Estudos da Linguagem”. Essas alterações foram aprovadas pelo Conselho Estadual de Educação em 21 de março de 1977 por meio do decreto n°. 9.597, assinado pelo governador Paulo Egydio Martins, e publicado no diário oficial de São Paulo em 22 de março de 1977:

Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 22 mar. 1977. Disponível em: http://dobuscadireta.imprensaoficial.com.br/default.aspx?DataPublicacao=19770322&Caderno=Poder%20Executivo&NumeroPagina=1

 

Hoje, o IEL conta com o Departamento de Linguística, o Departamento de Teoria Literária e o Departamento de Linguística Aplicada, oferecendo cursos de Bacharelado em Linguística, Licenciatura em Letras, Bacharelado em Estudos Literários e Bacharelado em Fonoaudiologia, sendo este último em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas. Ao lado disso, o IEL possui quatro Programas de Pós-graduação: Linguística, Linguística Aplicada, Teoria e História Literária, e Divulgação Científica e Cultural, sendo este em parceria com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade da Unicamp.

 

Referências

Ferreira, Ana Cláudia Fernandes. Uma história da linguística: entre os nomes dos estudos da linguagem. Campinas: RG, 2009.

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (Unicamp). Organização. “Proposta de Criação do Grupo de Lingüística, no Instituto de Ciências Humanas”. Outubro de 1968. Campinas: Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp. 1967-69-71; 1975, s.d. SG/AH-III cx 5 mç 01.

_____. “Constituição do Instituto de Estudos da Linguagem”. 1976-77. Campinas: Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp. Processo 7968/76. 1976-77. Reg. 18315/76.

Instituto de Letras (Unicamp). Projeto de Estruturação. “Ante-Projeto para a implantação do Instituto de Letras”. Campinas: Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Unicamp. Processo 2448. 1975-76. Reg. 5895/75.

São Paulo. Poder Executivo. Decreto nº 9.597, de 21 de março de 1977. Dá nova redação a dispositivos dos Estatutos e Regimento Geral da Universidade Estadual de Campinas e dá providências correlatas. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 22 mar. 1977. Disponível em: http://dobuscadireta.imprensaoficial.com.br/default.aspx?DataPublicacao=19770322&Caderno=Poder%20Executivo&NumeroPagina=1

Schwarz, Roberto (Org.) (1989) Antonio Candido & Roberto Schwarz. A Homenagem na Unicamp. Campinas: Editora da Unicamp.

Xavier, Antonio Carlos; Cortez, Susana (Orgs.). Conversas com linguistas. Virtudes e controvérsias da linguística. São Paulo: Parábola, 2005.

 

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