O que é essa tal de ABA?
[Uma versão anterior deste texto foi publicada originalmente na página da Escola de Magistratura do Paraná, em parceria com a ABPMC Comunidade, em 13/01/2017.]
Toda mãe e todo pai de uma criança diagnosticada como Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) já ouviu falar que sua filha ou seu filho deveria “fazer ABA”. É, muitas vezes, o início de uma série de confusões e mal-entendidos sobre o que deve ser feito, que profissional deve-se procurar, quanto tempo isso vai demorar, o que as mães e pais devem fazer… E, principalmente, sobre o que é (e o que não é) essa tal de ABA.
Muitas vezes chamada confusamente de “terapia ABA” ou “método ABA”, a sigla ABA vem do inglês para “Análise do Comportamento Aplicada” (Applied Behavior Analysis), e faz exatamente o que diz no rótulo: aplicação de procedimentos, técnicas e tecnologias provenientes da Análise do Comportamento. Ou seja, usa as descobertas científicas da ciência do comportamento e as técnicas e tecnologias comprovadas cientificamente nessa área para propor soluções para problemas de comportamento humano. Analistas do comportamento são profissionais capazes de, usando seu conhecimento sobre o comportamento humano, programar, implementar e avaliar intervenções para problemas comportamentais dos mais diversos tipos, nos mais diferentes contextos. Analistas do comportamento aplicam seu conhecimento para programar o ensino de diversas habilidades acadêmicas no âmbito escolar e no treinamento e capacitação profissional em diversos campos de trabalho. Também podem ser consultores na proposição de políticas públicas para melhorar ou modificar a maneira como as pessoas usam o cinto de segurança ou a faixa de pedestres, por exemplo. A Educação Especial se beneficia amplamente das técnicas comportamentais para o ensino de pessoas com diversas necessidades especiais. Na área da saúde, a ABA está presente nos serviços de terapia comportamental, reabilitação e, com grande sucesso, no tratamento de pessoas com TEA.
O que todas essas intervenções em contextos tão diferentes têm em comum é que analistas do comportamento usam sempre, em qualquer situação, seus conhecimentos científicos para modificar o comportamento das pessoas: para eliminar ou diminuir comportamentos problemáticos, ajustar ou adequar comportamentos disfuncionais e ensinar novos comportamentos quando eles são necessários. Para isso, partimos da premissa de que todo comportamento tem uma razão de ser, que toda ação tem um efeito sobre o ambiente de quem se comporta. Quando uma criança faz birra, esse comportamento pode ter diversos efeitos no ambiente dessa criança, desde conseguir um brinquedo ou um pacote de biscoito recheado até se livrar de uma situação desconfortável para ela, como ir para a escola. Analistas do comportamento têm diversas técnicas para observar e descobrir qual o efeito ambiental importante para aquela criança, naquele momento, que a leva a fazer birra em determinados ambientes. De posse desse conhecimento, podemos, então, programar intervenções para modificar o comportamento de birra da criança e ensiná-la a se comportar de outros modos – mais adequados – para alcançar os efeitos desejados.
Especificamente no tratamento de pessoas com TEA, além de avaliar as habilidades e repertórios dos indivíduos e programar o ensino de comportamentos novos e necessários para a autonomia e a qualidade de vida dessas pessoas, o que analistas do comportamento fazem é, inicialmente, descobrir quais as causas dos comportamentos problemáticos de clientes, procurando justamente quais os efeitos que esses comportamentos têm no ambiente. Pessoas com TEA podem ter dificuldade de se comunicar e expressar suas vontades e seus sentimentos e muitas vezes desenvolvem comportamentos estranhos ou inadequados porque os efeitos dessas ações comunicam coisas para as pessoas em seu ambiente social. Uma criança com TEA pode, por exemplo, bater com a cabeça numa porta porque toda vez que ela faz isso alguém abre a porta e ela pode sair para brincar lá fora. Quando esse efeito é identificado, analistas do comportamento aplicam diversas técnicas para, gradualmente, eliminar o comportamento problemático de bater a cabeça e ao mesmo tempo ensinar uma maneira da criança comunicar sua vontade de sair para brincar lá fora. De modo geral as técnicas de intervenção comportamental consistem em programas estruturados de tentativas de ensino em que clientes tomam contato com várias oportunidades de aprendizagem de um comportamento novo que tem o mesmo efeito ou outro efeito igualmente desejável e importante para aquele indivíduo. Quando a pessoa com TEA aprende que apontar para a porta e falar “sair!” tem o mesmo efeito sobre as pessoas (alguém abre a porta) e produz a mesma consequência ambiental de bater a cabeça (poder sair para brincar lá fora), ao mesmo tempo que o comportamento inadequado de bater com a cabeça não mais produz o efeito desejado (ninguém abre a porta), ela passa a se comportar de outra maneira ao longo da intervenção.
Juntamente com a família e a escola, analistas do comportamento vão identificar quais a necessidades de aprendizagem e quais as habilidades e comportamentos que aquele indivíduo precisa aprender, assim como quais os comportamentos problemáticos que ela ou ele apresenta e que podem estar dificultando essas aprendizagens ou impedindo que a pessoa tenha acesso a oportunidades de ensino. Uma vez identificado o que precisa ser ensinado, profissionais com capacitação adequada vão programar em que sequência esses comportamentos podem ser ensinados da maneira mais efetiva, porque muitas vezes precisamos aprender primeiro uma habilidade mais simples para depois desenvolver um repertório mais complexo. Por exemplo, é preciso que a criança saiba como segurar um lápis e como traçar linhas no papel antes que se tente ensinar a habilidade de escrever letras e números. O objetivo da intervenção comportamental é sempre construir gradualmente os repertórios de habilidades e comportamentos, no tempo do aprendiz e de maneira gratificante para ele ou ela. Para cada tipo de comportamento a ser ensinado, podemos usar diferentes arranjos e programas de intervenção. Podemos trabalhar com materiais sobre uma mesa (por exemplo, um tablet com imagens em movimento ou diversos cartões apresentados sobre a mesa podem ser usados para ensinar o nome dos algarismos…); estruturar o ambiente natural de clientes (como colocar as roupas empilhadas na ordem em que devem ser vestidas depois do banho, de modo que ao chegar no fim da pilha a criança esteja vestida de maneira adequada e sem problemas na execução da tarefa); ou aproveitar situações e contextos do dia-a-dia como oportunidades para o ensino (usar a hora da refeição, por exemplo, para ensinar clientes a pedir o que desejam comer).
As intervenções comportamentais para pessoas com TEA também são muito eficientes para ensinar diversas habilidades que os programas educacionais tradicionais não conseguem. Por meio da apresentação de tentativas de ensino estruturadas com começo, meio e fim e que produzem efeitos imediatos no ambiente, do uso de instruções simples e claras e da repetição da quantidade necessária de tentativas para que o indivíduo aprenda um habilidade de maneira eficiente e a seu tempo, as intervenções comportamentais são ferramentas importantes para que as pessoas com TEA adquiram um repertório social que permita, por exemplo, sua inclusão escolar efetiva. A ABA tem demonstrado resultados benéficos no ensino de habilidades comunicativas, linguagem, leitura e escrita, matemática, autocuidados, habilidades sociais, habilidades para o trabalho e diversos outros repertórios importantes para a autonomia e a qualidade de vida de pessoas com TEA, atrasos de desenvolvimento ou com outras necessidades especiais.
Tanto por sua amplitude de aplicação em ambientes e contextos diferentes, como pela complexidade dos procedimentos, técnicas e tecnologias que são aplicados em um programa de intervenções ABA, a formação profissional nessa área é imprescindível para o sucesso do tratamento. Analistas do comportamento que conduzem intervenções ABA para pessoas com TEA devem ter formação e capacitação específicas para avaliar comportamentos, programar intervenções comportamentais adequadas e eficientes, implementar e acompanhar programas de intervenção comportamental. Além disso, é necessário ter experiência supervisionada no trabalho com pessoas autistas, para adquirir, na prática, as habilidades necessárias para a condução eficaz dos tratamentos. A formação e a capacitação profissional em ABA/TEA se dá no nível da pós-graduação, em cursos de especialização, mestrado e/ou doutorado, em que terapeutas estudam as bases teórico-conceituais da Análise do Comportamento e as técnicas e procedimentos de ABA, praticam essas técnicas em ambiente de ensino e adquirem experiência supervisionada ao longo de sua carreira. A intensidade dos tratamentos comportamentais para pessoas com TEA exige que a formação profissional se dê em diferentes níveis de competência: inicialmente temos as aplicadoras e os aplicadores, que recebem treinamento técnico e supervisão direta para a implementação dos procedimentos indicados, em contato com clientes no dia-a-dia, nos diversos ambientes em que a intervenção acontece (em casa, na escola, na comunidade e/ou no consultório). Depois de uma formação técnica e teórica mais aprofundada e de um período de prática supervisionada, tais profissionais passam a ser terapeutas com capacidade e autonomia para conduzir avaliações comportamentais, programar e implementar programas de intervenção comportamental, e ainda se responsabilizar pela aplicação dos procedimentos pelos aplicadores e pelas aplicadoras. Além disso, passam a supervisionar o trabalho durante as intervenções, contribuindo para a formação profissional de analistas do comportamento menos experientes. Profissionais muito experientes e com formação ampla e sólida coordenam a prestação de serviços em ABA, supervisionam os programas e ajudam terapeutas a conduzirem as avaliações, programações e implementação de intervenções, garantindo a formação adequada e a supervisão de terapeutas e aplicadores menos experientes.
Internacionalmente, o Behavior Analyst Certification Board (BACB, da sigla em inglês para Comitê de Certificação de Analistas do Comportamento) certifica profissionais com comprovada formação, que deve ser feita em cursos cujos currículos são verificados pelo comitê juntamente com um número fixo de horas de experiência supervisionada por um profissional certificado e com a aprovação em um exame escrito de proficiência na área. No Brasil, a Associação Brasileira de Medicina e Psicologia Comportamental (ABPMC) atesta a formação global em Análise do Comportamento por meio de uma acreditação concedida a profissionais que comprovem documentalmente sua formação, mas não seleciona profissionais especialistas que têm formação e experiência específicas em ABA, sendo necessário que clientes dos serviços ABA exijam que se apresente certificados de formação específica para comprovar a competência de profissionais da área. Por isso é importante que mães e pais de crianças com TEA estejam atentos para a qualidade da formação profissional dada a terapeutas que se responsabilizarão pelo tratamento de seus filhos, garantindo que essa formação seja feita em instituições competentes e de qualidade comprovada. A prestação de serviços em ABA para pessoas com TEA e outras necessidades especiais, no Brasil, ainda é uma área em desenvolvimento, mas com potencial para produzir importantes mudanças na inclusão social dessa população.
Links úteis e mais informações:
Cartilha da ABPMC sobre TEA: http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/1521132529400bef4bf.pdf
Página do Comitê Internacional de Certificação de Analistas do Comportamento: https://www.bacb.com/about-behavior-analysis/
Recomendação da Comissão Especial de Desenvolvimento Atípico sobre a formação de profissionais em ABA/TEA: http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/1523286467145093a07e.pdf