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Comunicação para Divulgadores Científicos

Como medimos nosso trabalho de divulgação científica?

Arte com flores em laranja, verde e amarelo com a frase do poeta Manoel de Barros: Não quero dar informações. Quero dar encantamento.

Como a divulgação científica mede ou deveria medir os seus resultados? Será que as métricas de acessos e engajamento nas redes sociais são suficientes para entender a percepção do seu público? O que significa ser um divulgador científico de sucesso?

Vem comigo pensar um pouco sobre isso:

Durante as aulas de Divulgação Científica (DC) e Saúde que realizei neste primeiro semestre de 2023 fomos provocados a pensar sobre como medimos e apresentamos nossos resultados na divulgação científica. 

A aula usou como base para a discussão o artigo científico publicado pela Germana Barata em 2019, “Por métricas alternativas mais relevantes para a América Latina”, que apresenta como alternativa (e/ou complemento) para medições tradicionais o “Altmetric” que se trata de rastreadores da produção científica no ambiente online, ou seja, onde essa produção foi utilizada para além das tradicionais mídias acadêmicas, como citações em redes sociais, por exemplo.

Vídeo sobre como funciona o Altmetric.com – O vídeo está em inglês, mas você pode acionar a legenda do YouTube para português.

Para além de explicar o que é e como funciona, dando especial destaque a provedora de dados inglesa Altmetric.com, o artigo traz a tona as deficiências e dificuldades desse sistema alternativo, a começar pela falta de acesso aos dados das plataformas de redes sociais mais usadas no mundo, como o Facebook, o YouTube e o WhatsApp. Além disso, ele não considera menções em blogs e em sites de notícias. 

A autora também discorre sobre a predileção dessas medições alternativas em considerar apenas as produções acadêmicas em língua inglesa, excluindo, assim, toda a produção mundial em outras línguas. Ela também comenta sobre a importância da representatividade e da relevância de artigos discutirem problemas locais e em língua local.

“Apesar de haver potencial para indicar a visibilidade de artigos científicos, a altmetria ainda não é capaz de identificar a relevância social ao nível local ou nacional, enfraquecendo, portanto, a relevância de seu uso em países de língua não inglesa, como o Brasil, e outros latino-americanos. Apesar disso, é importante enfatizar a necessidade de uso moderado e relativizado da altmetria de modo a evitar que se conclua, erroneamente, que a ciência nacional ou regional não tem sido capaz de gerar atenção social.”

Mas, para além das problemáticas que a altmetria apresenta e que deve ser discutido e melhorado, essa ainda é uma das poucas alternativas que a divulgação científica pode se utilizar para representar o seu trabalho nos inúmeros momentos em que se é cobrado sobre isso. 

Nesse texto, usando como base as discussões iniciadas por Barata no artigo citado – e complementadas em sala de aula – pretendo pensar um pouco mais sobre como a DC brasileira mede ou deveria medir o seu trabalho.

Tirinha em 4 quadros com 5 pessoas conversando sobre a importância de se fazer divulgação científica em todas as plataformas
Tirinha por Carol Frandsen @clorofreela

A divulgação científica brasileira hoje

Durante a pandemia da covid-19 foi percebido o aumento significativo do interesse do cientista em estar à disposição da sociedade, dedicando seu tempo, conhecimento e produzindo materiais que contribuíssem no combate a desinformação, na checagem de informações e tirando dúvidas sobre conceitos-base da ciência, seja no atendimento a imprensa, abrindo canais novos, cedendo seu tempo para canais já estabelecidos, ou até, participando de iniciativas escolares. 

Para se ter uma ideia desse aumento a pesquisa de Fontes, D. (2021) apontou que “o número de visualizações e inscrições dos canais de divulgação científica triplicou” neste período e nos acessos a canais brasileiros de divulgação científica no YouTube.

Já a plataforma Science Pulse demonstrou resultados em sua pesquisa publicada em 2021 sobre o aumento dos tweets compartilhados por cientistas brasileiros com contas no Twitter: 

“O movimento na rede de ciência brasileira no Twitter, monitorada pelo Science Pulse, foi mais forte em 2021 do que em 2020 e respondeu a alguns dos principais cursos relacionados à pandemia: aplicação da primeira vacina, a escalada no número de mortes por Covid a partir de fevereiro/março, o anúncio da realização da Copa América no Brasil, e as denúncias apuradas pela CPI da Covid no Senado Federal” Pulse, S. (2021)

Contudo, mesmo com o levante da ciência e do cientista em se dispor a falar com a sociedade, poucos divulgadores de ciência saíram deste período com o privilégio de se dedicarem exclusivamente a DC. Como se não bastasse, após o retorno das atividades acadêmicas a outrora cobrança por publicações acadêmicas tradicionais voltaram a ser feitas. 

E mesmo que as diversas argumentações sobre a importância de se falar com a sociedade tenham sido vividos nos recentes acontecimentos por todo o planeta, ainda, sim, vimos poucas ações concretas no suporte a divulgadores científicos que ainda continuam mantendo suas atividades.

Mais sobre isso: Fazer divulgação científica por quê?, Público alvo, furar bolhas e outras coisas mais da Divulgação Científica nas redes

O que significa ser um divulgador científico de sucesso?

Recentemente recebi um pedido que me chamou a atenção em um dos trocentos grupos de jornalismo e comunicação de ciência que participo. O jornalista precisava com urgência falar com alguns divulgadores de ciência influentes. 

Minha resposta automática ao pedido foi:

— Mas, o que significa ser um divulgador de ciência influente para você? 

E o jornalista respondeu:

— Ora, alguém que fale de ciência e tenha mais de 10 mil seguidores nas redes sociais.

Assim como se fosse bem óbvio.

Percebem como essa resposta possui um mundo de considerações e discussões?

  • Em qual rede social é preciso ter esse número? 
  • Dá para considerar os números no Twitter antes das mudanças realizadas pela plataforma? 
  • E os que não possuem 10 mil seguidores são automaticamente não influentes? 
  • Influência é o mesmo que números que uma plataforma online diz que é?
  • O que é ser influente nas redes?

E por aí vai…

Mas, qual medida importa então?

Para as redes sociais são os números de seguidores

O YouTube criou por volta de 2007 o programa “Prêmios para Criadores do YouTube” ou também conhecido como “YouTube Botão Play”, na qual premia com placas comemorativas os canais mais populares daquele país, para isso o canal precisa cumprir diversos requisitos, dentre eles um número específico de inscritos. Para a placa prata – 100.000 inscritos; ouro – 1.000.000; diamante – 10.000.000; diamante Vermelho ou Rubi – 100.000.000 de inscritos. Até o momento somente sete canais conseguiram a última placa: T-Series, PewDiePie, Cocomelon – Nursery Rhymes, SET India, MrBeast, Kids Dins Show e Like Nastya, conforme a Forbes e o Metro.co.

Em 2021 o Instagram descontinuou a função ‘arrasta para cima’ nos Stories que permitia ao criador de conteúdo a possibilidade de incluir links externos, a função era ativada quando a conta superava seus 10 mil seguidores. Provavelmente vem daí a ideia de que para ser influente é preciso ter mais de 10 mil seguidores.

Já o Twitter em 2023 decidiu que o seu famoso selo de verificação, largamente difundido como medida de verificação de perfis de credibilidade, seria retirado de todos as contas que se recusassem a pagar pelo serviço Twitter Blue. As assinaturas do serviço giram em torno de US$ 8/mês ou US$ 84/ano.

Para a academia é o Currículo Lattes

Desde 2013 o CNPQ passou a disponibilizar uma forma de contabilizar a Divulgação Científica, no Currículo Lattes, na aba relacionada à produção em “Educação e Popularização da ciência”. 

“A Divulgação Científica (DC) é considerada um campo específico na Tabela de Áreas do Conhecimento do CNPq desde 2007, com a criação concomitante do Comitê Assessor em Divulgação Científica (CA-DC), acompanhado pela Coordenação de Ciências Humanas e Sociais (COCHS/CGCHS). A instituição do CA-DC contemplou demanda da comunidade acadêmica da área, com a perspectiva e a necessidade de se estabelecerem parâmetros qualificados e sistemáticos para avaliar e acompanhar esta área multidisciplinar do conhecimento, que propicia a produção, veiculação e discussão de temas científicos, não somente por seus pares e para seus pares, mas para toda a sociedade.”

Para além dessa aba também podemos incluir entrevistas cedidas a imprensa, participação em eventos, inclusão de redes sociais e materiais publicados em veículos não acadêmicos.

Estas inclusões no Currículo Lattes nos proporciona a oportunidade de contemplar o trabalho de divulgação científica, dentro dos parâmetros da academia, abrindo, inclusive, possibilidade de discussão e solicitação de que essa pontuação seja considerada com um peso relativo a produções científicas em concursos e processos seletivos. Afinal, se eu pesquiso, estudo e trabalho com divulgação científica, por que ela não deveria ter o mesmo peso de outras produções acadêmicas?

E não podemos excluir, como cientistas que somos, a possibilidade e importância de um trabalho inteiramente de pesquisa acadêmica sobre o assunto, como realizei ao analisar o perfil dos divulgadores de Ciência no Blogs Unicamp em minha dissertação de mestrado.

Outros colegas também fizeram esse tipo de pesquisa com outras metodologias: Divulgação científica e educação nas redes sociais digitais em tempos de COVID-19 e O papel dos vídeos de ciência na divulgação científica.

Mesmo assim, neste formato, precisamos considerar o quanto esses levantamentos, apesar de relevante, ainda, sim, são demoradas e custosas a serem realizadas.

Ainda sobre os analytics das redes sociais, Google e outros…

Não raramente vemos nas apresentações de divulgadores de ciência a utilização de métricas de acessos e engajamento do tipo analytics como forma de mensurar o seu trabalho.

No caso do Blogs Unicamp, por exemplo, utilizamos as plataformas Google Analytics e a Matomo para a analisar a quantidade de pessoas que acessam o site e leem nosso conteúdo publicado, e as métricas das redes sociais oficiais do projeto.

Essas métricas nos dão alguma perspectiva do andamento do nosso trabalho, mesmo assim não podem ser consideradas a única forma de sucesso. Para entender melhor porque defendemos que essas medidas não refletem o nosso trabalho de forma satisfatória, tomemos como exemplo esse gráfico retirado na data de 05/06/2023 do Facebook e do Instagram do Blogs Unicamp:

Ao olhar esses dados não conseguimos deixar de nos perguntar: ⁣

  • Todos os seguidores da página realmente são pessoas reais e não robôs?
  • É possível conferir e checar de alguma forma os números apresentados pela plataforma do Mark Zuckerberg?
  • Não existe nenhuma pessoa que segue as páginas citadas e se identifique de outra forma que não seja binário (homem e mulher)?
  • Não existe nenhuma pessoa que seja menor de 18 anos inscrita nas páginas? 

Por fim e respondendo à pergunta inicial desse trabalho…

É claro que ainda não possuímos uma forma única e perfeita de medirmos nosso trabalho de divulgação científica.

Mas ao discutirmos este assunto, não busco trazer uma solução única para o problema, mas evidenciar que nós como divulgadores estamos perpetuando formas de pontuação e cobrança que não refletem o nosso trabalho. E em muitos casos, mais prejudica do que ajuda a área de conhecimento.

Pensar em soluções e apresentar novas formas de mediação é urgente e necessário. Assim, como comenta Barata no fim do seu artigo e que iniciou este debate:

“É preciso valorizar a atividade de divulgação científica, sobretudo o diálogo e o acesso da sociedade aos resultados científicos, construindo políticas científicas que valorizem essas atividades na progressão de carreiras e avaliação de projetos de pesquisa, como algumas agências de fomento já cobram de pesquisadores, a exemplo de projetos de grande porte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (projetos temáticos) e do CNPq (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia).

“O maior desafio para a adoção e uso das métricas alternativas no Brasil é a institucionalização das novas práticas de pesquisa online pelos diversos atores da comunicação científica” (Nascimento, 2017, p.72). Caso contrário, os indicadores altmétricos reproduzirão as limitações de indicadores tradicionais, e visibilidade do Brasil e de países latino americanos ainda será tímida.”

Esse é o segundo texto de uma série sobre o assunto:

Referências bibliográficas

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