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Credibilidade ou popularidade: quem define o que é confiável?

Você, caro divulgador científico, já foi cobrado pelo número de seguidores que tem nas redes sociais? Já esteve em eventos da sua área de estudos com palestrantes influencers que, não necessariamente, era especialista no tema da palestra? Ou já se deparou com alguém dizendo: “Mas o influencer disse o contrário do que você está falando”? O que pesa mais: a experiência de um especialista ou a popularidade de um influencer?

Eu sei que ando um pouco sumida daqui, mergulhada no projeto “quase doutora”. Mas, neste último final de semana, vivi uma situação dessas, que me cutucou a voltar para esta caixa de texto e conversar com vocês sobre isso.

Wagner Moura para a Revista Elle: “Como você contrata um ator porque ele tem seguidor na rede social? Isso é uma coisa cretina”

O que pesa mais: a experiência de um especialista ou a popularidade de um influencer?

Para iniciarmos esse papo, imagine comigo, divulgador científico, que você recebeu a missão de escolher os palestrantes de um evento que está organizando. A tarefa apesar de prazerosa, carregam desafios:

Devo convidar palestrantes com experiência e conteúdo científico sobre o debate, ou devo convidar influencers com muita visibilidade para atrair público e garantir inscrições?

Pois é… cada vez mais, temos visto a balança pender para o lado dos números de seguidores em detrimento da trajetória e da profundidade da atuação e possiblidade de debate.

E ao questionar sobre essa inversão de valores, (como fizemos neste último final de semana) recebemos respostas como:

  • Não foi possível encontrar especialistas na área;
  • Mas esse influencer é o melhor pra falar sobre isso;
  • Mas precisamos garantir público;
  • O publico vai gostar mais de ouvir o influencer do que um cientista de carreira ou um cientista desconhecido.

Mas essa preferência por palestrantes com grande visibilidade nas plataformas digitais — cada vez mais comum nos eventos acadêmicos — levanta questões muito mais profundas e preocupantes, que hoje quero trazer para este espaço de debate. Na minha tese, essa temática é discutida de forma mais extensa e detalhada.

Em primeiro lugar: Você foi ensinado a pensar assim!

Considerando os anos 90, com o advento da internet, foram 35 anos que a nossa sociedade foi ensinada a reconhecer o digital como condição essencial de existência.

A promessa de uma rede gratuita, livre, democrática e aberta — ou, como comenta Segato (2021, p. 69), uma “existência social racional, fundada na liberdade, equidade, solidariedade e na melhoria contínua das condições materiais” — consolidou-se estruturalmente ao longo desse tempo, até chegarmos ao ponto em que serviços básicos passaram a ser oferecidos quase exclusivamente online. Não raramente somos informados que precisamos acessar um site, baixar um aplicativo ou fazer uma biometria para acessar serviços essenciais, como uma consulta ao médico, emissão de documentos ou acesso ao saldo bancário, por exemplo.

Seguindo essa mesma lógica, consolida-se o sistema de credibilidade do like.

Somos levados a acreditar que relevância e autoridade estão diretamente ligadas ao digital, no caso da informação, está atrelado ao números de alcance que as plataformas digitais nos indicam que temos. Ou seja, quanto maior a contagem, maior a impressão de aprovação coletiva.

Captura de tela do meu perfil na plataforma digital BlueSky (22/09/2025)

Observando a figura acima, de acordo com o BlueSky, existem 3,7 mil pessoas que, em algum momento, decidiram que meu conteúdo merecia sua atenção, portanto clicaram no botão “seguir” para que passassem a receber o que compartilho por ali em seu feed de informações.

Esse valor indicado pela BlueSky (de 3,7 mil pessoas), se transforma em relevância e credibilidade, e por consequência, no meu valor monetário dentro da plataforma. Isso significa que o meu “peso” como influenciadora e, por extensão, da informação que compartilho é definido por métricas que a BlueSky definem.

Mas quem são essas 3,7 mil pessoas? É possível garantir que são pessoas e não robôs? Como verifico isso?

Pois é, dificilmente esses números podem ser verificados, não existe a disponibilização de ferramentas de checagem nem para mim, nem para qualquer pessoa que queira checar esse dado de relevância e credibilidade. Esse funcionamento opaco abre espaço para distorções e confiança acrítica.

Para o influenciador, credibilidade e remuneração acabam dependendo desses dados obscuros, subordinando o conteúdo à lógica de mercado das plataformas, na qual o que a plataforma digital decide viralizar é automaticamente considerado relevante. E para o consumidor desse conteúdo, cria-se a impressão de que veracidade, credibilidade e checagem da informação estão diretamente atreladas aos números exibidos.

A empresa americana Google é amplamente reconhecida pelo sigilo que envolve seu algoritmo, a ponto de ter surgido um setor inteiro focado em SEO (otimização para motores de busca), cujo objetivo é manipular essas fórmulas para obter mais cliques. A última atualização deixou especialistas em SEO em grande confusão, tentando entender por que alguns sites se beneficiaram das mudanças enquanto outros foram prejudicados. O Google, em resposta à Agence France-Presse (AFP), afirmou que a atualização visava fornecer aos usuários "menos resultados que pareçam ter sido feitos para mecanismos de busca". A empresa acrescentou que as atualizações eram baseadas em experimentos realizados para melhorar significativamente os resultados para os usuários. (AGENCE FRANCE-PRESSE, 2024)

Sabemos como funciona o algoritmo?

Como explica Da Hora (2024), um algoritmo é, em essência, um conjunto de instruções criadas por humanos para resolver problemas ou executar tarefas. Na lógica algorítmica, a distribuição das informações segue interesses comerciais, normas institucionais e padrões de interação dos usuários. Sabemos que o algoritmo define o que é visto e o que fica silenciado, o que não fica claro são os detalhes desses critérios de seleção.

Assim, as plataformas digitais desempenham um papel decisivo na circulação da informação e no debate público: limitam a diversidade de perspectivas, reforçam bolhas informacionais e moldam a percepção do público sobre o conteúdo. Principalmente em contextos que o digital se sobrepõe a outras formas de se informar, como é o caso de programas televisivos que passaram a incluir em sua programação conteúdos virais das plataformas digitais.

Captura de tela página principal do programa “mais você” TV Globo (22/09/2025)

Outro exemplo claro disso está nos algoritmos do Google Notícias, que determinam quais matérias, imagens e vídeos aparecem, em que ordem e de forma personalizada com base nos interesses e na atividade anterior do usuário, incluindo interações no YouTube e na Pesquisa Google (GOOGLE, 2021).

A capacidade de manipular informações é tão ampla, e ainda assim tão personalizada, que fortalece o poder dessas plataformas, consolidando desigualdades de acesso a ferramentas de decisão que Shoshana Zuboff chama de capitalismo de vigilância (ZUBOFF, 2021, p.15).

Isso significa que não apenas a produção, mas também a entrega, a visibilidade, a integridade, a relevância e a credibilidade dos conteúdos são determinadas pelos critérios e normas das plataformas digitais.

Fomos ensinados a acreditar que a relevância e credibilidade é resultado de um interesse espontâneo do público, quando, na realidade, é produto direto de interesses e lógicas comerciais dessas plataformas.

Ao explorar o impacto dos algoritmos na sociedade, fica evidente que questões éticas e de equidade são centrais. Eles podem amplificar desigualdades, perpetuar vieses e gerar discriminações injustas (DA HORA, 2024). 

Lembrando que critérios definidos por poucas empresas frequentemente ignoram regulamentações ou normas comunicacionais debatidas democraticamente, moldando, priorizando e até censurando conteúdos de acordo com interesses comerciais e ideológicos. Dessa forma, as plataformas digitais acabam por influenciar o que circula como “verdade” em uma sociedade.

É nesse ponto, caro divulgador científico, que quero chamar ainda mais sua atenção:

Você, como divulgador científico — e muitas vezes também como cientista — já parou para pensar na verificação desses números apresentados pelas plataformas digitais do palestrante super “hypado” que você escolheu — aqueles que associamos a relevância e credibilidade — correspondem de fato à realidade?

Credibilidade ou popularidade: quem define o que é confiável?

E, mais importante: qual é a nossa responsabilidade como divulgadores de ciência ao perpetuar influencers e conteúdos cuja base de relevância e credibilidade não pode ser conferida ou devidamente embasada?

Referências utilizadas no texto:

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