Viciada, eu? (Ainda) não!

A despeito do vários recados que recebo por dia pra sair da internet e ir trabalhar, cá estou novamente estreando (mais) um blog. Dessa vez pelo menos o bichinho é relacionado ao trabalho, portanto espero que parem de me mandar ir fazer alguma coisa mais útil, isto é bastante útil. Aliás, estar na internet é bastante útil pra muita gente, na maior parte do tempo. Mas quando podemos dizer que uma pessoa está “viciada” em internet?

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De modo geral, o que se chama de “vício”, ou adição (tradução feia e porca da palavra em inglês para vício, addiction), de abuso, ou ainda comportamento compulsivo, é todo tipo de comportamento que se repete com uma frequência muito alta, causando problemas para a pessoa. O mais importante na definição de um comportamento abusivo não é a frequência, mas as consequências dessa frequência no funcionamento saudável e desejável e na qualidade de vida do cidadão. Veja a diferença:

  • Maria passa cerca de 12 horas por dia conectada à internet. Maria é consultora de mídias sociais, tem uma vida social saudável, namora, joga tênis nos fins de semana e é vegetariana. Conversa no MSN com a mãe que mora em outra cidade e tem dois blogs. Usa a internet fora do trabalho para ler jornal, comprar livros e DVDs, e algumas vezes sente que ficou tempo demais conectada.

 

  • João passa cerca de 12 horas por dia na internet. João trabalha num escritório de advocacia, liga o computador assim que chega ao trabalho, mas não consegue acessar muitos sites por causa do sistema de proteção da empresa, embora conheça várias maneiras de burlar o sistema. Por isso, quando chega em casa, João se tranca no quarto e fica na frente do computador até o dia seguinte amanhecer. João tem raros amigos, apenas os que conversam com ele no Skype, a namorada o largou, ele costuma comer na mesa do computador e aproveita os fins de semana para ficar ainda mais tempo online. João pensa que o tempo que passa conectado não interfere em sua produtividade.

Olhando assim, fica meio óbvio dizer qual dos dois poderia se encaixar num quadro de “internet addiction”. Ficou claro que o tempo que a pessoa passa engajada no comportamento em questão não é o ponto crítico para o diagnóstico, mas sim as conseqüências que esse comportamento causa na vida dela. Há algum tempo, psiquiatras e psicólogos vêm definido o vício em internet como uma desordem de controle de impulso, como o abuso de drogas e de álcool, mas que não envolve uma substância intoxicante a ser consumida. Além disso, o abuso da internet tem sido relacionado a fracasso escolar, divórcio, problemas de relacionamento familiar, isolamento social e desemprego. E como no caso de alcoólatras (me recuso a usar o termo “alcoólico”, que significa exatamente “aquilo que contém álcool”, e não uma pessoa dependente da substância), quem é adicto à internet não costuma perceber o quanto isso é ruim e está atrapalhando sua vida.

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Mas por que raios alguém poderia ficar viciado em internet? Internet não dá barato, não deixa o nêgo rico (esqueça o Steve Jobs e os caras do Google) e engorda. Mas provavelmente oferece uma boa fuga dos problemas cotidianos e é um lugar legal pra pegar umas minas. É o caso clássico do nerd barrigudinho e branquelo que finge ser o Brad Pitty no Orkut. A internet oferece ao usuário algo que o ambiente natural costuma distribuir muito mesquinhamente, que é o feedback imediato ao que você faz. Acontece que essa recompensa não vem toda hora, ninguém recebe milhares de comentários no blog toda vez que posta, nem é respondido no Twitter 100% das vezes. É como num jogo de apostas, o apostador costuma perder muito tempo e dinheiro para ter a possibilidade de ganhar alguma coisa de vez em quando. Acontece que, tanto o apostador quanto o internet freak não percebem que a quantidade de tempo, dinheiro e esforço gastos são maiores do que os ganhos. Isso, além de todos os ganhos secundários como que o ambiente virtual pode oferecer, como fazer sucesso no Facebook, ter um site bombado, ser o primeiro no ranking do jogo da moda. E todas aquelas chatices das quais a internet te livra, como ler um artigo chatérrimo pra aula de amanhã, tomar um toco do cara gostosão na festa e ter que falar com sua mãe sobre a receita que a Ana Maria Braga deu ontem de manhã no programa de TV. Dá pra entender um pouco porque só os nerds são felizes, heim?

Algumas boas fontes:

Abreu, C.N., Karam, R.G., Góes, D.S., Spritzer, D.T. (2008). Dependência de internet e de jogos eletrônicos: uma revisão. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30 (2). [ISSN 1516-4446]

Young, K. (2008). Internet addiction: a new clinical phenomenon and its consequences. American Behavioral Scientist, 48 (4). [DOI: 10.1177/0002764204270278]

Leung, l. (2004). Net-generation attributes and seductive properties of the internet as predictors of online activities and internet addiction. CyberPsychology & Behavior, 7(3). [DOI:10.1089/1094931041291303]