“Eles vai”: Por que ‘as pessoa fala’ assim?

Meme sobre concordância. No primeiro quadro, um homem diz para o outro que seu nome não é um nome, mas um erro de concordância. O nome do rapaz é "Osmar". No segundo quadro, alguém pergunta a dois rapazes quais seus nomes. O primeiro responde Humberto. O segundo responde Doisberto. #paracegover
Charge de Ziraldo, “O erro de concordância”

Texto de Lilian Scher, mestranda em Linguística na Unicamp

Em algum momento, você provavelmente já escutou alguém dizer que é errado falar coisas como “Eles vai” ou “As menina foi”. Mas você também já deve ter percebido que mesmo sendo considerado “errado”, frases desse tipo na verdade são bastante frequentes no dia a dia das pessoas. Se você escutasse “É duas passagens” ao entrar no ônibus, estranharia tanto assim? Ou passaria despercebido? Você entenderia o que a pessoa tentou dizer ou seria algo totalmente estranho para você?

Geralmente as pessoas tendem a estranhar mais em alguns contextos mais formais, mas, durante o dia a dia, é bem comum que qualquer pessoa em algum momento possa ouvir ou falar coisas desse tipo. Mas o que seria considerado errado nesses exemplos citados?

A Concordância

Em relação ao Português falado no Brasil, o fenômeno da concordância é uma das maneiras de se estabelecer uma noção de numerosidade em uma frase. Por exemplo, se vamos falar sobre um acontecimento que engloba a participação de duas pessoas ou mais, o verbo utilizado provavelmente vai estar no plural. Assim, podemos dizer que há uma concordância de número entre os elementos da frase!

Mas esse tipo de concordância não é o único possível. Nos exemplos acima estamos falando da concordância entre o verbo e o sujeito das frases. Outro caso possível é aquele que não engloba um verbo, mas apenas elementos relacionados ao sujeito da frase, como os adjetivos.

O que acontece então nos casos em que essa concordância não é feita de maneira explícita? Por que as pessoas acabam falando desse jeito?

A Concordância Variável

Apesar de escutarmos o tempo todo na escola ou até mesmo no dia a dia que é errado falar “Eles vai”, você já se perguntou o motivo de, mesmo assim, ser tão comum ouvir ou falar esse tipo de frase? Na verdade, a resposta vem de muitas pesquisas desenvolvidas que estudam o fenômeno da concordância. Muitas dessas pesquisas sugerem que a concordância apresenta um caráter variável. Isso quer dizer que existem duas maneiras de se estabelecer concordância em uma frase: explicitando as marcas de plural em todos os elementos das frases como em “As meninas compram” ou não explicitando como em “Os menino compra”. Por isso, não dizemos que não há concordância em “Eles vai”, mas há um outro tipo de concordância em que não é necessário explicitar o plural em todos os elementos!

Além de sugerirem esse caráter variável para o fenômeno da concordância, alguns pesquisadores acabaram percebendo que alguns fatores podem influenciar no tipo de concordância que será produzido, sendo a saliência fônica um dos mais estudados.

A Saliência Fônica

A saliência fônica é um princípio que sugere que os itens do nosso vocabulário possam ser mais salientes ou menos salientes, como podemos perceber na diferença das formas singular e no plural de algumas palavras. Por exemplo:

Como a diferença entre o singular e plural de menina diz respeito somente à inserção do s, esse item pode ser classificado como menos saliente. Mas se observarmos as duas formas de varal, podemos ver que o plural não é somente feito com o s, mas tirando o l e inserindo is. Por isso, esse item seria mais saliente quando comparado com o primeiro.

Mas como isso pode interferir na concordância? Segundo alguns estudos, comparando itens mais e menos salientes, é mais provável que o menos saliente como menina deixe de apresentar a marca de plural do que o mais saliente (varal). Ou seja, é mais fácil um falante produzir as menina do que os varal.

Isso acontece porque, como a diferença de material dos mais salientes é maior, ela também é mais perceptível para os falantes!

Portanto, os dois tipos de concordância não só existem e variam entre si, como também são influenciados por alguns fatores! Mas ainda parece estranho? E faz sentido que pareça! Algumas pesquisas sugerem que realmente as pessoas estranham mais Eles vai quando comparado com Eles vão, mas, mesmo assim, elas conseguem perceber o aspecto de plural nessa sentença, ainda que essa percepção seja um pouco mais demorada.

Então por que aprendemos que é errado falar assim?

Na escola, ainda é bastante comum um ensino da língua que se baseie nas Gramáticas Normativas ou Prescritivas. Nesses textos, são listadas algumas regras de uso do Português e, de maneira equivocada, algumas pessoas tendem a considerar como errado os usos da língua que fogem ao que está prescrito nesses livros.

Como podemos ver, rotular a concordância sem marcar o plural em todos os itens da frase como ERRADO não faz muito sentido, até porque muitas pessoas fazem e compreendem bem o que está sendo transmitido nessas construções. Mas é importante saber se policiar quanto a esse uso, pois, em algumas situações mais formais, algumas pessoas podem jugar mal.

Por esses motivos, esse tipo de pesquisa é tão importante! Conhecer melhor como as pessoas usam a língua em situações reais, e não somente o que está prescrito para se usar, é indispensável para conhecer a nossa língua de fato e até diminuir determinados preconceitos linguísticos que podemos ter.

REFERÊNCIAS:

AZALIM, Cristina et al. Concordância nominal variável de número e saliência fônica: um estudo experimental. DELTA, vol.34, nº2. São Paulo, Apr/June, 2018.

MARCILESE, Mercedes; HENRIQUE, Késsia da Silva; AZALIM, Cristina; NAME, Cristina. Processamento da concordância variável no PB em uma perspectiva experimental. Revista LinguíStica / Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Volume 11, número 1, junho de 2015, p. 118-134

MENDES, Ronald Beline; OUSHIRO, Livia. 2015. Variable Number Agreement in Brazilian Portuguese: An Overview. Language and Linguistics Compass, 9/9: 358-368.

SCHERRE, M. M. P. & NARO, A. J. Sobre a concordância de número no português falado do Brasil. In Ruffino, Giovanni (org.) Dialettologia, geolinguistica, sociolinguística (Atti del XXI Congresso Internazionale di Linguistica e Filologia Romanza) Centro di Studi Filologici e Linguistici Siciliani, Universitá di Palermo. Tübingen: Max Niemeyer Verlag, 5:509- 523, 1998.

VIEIRA, Silvia Rodrigues; BRANDÃO, Silvia Figueiredo (orgs.) Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

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