Capítulo 18
Meu teste deu positivo. E agora? Entendendo a sensibilidade e a especificidade dos testes diagnósticosp.129-136
16 de junho de 2020
Samir de Deus Elian Andrade e Felipe Campelo Franca Pinto
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Revisão: Érica Mariosa Moreira Carneiro
Edição: Carolina Frandsen P. Costa
Arte: Carolina Frandsen P. Costa
Os testes para diagnóstico de doenças são bons? São ruins? Funcionam? Vamos destrinchar um pouco sobre a teoria dos testes diagnósticos de uma forma mais intuitiva, sem precisar de fórmulas.Vamos ver que os testes não são livres de erros. Vamos entender o que significa dizer que um teste tem 95% de sensibilidade… E, principalmente, porque isso não te conta a história toda!
Semana epidemiológica #26
Média móvel de novos casos no Brasil, na ocasião de publicação deste texto
1.332 óbitos registrados no dia (45.522 ao todo)
Esse post foi elaborado a partir da série de tweets escrita pelo Felipe Campelo [1], com algumas pequenas alterações para se adequar melhor aqui no formato do blog!
Antes de mais nada: o que explicamos aqui não tem nada a ver com a marca ou o tipo do teste (ao longo do texto você vai entender o porquê), mas sim com a matemática que está por trás do diagnóstico. Isso porque os testes diagnósticos compreendem uma importante aplicação da teoria da probabilidade. Mas não precisa fugir – como falei antes, prometo que não vamos te pedir para decorar nenhuma fórmula! Vamos lá?
Para começar a entender o que acontece quando você faz um teste para qualquer doença, vamos pensar que você só tem duas possibilidades: ou está doente, ou está saudável. O teste também só tem 2 possibilidades: ou é positivo, ou é negativo.
Vamos desenhar para ficar mais fácil!
Essas duas variáveis resultam em 4 possibilidades:
- Você está doente e o teste é positivo: verdadeiro positivo → (VP)
- Você está saudável e o teste é negativo: verdadeiro negativo → (VN)
- Você está saudável e o teste é positivo: falso positivo → (FP)
- Você está doente e o teste é negativo: falso negativo → (FN)
Se olharmos para os totais de cada linha e cada coluna, vemos que:
- As colunas nos dizem quanta gente está doente → (ND) ou saudável → (NS).
- As linhas dizem quanta gente testa positivo (N+) ou testa negativo → (N-).
- O último quadro da diagonal nos indica o número total de pessoas na população → (N).
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Até aqui tudo bem, mas tem um probleminha: o que eu quero saber não é a chance de o teste dar positivo caso eu esteja doente – o que eu quero saber de verdade é: Se o meu teste deu positivo (N+), qual a chance de eu estar realmente doente (VP)? (é inclusive o nome desse post!) E essas duas coisas normalmente são diferentes. Essa outra coisa que eu normalmente quero saber também tem um nome bonitinho: precisão, que a gente descobre olhando para as linhas do nosso quadro.
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E é aqui que entra o probleminha que eu mencionei acima. O quadro faz parecer que é muito simples calcular a precisão. E até que é, desde que você tenha uma ideia do quão prevalente a doença é na população.
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Vamos imaginar, por exemplo, que tenhamos um teste de 95% de sensibilidade (95% de chance de dar positivo se você estiver doente) e 95% de especificidade (95% de chance de dar negativo se você estiver saudável). Como podemos fazer para calcular qual a precisão do teste?
Como falamos ali em cima, precisamos saber da prevalência da doença. Aqui, neste exemplo, vamos estipular que a taxa-base da doença seja de 1%, ou seja, a doença afeta 1% da população (100 em cada 10.000).
Agora fica bem fácil usar a sensibilidade e especificidade do teste para calcular os testes positivos e negativos em cada coluna. Vamos lá!?
Repara direitinho nos valores da tabela… é aí que vem a coisa curiosa!
ND = 100 (1% da pop. de 10.000)
NS = 9.900 (N-ND)
VP = 95 (95% dos 100 doentes)
FN = 5
VN = 9.405 (95% dos 9.900 saudáveis)
FP = 495
Embora esse teste de faz-de-conta tenha 95% de sensibilidade e de especificidade, a maioria das pessoas que testa positivo seria de falsos positivos (495), simplesmente
Além disso, a precisão, nesse caso hipotético, seria de só 16,1% – em outras palavras: você teria chance de 16,1% de estar doente, caso seu teste dê positivo!
Assim, se o teste dá positivo, a sua chance de estar realmente doente ainda seria relativamente baixa, embora seja 16 vezes maior do que a taxa-base da população (que é de 1%).
É um pouco confuso…, mas é assim mesmo quando vemos isso pela primeira vez. Se precisar, dê mais uma olhadinha antes de prosseguir para olhar a próxima tabelinha!
Aqui, vamos usar dados mais realistas (ainda que antigos)! Vamos considerar um teste para COVID-19 com especificidade de 99% (mais comum) e para a prevalência da doença, vamos utilizar 10,6% (a estimativa de COVID-19 em Manaus no relatório do Imperial College [2] do dia 8/05/2020). Considerando esses dados, e fazendo as contas igual fizemos ali em cima, temos que a precisão do teste seria de 91,8%.
ND = 1.060 (10,6% da pop. de 10.000)
NS = 8.940 (N-ND)
VP = 1.007 (95% dos 1.060 doentes)
FN = 53
VN = 8.940 (99% dos 8.940 saudáveis)
FP = 89
1.007 / 1.096 = 91,8%
Agora, para efeitos de comparação, se considerássemos esse mesmo teste, mas com a prevalência estimada para São Paulo na mesma data teríamos: Prevalência de 3,3%, Sensibilidade de 95% e Especificidade de 99%. Fazendo os cálculos, a Precisão seria de 76,6%.
Bom… Isso quer dizer que se a prevalência for baixa e você testar positivo pode sair por aí felizão? NÃO!
Quando fizemos esses cálculos, dessa forma, estamos considerando que é uma pessoa aleatória fazendo o teste.
Porém, geralmente quando você é testado, você provavelmente tem ou teve sintomas (ou morreu de causa suspeita), ou entrou em contato com alguém que teve COVID-19. Isso tudo impacta no cálculo e deve ser levado em consideração.
Por exemplo, a prevalência entre pessoas com sintomas é MUITO maior do que na população em geral.
Outros pontos relevantes!
- A interpretação do resultado de um teste diagnóstico depende de qual parcela da população está sendo avaliada (é um indivíduo qualquer ou de um grupo de risco?).
- Situações prévias (sejam subjetivas ou objetivas) influenciam o cálculo. Esse tipo de estatística que fizemos aqui, recebe o nome de cálculos bayesianos ou lógica bayesiana.
- Os cálculos apresentados aqui servem para qualquer tipo de teste. Usamos exemplo da COVID-19 por ser o que estamos passando no momento. Mas pode ser um teste de gravidez, um teste para detecção de HIV etc.
- Em Estatística chamamos os falsos positivos de erro tipo I, e os falsos negativo de erro tipo II. ■
PARA SABER MAIS
- Thread do Felipe no Twitter com o texto original. 2020. Disponível em: https://twitter.com/_fcampelo/status/1260933712935399437
- Mellan, Thomas; Hoeltgebaum, Henrique H; (…) Bhatt, Samir. Report 21: Estimating COVID-19 cases and reproduction number in Brazil. Imperial College, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1101/2020.05.09.20096701
Outros materiais:
- Portal Deviante. Episódio #337 do SciCast!: Teorema de Bayes. 2020. Disponível em: https://www.deviante.com.br/podcasts/scicast-377/
- Portal Deviante. Deu positivo, mas tô de boa porque aprendi Bayes. 2017. Disponível em: https://www.deviante.com.br/noticias/ciencia/deu-positivo-mas-to-de-boa-porque-aprendi-bayes/
- Para se aprofundar mais nesse tipo de abordagem, podem ser consultados livros de estatística ou bioestatística, procurando por termos como: especificidade, prevalência, testes diagnósticos, Teorema de Bayes e Probabilidades Condicionais.
- Motulky H. Intuitive Biostatistics. 3 ed. Oxford University Press, 2014.
- Pagano M, Gauvreau K. Princípios de Bioestatística. 2 ed. Thomson Learning, 2006.
- Aprenda o que é o Teorema de Bayes, sua importância para a probabilidade condicional e suas aplicações. 2020. Disponível em: https://www.voitto.com.br/blog/artigo/teorema-de-bayes