Para além da cava: ampliação e reverberações da atividade mineral

Para além da cava: ampliação e reverberações da atividade mineral

Talita Gantus, Ana Paula Leal, Marco Túlio Câmara, Claudia Pfeiffer

A proposição da Jornada de Debates na Mineração, iniciada em 2019, emergecom o intuito de aprofundar o debate sobre o ‘problema mineral brasileiro’, desde o mundo do trabalho e consumo, aos conflitos territoriais advindos da superexploração da natureza e da interferência nos modos de vida das comunidades atingidas. Logo, faz-se necessário construir ações conjuntas e simultâneas para repercussão interna, no ambiente acadêmico formal, que fortaleçam a perspectiva da soberania popular na mineração e da defesa dos bens naturais do povo brasileiro, através de diversos meios de comunicação e de mídias alternativas.

Desde os eventos de rompimentos de barragens de rejeito das mineradoras Samarco (2015) e Vale S.A. (2019), que se localizavam nos municípios mineiros de Mariana e Brumadinho, respectivamente, o debate acerca do ‘problema mineral’ ganhou maior visibilidade na sociedade brasileira. Movimento que, em nosso entendimento, é de extrema  importância, uma vez que as reverberações da atividade mineral, enquanto problemática, atravessam os povos, os territórios e as múltiplas formas de vida, com consequências danosas, como as observadas nos episódios citados anteriormente, fazendo deste um problema que pertence a todos nós. Posto isso, urge a necessidade de debatê-lo qualificadamente com vistas à proposição e superação das formas de dominação e manutenção da desigualdade, inerentes e continuadas, pelo atual modelo mineral imposto.

A escolha do mês de novembro para realização da Jornadas reside na triste, porém necessária, rememoração do desastre-crime (conceito trabalhado pelo CRIAB e abordado neste texto aqui) da barragem de Córrego do Fundão, em Mariana/MG, sob responsabilidade da Samarco/Vale/BHP Billiton, ocorrido em 5 de novembro de 2015 e considerado como um dos maiores ecocídios em território brasileiro. Importante pontuarmos que todo ecocídio é um genocídio e vice-versa.

Como forma de contribuir para esse debate de suma importância acadêmica e política, o CRIAB (Grupo de Ação e Pesquisa em Conflitos, Riscos e Impactos Associados a Barragens), em parceria com a_Ponte (ONG de divulgação de geociências crítica), o Fórum Popular da Natureza, a Escola Popular da Natureza e o MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), organizam, pelo 3º ano consecutivo, esta Jornada – de 22 a 24 de novembro de 2021.  Pretendemos, dentro da multiplicidade  de questões que competem ao debate, nos debruçar em três eixos, que contribuem para pensar os impactos da atividade para além da cava e dos próprios eventos de rompimentos. O objetivo é colaborar para a maior visibilização e problematização de algumas práticas da atividade mineral e de suas consequências que são, muitas vezes, silenciadas. Assim, partiremos de uma análise mais global para uma mais específica, organizada em três sessões, como apresentado abaixo:

Economia política da mineração e perpetuação da lógica colonial – 22 de novembro, 19h00

Bens naturais retirados em escala local são transacionados por agentes internacionais em mercados externos, gerando uma possibilidade de lucro infinito sobre recursos que são finitos. O Departamento de Relações com Investidores da mineradora Vale informa que 47,74% das suas ações pertencem a investidores estrangeiros que operam por meio da Bolsa de Nova York e da Bovespa, totalizando US$ 31,86 bilhões em ações.

O que se vivencia na atual cadeia produtiva mineral, portanto, é a apropriação do lucro por uma minoria e a socialização dos impactos socioambientais. Mais que isso, seguindo a lógica colonial: o lucro vai para os acionistas estrangeiros, enquanto os conflitos permanecem em solo brasileiro. Todavia, o agravamento das condições e o aprofundamento da crise pelo capitalismo financeirizado apresenta-se como uma forma desenvolvida do empreendimento colonial, sua outra faceta.

Para tratar da conjuntura nacional e da economia política do setor extrativo da mineração, suas raízes coloniais e da transferência de valor entre os países ditos desenvolvidos e subdesenvolvidos, convidamos, no dia 22 de novembro, Charles Trocate, Giliad de Sousa e Juliane Furno.

Charles Trocate é educador popular, filósofo, escritor e membro da Academia Sul Paraense de Letras (ALSSP), e da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Desde os 15 anos, é militante político do MST, e na última década, vem se dedicando à construção do MAM.

Giliad de Sousa é professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), mestre e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenador do Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (Lacam) e integrante do Grupo de Estudos em Política, Economia e Dinâmicas Minerárias (GPEM).

Juliane Furno é mestre e doutora em desenvolvimento econômico pela Unicamp e militante do Levante Popular da Juventude.

Mulheres e mineração: as opressões de gênero, raça e classe – 23 de novembro, 19h00

Em locais onde a mineração se instala, fortemente amparada pelo discurso de desenvolvimento e progresso, ao contrário, o que se observa é o aumento da precarização da vida, dos conflitos por terra e água, da violência física e também simbólica às populações, principalmente aquelas mais vulneráveis, e da consequente desestabilização e perda de vínculos entre comunidades e seus territórios. Nessas situações é possível observar uma sobreposição de opressões que atravessam as questões de gênero, raça e classe social, fazendo com que as mulheres, sobretudo as mulheres negras, sejam as principais impactadas pelos danos advindos da atividade mineral.

A Plataforma Brasileira DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) apresentou, em 2013, o relatório Mineração e violações de direitos relativos a tal operação, pontuando como efeito: migração desordenada, agravamento nas condições de vida e nas desigualdades de gênero, precarização dos serviços públicos e vulnerabilidade à exploração sexual e outras formas de violência. Ainda, Segundo a Sempreviva Organização Feminista (SOF), nas áreas de exploração mineral é recorrente a violência doméstica contra as mulheres, a violência sexual e a prostituição. Dentro das empresas nesse setor produtivo, o cenário é de desigualdade de gênero na empregabilidade; em todos os postos de trabalho, o número de trabalhadores homens dentro de toda a cadeia supera muito o de mulheres. Segundo pesquisa do IBGE de 2015, o setor mineral tem quase 90% de profissionais homens. Além da questão de gênero, pretendemos construir o debate em torno da problemática da atividade mineral também pela lente étnico-racial, destacando que a maior parte dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão é negra: o povoado de Bento Rodrigues apresenta 84,3% de sua população negra, Paracatu de Baixo, 80%, Gesteira, 70,4% e Barra Longa, 60,3%.

Conceitualmente, é possível tratar a sobreposição dessas opressões através da interseccionalidade entre o machismo, o racismo e as ações de discriminação de classe. Mas, e nos territórios, como esses movimentos são observados e sentidos, quais formas de mobilização e  enfrentamento atravessam essas causas? Para abordarmos como as mulheres, principalmente mulheres negras, são as mais afetadas pela mineração, convidamos, para o dia 23 de novembro, Fabrina Furtado, Ana Carla Cota e Larissa Vieira.

Fabrina Furtado é professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da UFRRJ, pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza e do Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP). Foi assessora da Relatoria de Direitos Humanos ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca e atuou e acompanha redes de organizações e movimentos sociais, como a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA).  

Ana Carla Cota é atingida da barragem do Doutor da Mineradora Vale; engenheira geóloga. Membro da Comissão dos Atingidos por Barragens de Antônio Pereira, Ouro Preto – MG; membro da Flama – MG (Frente Mineira de luta das atingidas e atingidos pela Mineração); e membro da Associação de Moradores da Vila Residencial Antônio Pereira.

Larissa Vieira é advogada popular. Integra a RENAP (Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares) e o Coletivo Margarida Alves. É também colaboradora do MAM. Atua com conflitos socioambientais há 8 anos. Mestre e, atualmente, Doutoranda no PPGSD/UFF pesquisando a temática de mineração e racismo.

Mineração para além da cava: reflexos na crise habitacional – 24 de novembro, 19h00

Em se tratando de uma outra camada dessa problemática ainda pouco explorada, há uma profunda relação entre os capitais imobiliários e especuladores, empreiteiras e construtoras e o setor mineral, principalmente o de agregados de construção civil. Talvez passe despercebido este fato, mas o cimento, a tinta, a cal, a brita, enfim, muitos materiais utilizados na construção civil são provenientes da extração mineral. A indústria da construção civil usufruiu de alguns anos de bonança, resultado da ampla oferta de crédito imobiliário e por obras decorrentes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e também das obras preparatórias para a Copa do Mundo 2014. Segundo dados do DNPM, a produção recorde de 745 milhões de toneladas de agregados em 2013 foi resultado dessas ações. Embora a dinâmica desse setor em relação à mineração de ferro seja diferente, os impactos são tão devastadores quanto.

A despeito disso, reside aí uma contradição, principalmente quando avaliamos o cenário do estado de São Paulo: apesar das inúmeras obras públicas continuadas e da presença de canteiros de obras que se acumulam e se sobrepõem em cidades como a capital, o déficit habitacional na cidade de São Paulo é estimado em 358 mil moradias – que abrigariam famílias de várias pessoas. No caso específico do centro de São Paulo, imóveis públicos e privados têm sido mantidos vazios, como reserva de valor fundiário e imobiliário, enquanto muitos, que não tendo onde morar, ocupam onde podem e da forma que podem. Somado a isso, na maioria das vezes, o financiamento habitacional subsidiado pelo governo, que deveria ser dirigido aos mais pobres, tem financiado a habitação das classes médias e dos mais ricos. Em março deste ano, a Fundação João Pinheiro divulgou os dados do déficit habitacional brasileiro em relação ao período de 2016 a 2019. De acordo com os dados apresentados, o déficit habitacional entre 2016 e 2019 foi basicamente feminino e negro.

Para entendermos a relação entre esses setores – mineral, imobiliário e fundiário – e como a mineração lucra a partir dessa crise habitacional, convidamos, para o dia 24 de novembro, Edson Mello, Celso Carvalho e Irene Maestro.

Edson Mello é geólogo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e doutor pela Unicamp e Universidade da Austrália Ocidental – UWA. Acumula experiências na iniciativa privada e na administração pública federal na Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral – Ministério de Minas e Energia, e é professor na UFRJ e Diretor do Instituto de Geociências da UFRJ.

Celso Carvalho  é engenheiro civil, mestre e doutor em engenharia pela Escola Politécnica da USP, instituição onde foi professor entre 1990 e 2011. Pesquisador do IPT de 1985 a 2003. Diretor do Ministério das Cidades de 2003 a 2014, onde foi responsável pelos programas de regularização fundiária urbana e prevenção de desastres. Engenheiro Especialista em Infraestrutura na Superintendência do Patrimônio da União em São Paulo, de 2015 a 2018. Servidor público federal aposentado. Membro da coordenação nacional da Rede BrCidades, integrante do Projeto Brasil da Frente Brasil Popular.

Irene Maestro é militante do movimento Luta Popular, advogada e pesquisadora.

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