Precisamos falar sobre autismo… (Parte III)

Como é uma pessoa autista?

Pra começo de conversa, uma pessoa autista é como todo mundo: tem uma personalidade só dela, habilidades em que ela se dá bem e outra coisas que tem dificuldade de fazer… Cada autista é diferente dos outros autistas e todos nós somos, em maior ou menor grau, diferentes uns dos outros. Costuma-se dizer que quem conhece uma pessoa com TEA, conhece UMA PESSOA com TEA. Ou seja, não é só porque você viu Rain Man que você sabe como são os autistas.

Anyway, tem várias infos sobre isso nas duas primeiras partes dessa série: Parte I e Parte II.

Algumas características gerais do TEA podem estar muito ou pouco presentes no comportamentos do indivíduos dentro do espectro. Pessoas dentro do espectro do autismo tendem a ter dificuldade de se comunicar e de manter relações sociais. Elas podem ser descritas como “frias”, “insensíveis” ou “com pouca empatia” porque não entendem expressões faciais e não respondem adequadamente a dicas comunicativas como entonações ou linguagem corporal. Outra característica comum no autismo é a dificuldade de entender metáforas ou ironias, que são formas muito complexas de linguagem e requerem muita habilidade de abstração. Pense no Sheldon de TBBT: ele aprendeu a “seguir as regras” de convívio social, como oferecer chá para uma pessoa que levou um pé na bunda da namorada, mas ele não conseguiria entender isso apenas “lendo” as dicas do contexto social, como a expressão de tristeza ou a linguagem corporal do Leonard. O que ele fazia era seguir a regra: “Se o Leonard brigou com a Penny, ele está triste. Quando alguém está triste, a gente tem que oferecer chá.”

Como o transtorno do autismo é um espectro, essas características vão variar de pessoa para pessoa, alguns vão ter muita dificuldade de manter contato social e isso vai interferir seriamente no aprendizado de linguagem e de comunicação, outros vão aprender a falar e se comunicar de maneira bem satisfatória, e apresentarão apenas “sinais” de dificuldades comunicativas ou algum tipo de inabilidade social.

Outra característica do autismo é a fixação ou obsessão por determinados aspectos do ambiente, ou por determinados assuntos ou temas de interesse. Pessoas com autismo podem ser hipersensíveis a determinados tipos de estimulação sensorial e se comportarem ou para ter o máximo possível dessa estimulação, ou para fugir de estimulações que são incômodas. Por isso é comum ver crianças com autismo repetindo a mesma série de ações fixas, como girar a roda de um carrinho ou ordenar objetos de acordo com o tamanho ou a cor. Esses padrões repetitivos podem se tornar tão fixos que o indivíduo não se engaja em outras tarefas ou em relações interpessoais e perde a oportunidade de aprender outras coisas. Em pessoas com autismo leve ou moderado, isso pode se traduzir em super-especialização em um tema restrito, como por exemplo, saber tudo sobre trens e assuntos ferroviários, ou matemática, ou temas musicais de novelas da Globo…

Ao contrário do que se pode pensar, autismo *NÃO É* sinônimo de deficiência intelectual: de 60 a 70% das pessoas diagnosticadas com autismo têm a cognição (“inteligência”) comprometida em algum nível, mas o restante não terá problemas nessa área. O que muitas vezes acontece é que há um atraso na aprendizagem de habilidades acadêmicas porque a criança autista não tem habilidades que são pré-requisitos para o aprendizado, como compartilhar o olhar, ter atenção conjunta ou até mesmo permanecer sentado por um período de tempo estendido.

Tem vários links sobre sinais precoces de autismo, comportamentos característicos e debunked myths nos posts anteriores dessa série! Vai lá dar uma olhada!

 

É preciso garantir que a criança com TEA tenha as habilidades necessárias para aprender repertórios acadêmicos: atenção conjunta, compartilhar o olhar, ficar sentado...

É preciso garantir que a criança com TEA tenha as habilidades necessárias para aprender repertórios acadêmicos: atenção conjunta, compartilhar o olhar, ficar sentado…

 

Já ouviu falar de “autismo savant”?

Apesar de ser um trope comum em filmes e obras de ficção, pessoas autistas com “altas habilidades” – os chamados “autistas savants” – são apenas uma pequena parcela da população dentro do espectro autista, cerca de apenas 10% das pessoas com autismo irão desenvolver uma super-habilidade. E ao contrário do que se pensa, um indivíduo pode ter um grande déficit cognitivo e ainda assim desenvolver alguma habilidade extraordinária. Lembra do Rain Man? O personagem foi inspirado em Kim Peek, um autista savant com grande habilidade para decorar livros. (Quando morreu em 2009, ele sabia de cor mais de *12 MIL* livros, incluindo a Bíblia e o Livro dos Mórmons!!! Ele também era capaz de ler 3 páginas em 10 segundos, como o Doutor Reid de Criminal Minds… Reid <3 )

Aliás, parece que as habilidades desenvolvidas por autistas savants são restritas a habilidades matemáticas, musicais ou que têm haver com memorização e reconhecimento de padrões complexos (comumente desenvolvidas através de expressão artística)… Importante notar que nem todos os savants são pessoas com autismo, estima-se que metade dos savants são autistas, a outra metade são pessoas com déficits cognitivos e outros atrasos de desesenvolvimento.

Outra autista savant famosa é a Dra. Temple Grandin, especialista em Ciência Animal (Zootecnia?) na Colorado State University. Aos 18 anos ela inventou uma máquina chamada “hug-box”, que a ajudava a se acalmar e ter menos ansiedade, baseada em suas próprias experiências com estímulos sensoriais. Em 2010, Temple Grandin foi nomeada uma das 100 pessoas mais influentes do ano pela revista People e é reconhecida como grande ativista da causa dos autistas. Se quiser saber mais sobre ela e seu trabalho, o verbete da Wiki (em inglês, ÓBVIO!) é muito bom e ela também tem seu próprio site.

 

Temple Grandin inventou uma máquina chamada “hug-box”, que a ajudava a acalmar-se e ter menos ansiedade, baseada em suas próprias experiências com estímulos sensoriais.

Temple Grandin inventou uma máquina chamada “hug-box”, que a ajudava a acalmar-se e ter menos ansiedade, baseada em suas próprias experiências com estímulos sensoriais.

 

Quer mais infos? Claro que eu tenho!

Lá vai:

Um artigo bacanudo sobre a prevalência de “savants” entre a população autista: “Savant skills in autism: psychometric approaches and parental reports“.

Artigo sobre as características “savants”, no Wisconsin Medical Society.

Post sobre a vida de Kim Peek, no site How Stuff Works e outro no Wisconsin Medical Society.

E a notícia de seu falecimento, no The Guardian.

 

Sheldon: autista ou não? Let’s see…

Se a gente for levar ao pé da letra o Manual Diagnóstico Estatístico (DSM-V), para se considerar que uma pessoa tem Transtorno do Espectro Autista (TEA) é preciso preencher os seguintes critérios diagnósticos:

“1 – Déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais, manifestadas de todas as maneiras seguintes:

  • Déficits expressivos na comunicação não verbal e verbal usadas para interação social;
  • Falta de reciprocidade social;
  • Incapacidade para desenvolver e manter relacionamentos de amizade apropriados para o estágio de desenvolvimento.

2 – Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades, manifestados por pelo menos duas das maneiras abaixo:

  • Comportamentos motores ou verbais estereotipados, ou comportamentos sensoriais incomuns;
  • Excessiva adesão/aderência a rotinas e padrões ritualizados de comportamento;
  • Interesses restritos, fixos e intensos.

3 – Os sintomas devem estar presentes no início da infância, mas podem não se manifestar completamente até que as demandas sociais excedam o limite de suas capacidades.”

 

Então, é… o Sheldon preenche vários critérios diagnósticos, e pode ser que ele seja considerado dentro do espectro autista… Mas para se ter um diagnóstico certo (a gente chama de “diagnóstico fechado”), é preciso que a criança tenha mais de 3 anos de idade, e há um monte de testes padrões que são aplicados por neuropediatras e psicólogos para determinar os graus de apoio que a pessoa vai precisar e quais as áreas do desenvolvimento que são mais comprometidas.

 

His mother had him tested!

His mother had him tested!

 

Outros personagens “autistas”: Dr. Spencer Reid de Criminal Minds; Drax, O Destruidor, de Guardiões da Galáxia; Gil Grissom do CSI; Abdeh Nadir do Community; e o Legion do X-Men, filho do Professor Xavier, obviously…

Esse link tem um monte de filmes (e bons) sobre autismo!

E, não esquecendo (porque eu acabei esquecendo, que feio!), o vídeo bacanudo do Nerdologia sobre autismo!!!

 

 

Precisamos falar sobre autismo… (Parte II)

Sinais precoces do TEA

(Ou: Como saber se seu filho, sobrinho, vizinho, aluno, amiguinho, etc é autista?)

Geralmente os pais começam a perceber que tem alguma coisa errada no desenvolvimento das crianças quando elas não falam nada ou não se comunicam verbalmente, lá pelos 2 ou 3 anos de idade. Mas há vários outros sinais mais precoces ainda que podem ser observados em bebês bem pequenos. É importante ficar de olho nesses sinais precoces porque, mesmo que não se tenha um “diagnóstico fechado”, os déficits de comportamento podem ser tratados bem precocemente e as pesquisas mostram que a terapia comportamental intensiva e precoce beneficia tanto as crianças com autismo que elas podem acompanhar os coleguinhas da mesma idade na escola, mesmo tendo o diagnóstico de TEA.

Os sinais mais importantes para desconfiar que um bebê pode ter características autísticas são:

Logo ao nascer: o bebê não faz contato visual com a mãe durante a amamentação e não se interessa por brincadeiras ou atividades com adultos;

Por volta dos 3 meses de idade: o bebê não sorri e não segue objetos mostrados pelos adultos;

Por volta dos 7 meses de idade: o bebê não demonstra expressões faciais e não sorri em resposta aos adultos;

Por volta dos 8 meses de idade: nessa fase, bebês com desenvolvimento típico começam a mostrar apêgo aos pais e cuidadores frequentes, chorando e demonstrando desconforto quando vão para o colo de estranhos ou pessoas pouco familiares. Bebês que são indiferentes e “vão com qualquer um” sem reclamar não são “nossa que neném dado!”, podem ser bebês com TEA!

Por volta dos 9 meses de idade: o bebê parece ser “apático”, não responsivo e não comunicativo. Ou seja, não sorri ou ri de volta quando um adulto faz gracinha, não acompanha brincadeiras ou objetos mostrados por adultos e não se engaja em interações sociais;

Por volta de 1 ano de idade: as crianças com desenvolvimento típico começam a falar pelo menos “mamãe” e/ou “papai”. Bebês com TEA podem não falar nenhuma palavra, ou apenas balbuciar sons sem sentido de maneira rítmica e repetitiva;

Por volta dos 18 meses de idade: crianças típicas já imitam ações de adultos ou de crianças mais velhas. Bebês com autismo têm dificuldade de imitar ou não se engajam de modo algum nessa atividade.

 

Quer mais links maneiros, tem sinsinhô!

Como reconhecer os sinais precoces do TEA, no ABCMed.

Outras fontes de informação sobre os sinais do autismo, no site da Autismo Science Foundation.

Videozinho e informações sobre o diagnóstico precoce do TEA, no Autism Speaks.

 

É importante ficar de olho nos sinais precoces do autismo porque, mesmo que não se tenha um “diagnóstico fechado”, os déficits de comportamento podem ser tratados precocemente.

É importante ficar de olho nos sinais precoces do autismo porque, mesmo que não se tenha um “diagnóstico fechado”, os déficits de comportamento podem ser tratados precocemente.

 

O que fazer se meu filho, sobrinho, vizinho, amiguinho, etc apresenta vários desses sinais?

Olha só, a primeira coisa é procurar um pediatra ou neuropediatra e relatar o que acontece. Não se contente se o médico disser que “é assim mesmo, meninos demoram pra falar” ou “cada criança tem seu tempo” ou qualquer coisa do tipo “sua/seu mãe/pai apavorada/o, o moleque não tem nada”. Os pais que realmente fizeram diferença na vida de seus filhos com autismo são aqueles que não se contentaram com a primeira opinião e foram atrás de entender o que acontecia com suas crianças. Pode sim ser um atraso normal no desenvolvimento e desaparecer em algum tempo, mas se não for, se for TEA ou outro atraso global de desenvolvimento, o prognóstico é tanto melhor quanto mais cedo se comece o tratamento.

Também não espere ter um diagnóstico fechado para começar a procurar um tratamento. Se a criança tem problemas motores, ou não se comunica, ou não brinca de maneira adequada, um terapeuta comportamental é capaz de lidar com esses comportamento isoladamente e de maneira comprovadamente eficaz, com técnicas de intervenção individualizada. Mesmo que a criança não esteja no espectro, é melhor resolver logo o problema antes que ele comece a realmente atrapalhar a socialização típica da criança, quando ela for para a escola ou entre os amiguinhos do condomínio…

 

COISAS QUE A GENTE *NÃO SABE* SOBRE O AUTISMO:

Por que está aumentando o número de crianças com autismo?

Não se sabe ao certo. A estimativa do CDC americano é de que 1 em cada 68 crianças com 8 anos de idade nos EUA tem autismo. Uma das hipóteses é de que há mais diagnósticos e mais informação entre a comunidade médica e mais recursos governamentais e das seguradoras de saúde para o tratamento de pessoas no espectro, então o número tem aumentado porque há mais informação e antes várias pessoas que acabavam sendo diagnosticadas com distúrbios de linguagem ou apenas deficiência intelectual podiam ser, na verdade, autistas. Outra teoria é a da causação ambiental: o aumento do contato com substâncias tóxicas (mercúrio, chumbo, PCBs) pode estar causando a “epidemia de autismo”. Ainda outra hipótese é a de que os genes implicados no TEA são de grande herdabilidade e portanto é normal que dentro da população geral haja um aumento progressivo do TEA.

 

O que *CAUSA* autismo?

O autismo não tem uma única causa, e o mais provável, dentre as informações que temos hoje em dia, é que haja uma interação entre fatores genéticos, ambientais e de formação durante o desenvolvimento intra-uterino que contribuem para o quadro final de transtorno autístico. Mas ninguém sabe ainda com certeza o que causa autismo e nem porque ele acontece com algumas pessoas e não com outras…

 

Qual a *CURA* para o autismo?

Até o presente momento não existe *NENHUMA* terapia ou medicamento que *CURE* o autismo. Há melhoras significativas em comportamentos problemáticos com terapia comportamental e determinadas medicações apresentam evidências de funcionarem para melhorar sintomas que comumente são associados ao autismo, como ansiedade, déficit de atenção, agitação motora e epilepsia, por exemplo. Quando a intervenção é feita intensivamente desde muito cedo, pode-se prevenir que problemas comportamentais graves se instalem, e a pessoa pode ter um desenvolvimento muito acelerado quando comparado com o desenvolvimento de outras crianças com TEA que não tiveram tratamento intensivo. Mas o autismo é uma condição pervasiva e crônica durante toda a vida do indivíduo.

 

Quanto antes começar o tratamento, melhor!

Quanto antes começar o tratamento, melhor!

 

COISAS QUE A GENTE *JÁ SABE* SOBRE O AUTISMO:

O que *NÃO CAUSA* autismo?

1. Vacinas *NÃO CAUSAM AUTISMO*. Não há nenhuma relação comprovada entre vacinação – ou substâncias presentes nas vacinas (alô, mercúrio! estou olhando pra você…) – e autismo. Ao contrário, há uma quantidade imensa de estudos que comprovam que vacinas *NÃO CAUSAM AUTISMO* e que não há nenhuma relação entre o aumento da quantidade de crianças vacinadas e aumento do número de casos de autismo.

2. A relação entre a mãe e o bebê, por mais atribulada que seja, *NÃO CAUSA AUTISMO*. A tal da “Teoria da Mãe Geladeira” nunca foi comprovada cientificamente e não há nenhuma evidência que relacione abandono ou negligência infantil com autismo. A culpa *NÃO É DA MÃE*, por mais que alguns ignorantes por aí insistam nessas besteiras.

3 & etc… Outras teorias sem nenhuma sustentação em bases científicas são as de que o autismo pode ser causado por infecções bacterianas ou alergias alimentares. Essas teorias só serviram para enriquecer gente ávida para vender soluções e dietas mirabolantes aos pais de crianças autistas e nunca tiveram nenhuma comprovação científica de serem verdadeiras.

 

O que *NÃO CURA* ou *NÃO MELHORA* o autismo?

1. Terapias e métodos de tratamento sem nenhuma evidência científica como quelação, câmara hiperbárica, dietas especiais ou MMS (Miracle Mineral Supplement) são inócuos e na maioria das vezes perigosos para as pessoas que se submetem a eles. Apesar disso, há uma crescente “indústria do autismo” pronta para vender aos pais qualquer esperança de cura ou de “normalização” dos sintomas de crianças autistas.

2. Outras terapias como Integração Sensorial ou Equoterapia não apresentaram até o momento nenhuma evidência de eficácia para melhora de comportamentos problemáticos de pessoas com TEA. Há algumas indicações de que quando usadas de maneira adequada, conjuntamente ou em suporte a terapia comportamental e feitas por profissionais qualificados, elas podem ajudar a melhorar aspectos pontuais e sintomáticos do autismo, como ansiedade, coordenação motora e equilíbrio, por exemplo. Mas se usadas isoladamente e sem acompanhamento comportamental adequado, não há nenhum benefício para o quadro de TEA de forma significativa.

 

Quais tipos de tratamento ou terapias *MELHORAM OS COMPORTAMENTOS DO AUTISMO*?

A terapia comportamental ou Análise do Comportamento Aplicada (ABA) tem sido a terapia “de escolha” indicada pela OMS e pela maioria das agências governamentais de saúde nos EUA. Diversos estudos avaliaram diferentes técnicas usadas nos tratamentos e intervenções comportamentais e há fortes evidências de que as crianças com autismo se beneficiam mais desses tratamentos do que de qualquer outro disponível atualmente, principalmente quando o tratamento é iniciado bem cedo e quando é aplicado por profissionais capacitados. Essas terapias são baseadas no ensino de comportamentos adequados de maneira sistemática e individualizada, para cada criança a seu tempo e de acordo com seu desenvolvimento individual; e no manejo de comportamentos problemáticos usando técnicas positivas de modificação comportamental.

 

Estudos mostram que crianças com autismo se beneficiam mais de tratamentos comportamentais do que de qualquer outro tratamento disponível atualmente.

Estudos mostram que crianças com autismo se beneficiam mais de tratamentos comportamentais do que de qualquer outro tratamento disponível atualmente.

 

Muitos e muitos links!!! É uma surra de links, minha gente:

Sobre o que é ABA, no Autism Speaks.

Como funciona uma intervenção comportamental/ABA, na Revista de Autismo.

Mais ainda sobre ABA, num textinho maneiro do Caio Miguel, no site Desvendando o Autismo.

E mais UM MONTÃO de artigos CIENTÍFICOS, publicados em PERIÓDICOS RECONHECIDOS, sobre a eficácia das intervenções comportamentais:

Efficacy of applied behavior analysis in autism.

Efficacy of applied behavioral intervention in preschool children with autism for improving cognitive, language, and adaptive behavior: a systematic review and meta-analysis.

Applied behavior analysis treatment of autism: the state of the art.

Comprehensive synthesis of early intensive behavioral interventions for young children with autism based on the UCLA young autism project model.

The effectiveness of intervention on the behavior of individuals with autism: a meta-analysis using percentage of data points exceeding the median of baseline phase (PEM).

 

Se você não viu, o primeiro post sobre autismo tem bastante informação, viu?!!

Ainda tem a última parte dessa série! Sobre pessoas autistas e whatnot! Stay tuned!!!

Precisamos falar sobre autismo… (Parte I)

O que *É* autismo?

Autismo é uma SÍNDROME COMPORTAMENTAL, quer dizer, um conjunto de comportamentos que se desenvolvem de maneira diferente, que dificultam o funcionamento “normal” da pessoa e diminuem sua qualidade de vida. No autismo, esses problemas comportamentais acontecem nas áreas de comunicação e relações sociais, e são acompanhados de padrões comportamentais estranhos, repetitivos e restritivos.

Uma pessoa com autismo pode ter sérios comprometimentos na socialização, porque não consegue se comunicar de maneira eficiente, pode apresentar dificuldades de manter contato visual com outras pessoas e ter a linguagem pouco desenvolvida. Por causa da falta de contato visual, fica difícil para as pessoas com autismo entenderem o que a gente chama de “linguagem não-verbal”: as expressões faciais, entonações e pausas, e gestos comunicativos. Por isso essas pessoas acabam tendo dificuldade de manter conversações e até mesmo de manter relações sociais profundas e duradouras, porque é difícil para os outros se comunicar com elas, e difícil para elas entenderem os outros.

Além disso, por apresentarem comportamentos considerados “estranhos”, como fixação por determinados assuntos, ou ficarem repetindo o mesmo gesto ou palavra, ou se focarem muito em um só tipo de estímulo, as pessoas com autismo acabam sendo afastadas do convívio social considerado “típico”. Esses comportamentos repetitivos restringem o tempo e a motivação das pessoas autistas para se engajar em relações sociais com as outras pessoas e diminuem as chances de que elas aprendam a se comunicar e se relacionar de maneira “aceita socialmente”.

Onde estão os links bacanas com muitas informações?

Estão aqui, abiguinha e abiguinho:

Diagnóstico, na Autismo e Realidade

Critérios diagnósticos do DSM-5, na Autism Speaks, em inglês.

 

Uma das características comportamentais do autismo é a dificuldade de interação social.

Uma das características comportamentais do autismo é a dificuldade de interação social.

 

A “invenção” do autismo

Eugen Bleuler (parça do Freud) foi o primeiro a usar o termo AUTISTA para descrever crianças com problemas de interação social, em 1911. A palavra “autismo” significa “fuga para dentro de si mesmo”, e tem a mesma raiz – “auto” – de autômato ou auto-estima. Mas foi em 1943 que Leo Kanner, um médico da Johns Hopkins University, publicou um artigo descrevendo 11 crianças que, segundo ele, tinham um “poderoso desejo de solidão” e “uma insistência obsessiva por monotonia persistente”.  Mais ou menos na mesma época, um alemão chamado Hans Asperger descreveu o que era conhecida como “Síndrome de Asperger” em 400 meninos com alta inteligência, mas incapazes de desenvolver habilidades sociais e relações interpessoais e que apresentavam interesses obsessivos por determinados assuntos.

Até mais ou menos a década de 1960, o autismo clássico estava fortemente ligado a esquizofrenia (foi chamado de “esquizofrenia infantil” por muito tempo, a nomenclatura “autismo” só foi oficialmente introduzida no DSM em 1980), mas nessa época os médicos começaram a descrever conjuntos de comportamentos típicos do autismo e que se relacionavam com fatores hereditários. Nessa mesma época os primeiros tratamentos comportamentais que focavam em ensinar comportamentos sociais adequados e comunicação para as crianças autistas começaram a ser desenvolvidos e a demonstrar eficácia.

“Mas onde saber mais?” você me pergunta…

Fret not:

História do autismo, no site Parents e no WebMD.

 

 

Leo Kanner foi o primeiro a observar os comportamentos típicos do autismo.

Leo Kanner foi o primeiro a observar os comportamentos típicos do autismo.

 

O “cérebro autista”

O autismo é um Transtorno Global do Desenvolvimento porque afeta várias áreas da vida, e é pervasivo ao longo de todo o desenvolvimento da pessoa. (quer dizer, vai estar presente em todas as fases do desenvolvimento…) Mais que isso, o autismo é considerado um *ESPECTRO*, porque cada indivíduo vai desenvolver os sintomas de maneira diferente, em diversos graus, desde os mais severos até os mais moderados. Atualmente, classifica-se o autismo em 3 níveis, dependendo da quantidade de ajuda – ou “suporte” – que a pessoa com autismo necessita para viver. Algumas pessoas com autismo precisam de supervisão constante e de ajuda para todas as tarefas do dia-a-dia, enquanto outras têm apenas dificuldades de manter relações sociais ou de se comportar adequadamente em contextos diferentes.

Ninguém sabe com absoluta certeza *O QUÊ* causa o autismo. Existem fatores hereditários envolvidos, se uma família tem um criança com autismo, as chances de que outro filho também esteja “no espectro” aumentam 75 vezes. Mas isso não quer dizer que existe um “gene do autismo”. Na verdade, os pesquisadores já descobriram que 20 dos nossos 23 cromossomos têm regiões que podem estar envolvidas no autismo. Pesquisas com famílias mostraram que uma variedade de “defeitos” genéticos pode levar ao aparecimento dos sintomas do autismo, algumas pessoas estudadas tinham genes “faltando”, outras tinham genes “mutados” e outras ainda tinham genes “a mais” quando comparados com seus pais ou irmãos que não tinham o Transtorno.

Além de fatores genéticos, fatores ambientais podem ser causa, ou ao menos aumentarem as chances de que uma pessoa tenha autismo. Sabe-se que a exposição precoce a algumas substâncias tóxicas como mercúrio, chumbo e PCB (polychlorinated biphenyls, um troço usado em alguns lubrificantes) pode causar autismo em crianças pequenas. Outras pesquisas demonstraram altos níveis de testosterona pré-natal produzida pelo feto no primeiro trimestre da gravidez estão associados com a redução de habilidades sociais e com a hipersensibilidade a alguns estímulos.

Tanto os esses fatores genéticos quanto ambientais provavelmente causam autismo porque interferem no desenvolvimento típico de estruturas do cérebro como o corpo caloso (que faz a comunicação entre os dois hemisférios cerebrais), a amígdala (que regula emoções e comportamento social) e o cerebelo (envolvido no equilíbrio do corpo, coordenação e controle motor). Também é possível que estejam implicados na regulação dos neurotransmissores serotonina (que afeta emoções e comportamentos) e glutamato (que é importante para a atividade neural). Todas essas mudanças em conjunto podem explicar o aparecimento dos comportamentos típicos do Transtorno do Espectro Autista (daí que vem a sigla, TEA, que é muito usada para designar o autismo).

Recentemente alguns estudo demonstraram que os “comportamentos autísticos” podem ser efeito do aumento de conexões cerebrais – as sinapses. No desenvolvimento cerebral típico, ocorre uma “explosão” no número de sinapses do córtex na primeira infância, mas depois esse número diminui pela metade. Em crianças com autismo, essa diminuição é de apenas 16%, levando a um excesso de sinapses que atrapalham o funcionamento “normal” do cérebro.

 

As imagens, retiradas do site de notícias da Columbia University (link abaixo), mostram um nerônio de uma criança com desenvolvimento típico (à esquerda) e um neurônio de uma crianças com TEA (à direita). Os pontinhos ou

As imagens, retiradas do site de notícias da Columbia University (link abaixo), mostram um nerônio de uma criança com desenvolvimento típico (à esquerda) e um neurônio de uma crianças com TEA (à direita). Os pontinhos ou “espinhos” nos ramos dos neurônios indicam as sinapses. (Créditos da imagem: Guomei Tang and Mark S. Sonders/CUMC)

 

E os link?

Mas é claro:

Informações básicas sobre o cérebro, no How Stuff Works.

Sobre autismo e hereditariedade, no The Tech.

Genética do autismo, na Autism Speaks.

Textinho da Cambridge University sobre o cérebro autista.

Pesquisa sobre depleção de genes no autismo, link para o artigo original.

Notícia da Columbia University sobre as sinapses extras.

 

Nas próximas postagens…

Posts sobre as características comportamentais do autismo, tipos de tratamento, e fact checking dos mitos sobre o autismo.

E a moça autista da novela, heim???

Eis que, de repente, minha caixa de email começou a lotar com mensagens de gente perguntando qualé a da moça da novela…

“Mas uma pessoa autista é daquele jeito mesmo?”

“Um autista pode namorar?”

“Pode isso, Arnaldo?”

(Não exatamente assim, mas meio por aí…)

Vamos começar esclarecendo o seguinte:

1. A personagem da novela Amor à Vida, a Linda, NÃO É AUTISTA, ok? Apesar do autor “querer” retratar um indivíduo com Transtorno do Espectro Autista (TEA), as características demonstradas pela Linda no desenvolvimento da personagem são confusas e muitas vezes jamais se enquadrariam nas características de pessoas com TEA…

2. Pessoas autistas têm uma imensa variedade de características, diferentes de indivíduo para indivíduo. Cada uma terá determinadas características diferentes das outras. Principalmente, há GRAUS variados de comprometimento desde um autismo leve (que a gente chama de “alto funcionamento”, porque geralmente não impede que a pessoa tenha uma vida relativamente “normal” e produtiva) até graus bem severos, em que há muito comprometimento das funções cognitivas, da comunicação e dos comportamentos.

3. O tratamento psicológico da Linda, como foi mostrado na novela, dá vontade de chorar. Sério: quantas vezes mesmo a gente viu o Psicologuinho-da-Novela em sessão terapêutica com a Linda? Eu contei três. E em NENHUMA delas o que foi mostrado chega nem em sonho perto do que é realmente o tratamento adequado para autismo. Teve uma cena em que o Psicologuinho-da-Novela segurava um cartaz  e dizia pra Linda: “Olha aqui, é assim que arruma a cama. Hoje você vai arrumar a cama, tá?” E daí a Linda ia lá e arrumava a cama… Not even in your wildest dreams que uma pessoa com comprometimento cognitivo severo – como a personagem demonstrava naquele ponto da trama – ia adquirir uma habilidade tão complexa como arrumar a cama só de olhar pra um cartaz, ok??? ISSO NON ECXISTE!!!!

4. O desenvolvimento cognitivo, social e comunicativo da personagem deu um salto imenso desde que ela começou a ser tratada (em três sessões!) pelo Psicologuinho-da-Novela. Não é beeeeeeeeeeem assim que acontece… O tratamento do autismo é feito por diferentes profissionais: psicólogo, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, T.O., neurologista, psiquiatra, e mais um monte de gente. E é um tratamento intensivo, todo dia, o dia inteiro, e envolve também os pais e os cuidadores da criança. Se iniciado precocemente, quando a criança é bem pequenininha, o desenvolvimento pode ser quase igual ao de uma criança típica em algumas áreas. Mas quanto mais tarde o tratamento é iniciado, mais lento é o resultado.

5. Aí o Adêvogado-Gato apareceu, deu um monte de tintas, pincéis e cartolinas pra ela, e OLHA-SÓ!, praticamente CUROU o TEA da Linda. Só pra deixar BEM claro: amor só cura dor-de-cotovelo e DPPnB (Depressão Pós Pé-na-Bunda), ok???

(Disclaimer: Arteterapia é uma tipo de terapia de suporte válida e embasada em evidências. Dar um monte de guache prum indivíduo autista e falar “pintaê, meu filho!” NÃO É ARTETERAPIA!!!!)

Mas… mas… mas…

Ora? Direis… Ouvir estrelas? Não, péra!

Mas afinal, O QUE É AUTISMO?

Bear with me.

O autismo é uma síndrome (aka, conjunto de sintomas) que compromete três áreas do desenvolvimento:

a. a comunicação/linguagem fica seriamente comprometida, com grandes atrasos na compreensão e na produção da fala. Alguns autistas têm falas inadequadas e repetitivas (ecolalia), fora de contexto e muitas vezes desconectadas da realidade.

b. a socialização: pessoas com TEA têm extrema dificuldade de manter contato social com outras pessoas. Bebês autistas não fazem contato visual e não conseguem manter atenção conjunta – se você apontar para um objeto, a criança vai olhar para a ponta do seu dedo e não para onde você está olhando e apontando. Muitas vezes os autistas relatam que não conseguem entender sinais de emoção nos outros, ou não conseguem entender e expressar suas próprias emoções e sentimentos. E a gente sabe que “são tantas emoções”… (Desculpa, não resisti.)

c. os comportamentos de pessoas autistas podem ser extremamente inadequados à situação e inapropriados. Não é incomum a presença de comportamentos abusivos ou auto-lesivos, em que a pessoa pode se machucar sério se não for contida. Também é comum que pessoas dentro do espectro autista tenham interesses restritos por algum tipo de objeto ou assunto, em alguns casos raros isso pode gerar uma “super-especialização” ou alta habilidade. Por exemplo, o cara se torna um virtuose do piano, ou é contratado pela CIA para descobrir códigos secretos. (Por favor, atenção ao adjetivo RARO. Obrigada.)

Então, de modo geral, o TEA (você vai achar por aí as nomenclaturas Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, Transtorno Global do Desenvolvimento ou Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação, porque o nome varia de acordo com o manual que você usa, mas é tudo praticamente a mesma coisa) é uma condição que compromete todo o desenvolvimento do indivíduo. Seres humanos têm a incômoda mania de aprender coisas uns com os outros. Mas se o bebê já nasce com uma dificuldade de manter contato visual e atenção conjunta, fica difícil ensiná-lo a falar mamãe, a pegar o nariz do papai, a identificar quando a titia está sorrindo e sorrir de volta… e assim por diante, comprometendo todo o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Provavelmente por isso – a gente ainda não sabe com certeza absoluta, mas a hipótese é boa – há uma grande comorbidade entre autismo e déficit cognitivo.

Well… Todo esse preâmbulo pra chegar no assunto da semana, que é: “Mas e aí, o que você acha da moça autista da novela namorar?”

Linda e o Adêvogado-Gato…

Eeeeeeeeeeeeerrr… Olha, é complexo.

DO JEITO QUE ESTÁ NA NOVELA, ou seja, uma MENINA com sério comprometimento cognitivo e de comunicação, se envolvendo com UM HOMEM adulto, com desenvolvimento típico, provavelmente bem mais velho, e sem o consentimento da família: NÃO.

Fácil assim.

[Que parte de “uma MENINA que não é capaz de tomar decisões plenas se relacionando com um HOMEM mais velho e em situação de poder privilegiada” você acha que pode ser discutida?]

Ok. Moving on.

Como o autismo (assim como a deficiência cognitiva) tem vários graus, e cada indivíduo se desenvolve de maneira única, as coisas têm que ser analisadas caso a caso com muito cuidado e bom senso. (I know. I know…)

Muitas coisas deviam ser levadas em consideração em casos como esse: qual o grau de comprometimento cognitivo dessa pessoa? Ela consegue tomar decisões sozinha? Ela tem habilidade para pesar todas as consequências de suas decisões? Qual o grau de desenvolvimento emocional dessa pessoa (ou das duas envolvidas)? Há uma relação de poder e de “capacidades” muito desequilibrada entre as pessoas envolvidas? Esse relacionamento deve ser constantemente monitorado pelos pais e cuidadores ou o casal pode ter certo grau de autonomia e “intimidade”? E mais um monte de coisas…

As pessoa com TEA não têm necessariamente o desenvolvimento emocional comprometido, é claro que elas podem se apaixonar e ter um relacionamento romântico e/ou sexual saudável com outra pessoa. Há várias pessoas autistas casadas, pais e mães de família, que se dão muito-bem-obrigada com ou sem apoio externo. Mas há sim, e muitos, casos em que o autista precisa de supervisão e apoio constante até na idade adulta, porque ele não tem habilidade de tomar decisões complexas sozinho, ou não consegue se comunicar com eficiência, ou mesmo porque seu grau de desenvolvimento cognitivo não permite que ele  seja considerado “legalmente capaz”.

Pois é, tem mais essa questão da “capacidade legal“: pessoas com comprometimento cognitivo são consideradas como crianças pela lei. É o tal do “incapaz”, ou seja, a pessoa é “incapaz” de consentir com o avanço romântico e sexual de outra pessoa. Essa lei foi feita para proteger crianças e pessoas que não têm habilidade cognitiva suficiente para tomar decisões adequadas. Por um lado ela ajuda, mas por outro, pode atrapalhar quando o indivíduo, apesar do déficit cognitivo, é sim capaz de tomar decisões, mesmo que ele precise de ajuda e suporte profissional ou da família. Então, tudo tem que ser analisado com cuidadinho… e cada caso é um caso.

É. Tudo depende. Bem vindo ao mundo real, em que as coisas têm vários tons de cinza (UÔU!) e não são só preto ou branco.

 

[Sugestão: leia esse post da Verinha da Silveira no blog “Feminismo Sem Demagogia”… Bacana, com muita informação e entrevistas com mães de pessoas com TEA.

Outra sugestão: esse outro post do Professor Celso Goyos no blog “Vamos falar sobre autismo” para esclarecer dúvidas sobre o diagnóstico e o tratamento do autismo. Sim, ele é meu supervisor de Pós-doutorado e esse é o blog do Lab onde eu trabalho. ]

Os Pastorzinhos e o Código de Ética: um a(u)to de homofobia

Os digníssimos deputados federais João Campos (Pastor, Delegado de Polícia, Técnico Contábil e presidente da Frente Parlamentar Evangélica) e Roberto de Lucena (Conferencista, Escritor, Pastor Evangélico e relator da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados) resolveram que, além de suas habilidades como legisladores, eles agora também têm estatura moral e repertório científico suficientes para legislar sobre a Ciência e a profissão dos outros. No caso, a minha. Então, segura Berenice…

Resumindo a ópera (ou, o Auto de Natal), os dois pastores apresentaram um projeto de decreto legislativo que “susta a aplicação do que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação sexual.” Ou seja, eles pretendem tornar inválida a resolução do Conselho Federal de Psicologia que estabelece normas de atuação para os psicólogos sobre questões que envolvem a orientação sexual dos seus clientes. O nosso Código de Ética diz que:

RESOLUÇÃO CFP N° 001/99 DE 22 DE MARÇO DE 1999:

Art. 3° – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

 

Vai daí que, para qualquer leitor com um mínimo de boa vontade em interpretação de texto, em nenhum momento o CFP proíbe o psicólogo de intervir clinicamente se um cliente o procura porque não aceita ser gay, ou porque está em crise ou em sofrimento por algum motivo ligado à sua orientação sexual. O que o Conselho (e a APA, e a OMS) proíbem é que se dê status de doença e de transtorno mental a uma condição sexual normal do ser humano.

Entre outras atrocidades cometidas ao longo do texto dos pastorzinhos tanto contra o bom senso quanto contra as evidências científicas e as técnicas psicológicas (a definição deles de orientação sexual egodistônica é uma fofura), os legisladores-em-causa-própria gastaram várias páginas para defender o indefensável baseados em premissas completamente falsas. Por exemplo:

“O Conselho Federal de Psicologia, no intuito de se posicionar contra
uma visão da atração sexual por pessoas do mesmo sexo enquanto uma patologia, extrapolou seus poderes.”

 

O projeto TODO é baseado nesse argumento. Que está errado em vários sentidos. Primeiro, não é o CFP que se posiciona contra a patologização da homossexualidade, é a OMS. O Conselho segue a OMS, assim como todo o sistema de saúde pública do país. Depois, o CFP tem poderes de regular a profissão, e se resolverem que de hoje em diante todos os psicólogos têm que usar uma melancia no pescoço enquanto estiverem no exercício da profissão de psicólogo, eles têm esse poder e todo mundo vai ter que providenciar a melancia se quiser se identificar como “Psicólogo”.

O CFP não impede que ninguém seja imbecil, se o cara quiser ir na Igreja ou no Country Clube fazer palestra sobre como os gays vão queimar no inferno e/ou sobre como o casamento gay vai manchar a sagrada instituição da família e destruir as bases da sociedade civilizada, esse fulano pode fazer isso à vontade (infelizmente, no Brasil homofobia não é crime tipificado). O que ele NÃO pode fazer é usar o título de psicólogo para avalizar essas asneiras. Os profissionais de Psicologia deveriam saber (é, eu sei… eu sei…) a diferença entre suas convicções pessoais e aquilo que sua ciência estabelece, entre o que é opinião e o que é baseado em evidência.

Mais um, como bem lembrou a Pri Grisante, a queixa do cliente pode ser “eu não quero ser homossexual”, mas o trabalho do psicólogo é descobrir POR QUE o sujeito está em sofrimento e em que sua orientação sexual contribui para esse quadro. Não precisa nem ser um gênio pra descobrir isso… A intervenção deveria ser no sentido de aumentar o repertório do cliente para lidar com o ambiente aversivo, coisa que ele não só pode como deve ser capaz de fazer, e NÃO intervir para “mudar” a orientação sexual do cara, mesmo porque já está muito evidente que essa orientação, uma vez estabelecida, não vai mudar. Qual o problema em enxergar o óbvio? Oh, wait…

Há vários outros pontos do projeto que são facilmente rebatidos, mas essa gente me dá uma preguiça. Leia o texto dos pastores na íntegra e tire suas próprias conclusões. Sério, vale a pena, é uma obra de arte. Só que não.

Pensamento analítico e empatia podem ser mutuamente excludentes

Olhe para essa imagem:

 

Você pode ver o pato? Olhe de novo, você pode ver o coelho? Agora tente ver o pato E o coelho ao mesmo tempo.

É, você não pode.

Isso acontece porque seu cérebro não consegue codificar as duas imagens ao mesmo tempo, há uma inibição neural entre as duas representações. Esse processo é conhecido como “rivalidade perceptual”. A mesma lógica pode ser usada para entender as descobertas deste artigo publicado na edição de outubro da revista NeuroImage.

Os pesquisadores colocaram 42 sujeitos saudáveis, todos estudantes universitários, numa máquina de ressonância magnética funcional (fRMI) e pediram para que eles executassem diferentes tipos de tarefas de reconhecimento de expressões faciais e de resolução de problemas de matemática e física. O equipamento registrou a atividade das redes neurais do cérebro durante os diferentes tipos de tarefas e esses registros foram comparados.

Além de mostrar que a maior parte do córtex é dedicada à funções sociais, os resultados demonstraram o fenômeno de rivalidade neural em uma escala muito maior do que o da figura pato-coelho. Houve inibição de toda a rede neural do cérebro entre aquela usada para envolvimento social, emocional e moral com outras pessoas e a que usamos para raciocínio científico, lógico e matemático. Ou seja, ou bem a gente resolve um problema lógico, ou bem a gente se preocupa com o coleguinha. O cérebro, aparentemente, não consegue fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Os autores apontam que os resultados podem explicar, por exemplo, o funcionamento neural de indivíduos com condições que impedem as funções sociais (como o autismo) ou aquelas que impedem as funções lógicas (como a síndrome de Williams). No autismo, a pessoa afetada não consegue se engajar em relacionamentos sociais, não demonstra empatia e tem a comunicação muito prejudicada, embora as funções lógicas possam estar presentes em grau muito mais elevado do que em indivíduos com desenvolvimento típico. Já na síndrome de Williams, as pessoas afetadas são super-sociais e têm uma empatia acima da normal, mas as funções cognitivas são muito comprometidas. Os cientistas sugerem que o tratamento para essas condições poderia focar em balancear o uso dessas duas redes neurais, de forma a equilibrar o funcionamento cerebral.

Fazendo um pouco de esforço interpretativo, podemos começar a entender porque alguns executivos bem sucedidos tendem a tomar decisões ignorando as consequências sociais e mantendo o sucesso nos negócios.

Primum Non Nocere

*Antes de tudo, não causar dano.

(Juramento de Hipócrates)

Um estudo de 2007, publicado na Perspectives on Psychological Science, lista vários tratamentos psicológicos e terapias que, além de não surtirem o efeito esperado, são potencialmente perigosas para aqueles que se submetem a elas. Além dos medalhões de sempre, como terapia de vidas passadas, terapia de renascimento, comunicação facilitada, terapia de conversão (a tal da “cura gay”, go figure) e toda a gama de pseudo-terapias sem validação científica que se vê por aí a torto e a direito, os autores indicam que alguns programas e terapias baseados em evidência podem ser potencialmente prejudiciais aos consumidores.

Programas de reabilitação intensiva de dependentes químicos (boot camps, algo similar às clínicas de rabilitação brasileiras), por exemplo, parecem não ajudar a eliminar a recaída e ainda podem causar um aumento na ansiedade dos dependentes quando eles saem da clínica e são obrigados e funcionar adequadamente nos mesmos ambientes que antes eram associados ao consumo de drogas e/ou álcool.

A terapia de casal, também, pode levar os clientes a um nível inicial de estresse e conflito tão grande que o os parceiros não resistem aos primeiros passos da terapia e acabam se separando, e consequentemente, abandonando o tratamento antes que ele possa alcançar o objetivo desejado a longo prazo. Esse mesmo efeito de deterioração pode acontecer em terapias de exposição, aquelas em que, para tratar uma fobia muito grave, o cliente é exposto ao estímulo que causa ansiedade. Embora a maioria das pessoas, em algum momento do processo terapêutico, possa sentir-se “pior” ou “mais infeliz” do que quando não faziam terapia, é importante ressaltar que a regra de senso comum “primeiro piora para depois melhorar” (ou, no pain no gain) não se aplica aqui. Se você sente que as sessões de terapia sempre te deixam ansioso, deprimido ou desconfortável, e que você não está aprendendo a lidar melhor com seus problemas, alguma coisa pode estar muito errada com a linha de ação perseguida pelo terapeuta. No mínimo, vale uma boa conversa com ele.

Outro problema que alguns tipos de terapias pode causar é a indução de sintomas que antes não estavam presentes. O caso clássico dos psicanalistas americanos processados por induzirem seus clientes a “lembrar” de abusos infantis que não haviam acontecido de verdade ilustra bem esse tópico. Mas não precisamos ir tão longe: oferecer aconselhamento psicológico a vítimas de catástrofes ou a pessoas em luto que não apresentam sintomas extremos de ansiedade e depressão, mas estão expressando um processo normal de reação à perdas e à dor, pode levar essas pessoas a ficarem super-conscientes de seus sentimentos, exacerbando a dor e procurando sintomas de depressão ou de estresse pós traumático onde de fato existe apenas a reação normal a determinados eventos.

A APA (Associação Americana de Psicologia) mantém uma lista atualizada de terapias potencialmente prejudiciais e faz revisões periódicas das evidências científicas que embasam as terapias praticadas nos EUA. No Brasil, o órgão que deveria fiscalizar a prática psicoterapêutica, o Conselho Federal de Psicologia, tem tido uma atuação bem pouco competente nesse sentido. Então, sobra para o cliente e consumidor de serviços de psicologia buscar informações sobre o tipo de terapia, seus prós e contras e, principalmente, quais os tipos de resultados que ele pode esperar.

 

Referências:

Lilienfeld, S.O. (2007). Psychological Treatments That Cause Harm. Perspectives on Psychological Science, 2(1), 53-70.

Spitzer, R.L. (2003). Can Some Gay Men and Lesbians Change Their Sexual Orientation? 200 Participants Reporting a Change from Homosexual to Heterosexual Orientation. Archives of Sexual Behavior, 32(5), 403-417.

Cesar Ades (1943 – 2012)

Pioneiro”, “entusiasta”, “eclético” e “apaixonado pela ciência e pela vida”. Essas foram algumas das palavras usadas por ex-alunos e orientandos de Cesar Ades ao lembrar-se do professor e amigo. Sempre sorridente e encantador, Ades – falecido esta semana em decorrência de um atropelamento – deixou marcas profundas tanto na História da Ciência no Brasil quanto na vida daqueles que o conheceram. Durante sua extensa carreira, formou 34 mestres, 22 doutores e uma imensidão de profissionais em etologia, psicologia e biologia.

 

 

Cesar Ades foi professor titular do Departamento de Psicologia Experimental da USP desde 1994 e foi um dos grande responsáveis pelo início e desenvolvimento dos estudos na área e comportamento animal no Brasil. Foi diretor do IP-USP de 2000 a 2004 e vice-diretor de 1998 a 2000. Em 2004 ingressou no Conselho Deliberativo do IEA. Também participou do Conselho Deliberativo do Hospital Universitário da USP e do Conselho Curador da Fuvest, além ser de membro do International Council of Ethologists, da International Society of Comparative Psychology e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Etologia, da qual foi fundador. Foi editor desde 1999 da Revista de Etologia e membro do conselho editorial dos periódicos Behavior and Philosophy e Acta Ethologica.

Foi responsável pela instauração da comissão de ética em pesquisa com seres humanos no IP/USP e pela criação da CEPA (Comissão de Ética em Pesquisas com Animais). “Defendi uma ética animal centrada no animal, isto é, que parta do conhecimento de como o animal é e de suas adaptações individuais e de espécie. Um exercício de respeito pela alteridade que também vale para o caso humano.” (Kinouchi & Ramos, 2011).

Em 2011, o Professor Cesar Ades participou do II Simpósio do INCT-ECCE na UFSCar, ministrando a conferência de abertura do evento, sobre Teoria da Mente em cães. Durante mais de uma hora, o auditório lotado com mais de 250 pessoas ouviu, aprendeu, riu e se emocionou tanto com a apresentação impecável de pesquisas e métodos científicos, quanto com a personalidade cativante do palestrante.

Mais do que uma longa lista de conquistas acadêmicas, Cesar Ades foi um mestre na arte de ensinar e cativar pessoas. O site Science Blogs Brasil fez uma série especial em homenagem a Cesar Ades, com relatos de alunos e ex-alunos que lembram com carinho do mestre:

“Um dia, enquanto contava animado sobre o que tinha aprendido no transcorrer do meu mestrado ao Cesar, ele me perguntou se eu não gostaria de apresentar aquilo tudo na forma de um mini-curso no encontro de etologia seguinte, em Brasília. Tremi de cima a baixo e argumentei que não tinha titulação ainda. E ele me convenceu de que idéias eram mais importantes do que títulos.” (Eduardo Bessa, zoólogo na Universidade do estado de Mato Grosso, especialista em comportamento animal.)1

 

“Em uma das últimas conversas que tive com ele, há apenas algumas semanas, ele folheava sua agenda a fim de encontrarmos uma data para a realização de mais um de seus projetos. Ele parou em determinada página, sobre a qual estava o ramo seco de uma planta. Ao ver minha curiosidade sobre que planta era aquela, ele perguntou: Você sabe o que é isso? Eu respondi que não. Então ele disse: Esfrega na mão… cheire. Abriu um sorriso ao ver que tinha me surpreendido com o aroma e disse: É lavanda! Então destacou uma folha do ramo e me deu (“Pega pra você!”). Desde então levo guardada a folha de lavanda na carteira e sempre levarei comigo para me lembrar do professor César e, quando que me sentir desorientado, lembrar porque sou também apaixonado pelo o que faço.” (Lucas Peternelli é doutorando do Dep. de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia – USP.)2

 

“César viveu por 69 anos como quis: intensamente e produzindo conhecimento!” (Francisco Dyonísio C. Mendes, mais conhecido como Dida, é atualmente professor de psicologia evolucionista na Universidade de Brasília – UnB.)3

 

Referências:

KINOUCHI, Renato Rodrigues and RAMOS, Maurício de Carvalho. Psicologia e biologia: entrevista com César Ades. Sci. Stud. [online]. 2011, vol.9, n.1, pp. 189-203. ISSN 1678-3166.

“Sobre o falecimento de Cesar Ades”, no RNAm (http://scienceblogs.com.br/rnam/2012/03/falecimento-cesar-ades/)

Citações em:

1. “Um memorial ao Cesar Ades”, no Ciência à Bessa (http://scienceblogs.com.br/bessa/2012/03/um-memorial-ao-cesar-ades/)
2. “Ao mestre, com carinho”, no RNAm (http://scienceblogs.com.br/rnam/2012/03/ao-mestre-com-carinho/)
3. “Uma homenagem ao mestre Cesar Ades”, no SocialMente (http://scienceblogs.com.br/socialmente/2012/03/uma-homenagem-ao-mestre-cesar-ades/)

Feliz Natal!

À todos os leitores, amigos e queridos…

O verdadeiro significado do Natal: voltar pro único lugar que realmente nos pertence.

Feliz Natal!!!

O Sexismo Benevolente

Então que a marca de lingerie Hope pode ter que tirar de circulação a peça publicitária com a Gisele – meodels, a Gisele de novo… – porque a Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal entendeu que “a propaganda promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido e ignora os grande avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas”.

À parte meia dúzia de feminazis, a escorchante maioria das pessoas achou o filmete no máximo “engraçadinho”. O que é que tem, gente!?!??! Agora não pode nem fazer uma piadinha?!?!? Bando de mal-amadas. As mulheres já conquistaram direitos iguais aos dos homens, já conquistaram os bancos escolares e os cargos importantes nas empresas, pra quê tanto mimimi?!?!

Se você concorda com as frases do parágrafo acima, no todo ou em parte, você é, SIM, sexista. Independente de seu gênero, você se comporta de modo a perpetuar determinadas relações interpessoais baseadas na desigualdade social entre homens e mulheres. E pior: você pode estar agindo dessa maneira sem nem mesmo dar-se conta. Você pode ser um “Sexista Benevolente”.

O Sexismo Benevolente é aquele que, sem ser ostensivo ou agressivo, reforça a idéia de que “mulheres são seres frágeis”, “não foram feitas para trabalhos pesados” e, portanto, devem ser cuidadas e tuteladas pelos homens. A ideologia do Sexismo Benevolente baseia-se na pretensa diferença de “força” entre homens e mulheres e se infiltra nas atitudes cotidianas disfarçada de “demonstração de carinho”, “cuidado com a mulher” e até mesmo de “cavalheirismo”. Mas, diferentemente do sexismo explícito, aquele obviamente machista e misógino, ou do sexismo “moderno” que não quer aparentar machismo, mas “o que essa dona queria, saindo de casa assim com essa roupa provocante?”, o Sexismo Benevolente é insidioso, porque aparenta positividade. O sexista benevolente nunca dirá que lugar-de-mulher-é-na-cozinha, mas sempre reforçará sua namorada com elogios, beijos e carinhos por ter feito aquele jantar maravilhoso; e será bem comedido nos comentários sobre a promoção da namorada ao cargo de gerência. Nas palavras de Becker & Swin (2011):

“…as qualidades, aparentemente positivas e lisonjeiras, embutidas (e, portanto, despercebidas ou não reconhecidas) nas normativas relações desiguais de gênero, escondem o mal que o Sexismo Benevolente promove e incentivam a sua aprovação.” (Becker e Swin, 2011).

Essas autoras – sim, são duas mulheres – propuseram uma série de estudos experimentais sobre a percepção de homens e mulheres acerca do sexismo presente em seus cotidianos. Os resultados mostraram que quando as pessoas são forçadas a prestar atenção a comportamentos sexistas, elas tendem a não tolerar a discriminação com tanta facilidade. Porém, como era de se esperar, homens respondem negativamente ao machismo explícito e ao sexismo agressivo, mas quando se trata do Sexismo Benevolente, é preciso mais do que “atentar” para se tornar sensível. Os homens do estudo de Becker & Swin (2011) só passaram a reagir negativamente às expressões de Sexismo Benevolente depois de uma intervenção em que foram treinados a ter empatia, a colocar-se na situação de uma mulher e a discernir quais eram seus (delas) sentimentos. Para um homem, “as crenças tradicionais sobre relacionamentos românticos entre homens e mulheres (por exemplo, a crença de que homens são incompletos sem uma mulher, ou de que todo homem deve ter uma mulher a quem adorar)” não são consideradas expressões de sexismo. Já para as mulheres que foram ensinadas a perceber expressões sexistas disfarçadas de bajulação, essa frase foi significantemente considerada como sexista. Já as mulheres do grupo de controle, que não foram sensibilizadas para atentar aos comportamentos e atitudes sexistas, os resultados se assemelhavam aos dos homens tanto do grupo de controle, quanto do grupo experimental no que dizia respeito ao Sexismo Benevolente.

“Estes resultados sugerem que as mulheres endossam crenças sexistas porque lhes falta o reconhecimento de formas sutis de sexismo, porque subestimam incidentes sexistas e não percebem o valor agregado do sexismo em suas vidas diárias.” (Becker e Swin, 2011)

E para aqueles que ainda acham que isso tudo é coisa de mulherzinha sem serviço, pesquisas têm mostrado que o desserviço acumulado de se subestimar ideologias sexistas de qualquer espécie vão desde a negação do preconceito, a resistência em se intervir para diminuí-lo, chegando até mesmo a diminuir a performance cognitiva das mulheres em ambientes acadêmicos e de trabalho (Dardenne, Dumont, & Bollier, 2007; Vescio,Gervais, Snyder, & Hoover, 2005). Como toda ideologia, o sexismo serve apenas a si mesmo, sua lógica interna é a perpetuação. Não é uma questão de homens e mulheres, é uma questão de humanidade.

ResearchBlogging.org

Dardenne, B., Dumont, M., & Bollier, T. (2007). Insidious dangers of benevolent sexism: Consequences for women’s performance. Journal of Personality and Social Psychology, 93, 764–779.

Vescio, T. K., Gervais, S., Snyder, M., & Hoover, A. (2005). Power and the creation of patronizing environments: The stereotypebased behaviors of the powerful and their effects on female performance in masculine domains. Journal of Personality and Social Psychology, 88, 658–672.

Becker, J., & Swim, J. (2011). Seeing the Unseen: Attention to Daily Encounters With Sexism as Way to Reduce Sexist Beliefs Psychology of Women Quarterly, 35 (2), 227-242 DOI: 10.1177/0361684310397509