Relatório do clima do IPCC tem que ser mais social

david parkins
imagem David Parkins

 

Ok, já sabemos que o aquecimento global existe, é causado por nós e que muita gente vai se dar mal no futuro se não fizermos nada. Isso os relatórios do clima do IPCC deixam bem claro. Eles também dão dados, tabelas, gráficos, limites de quanto CO2 ainda podemos gastar, etc.

Mas algumas coisas eles não nos dizem, como de que jeito implantar mudanças na sociedade para resolver o aquecimento?

Só saber o que está errado, e até indicar uma solução para o problema, não garante que as pessoas vão partir para a ação e resolvê-lo. As pessoas e os governos simplesmente não funcionam assim.

Por isso é importante que daqui para frente esses relatórios tenham mais participação de cientistas sociais, porque eles estudam pessoas, sociedades e suas relações.

Saiu um comentário na Nature falando sobre isso. É de um dos raríssimos cientistas políticos que participaram deste último relatório do IPCC, por isso ele sabe como a coisa funcionou por dentro. Ele conta que só uma área das ciências sociais estava bem representada: a economia. Outras áreas como sociologia, ciência política e antropologia tem que estar juntas e misturadas com a física e economia.

E tem um bom motivo para as ciências sociais ficarem de fora disso, e o motivo é que elas tocam em polêmicas que muitos querem evitar. A gente tem que lembrar que o IPCC está num cabo de guerra entre a ciência e a diplomacia, e por isso não basta um dado estar cientificamente certo para ser apresentado. Ele tem que ser um consenso político, e é aí que o bicho pega, porque cada país tem um interesse diferente sobre o mesmo dado. Por exemplo, alguns dos maiores poluidores são países emergentes, que poluem justamente porque estão emergindo, enquanto os países desenvolvidos já se desenvolveram, já poluíram, e podem se dar ao luxo de reduzir. Então de quem é a culpa do aquecimento? Quem tem mais responsabilidade para resolver? Como convencer pessoas a agir agora para evitar um mal futuro?

Ao tentar fugir desse tipo de polêmicas políticas e comportamentais, o IPCC perde força. Afinal, o objetivo é resolver o problema, e não fazer relatórios eternamente.

É isso que a imagem que ilustra este post, tirado do comentário da Nature, representa. Genial o desenho, né? A ciência tem que cair fundo na sociedade.

Mas só colocar cientistas sociais não vai resolver o problema, porque pessoas e sociedades são as coisas mais complexas de se estudar, e mesmo dentro de cada área dessas ciências  tem muita discordância. A ajuda que as sociais podem trazer é justamente focar e direcionar essas polêmicas, já que elas estão acostumadas com isso e também porque que acabam sendo as polêmicas do IPCC em alguma escala.

O importante é deixar de fugir de polêmicas e tentar resolver. É pra pegar a polêmica e pôr uma melancia na cabeça dela pra todo mundo ver, e chamar os cientistas sociais para tentar solucionar. Uma ideia é fazer relatórios paralelos focando nesses problemas e entregar para cientistas sociais de todo o mundo discutirem de forma independente.

A NATURE liberou geral! Como ler artigos científicos sem pagar por eles

Denunciando a idade com a Porta da Esperança.
Denunciando a idade com a Porta da Esperança.

Vamos abrir as portas da esperança!!!

A Nature liberou para ler online todo o seu acervo! Não dá pra baixar, como eu disse é só para ler online, mas já é alguma coisa.

Ah, também não é qualquer um, você tem que receber um link de algum assinante para poder ver.

É, na verdade não ajudou muito né?

Mas e daí?

É que pirataria na ciência acontece e muito. Não estou falando de plágio de dados ou coisas assim (que também acontecem), mas de artigos científicos distribuídos sem autorização das editoras. Sabe baixar música de torrent? [Torrent? eu? Magina…] Sei sei… Então, é a mesma coisa, só que com informação científica.

As revistas mais importantes, que os cientistas mais usam para se informar e se manter atualizados, são pagas. E são muito caras. E rola uma polêmica, porque funciona assim: o cientista produz o artigo, escreve, manda pra revista, ela escolhe se publica ou não, e se publicar ela cobra de todo mundo que quiser ler. Lembrando que o cientista que escreveu não recebe NADA por isso. Sacanagem, né? Ficou claro que publicar revistas científicas é um ótimo negócio, e que só institutos grandes conseguem pagar isso tudo.

Por causa disso, um cientista pobre, ou um jornalista, ou um professor, ou um ex-cientista blogueiro que escreve sobre ciência ( o/ ), fica sem poder se atualizar. E é impossível fazer ciência sem ler os artigos. Daí o moleque cruza o braço e chora? Claro que não. Ele Pirateia.

Como conseguir um artigo sem pagar por ele:

Mandar email para o autor:

Esse era o mais comum e antigo. Houve época em que se mandava pedaços de celulose com traços de tinta (carta) para o autor e este enviava uma fotocópia do artigo. Bacana disso é que estreitava laços e o autor sabia quem estava interessado na sua pesquisa. Com o email foi a mesma coisa, apesar de o autor em geral não poder fazer isso sem autorização da editora.

Pedir ajuda para os universitários:

[segunda referência a Silvio Santos, aff] – Universidades e outros institutos grandes fazem assinaturas para que todos os seus funcionários possam ler os artigos que quiserem. Se eu não trabalho lá, mas conheço alguém que trabalha… Bom, entendeu né? É só pedir. E ninguém na lista interna de emails do Scienceblogs tinha pensado nisso! Olha que exemplo de retidão. O novo sistema da Nature parece que vai ser só uma evolução desse tipo de envio, agora com uma autorização da editora.

Esquema russo

Quando imaginávamos que o comunismo não mais nos ajudaria… ele não ajudou mesmo, afinal a Russia não é mais socialista. Mas lá está hospedado um site que tira, sabe Darwin de onde, os artigos abertos para você. É só colocar o site com o artigo que ele se abre todo. Às vezes funciona, às vezes não, mas é o preço da clandestinidade, de quem tem que ficar fugindo a todo momento das editoras com advogados farejadores. O endereço é sci-hubPONTOorg, e você NÃO viu isso aqui!

Réxitégui

Sim, o twitter serve para alguma coisa! É só pedir o seu artigo com a rashtag #icanhazpdf.

Google, sempre ele:

Google Acadêmico indexa pdf de qualquer fonte (site pessoal, rede social científica, etc) e coloca tudo em um mesmo link ( http://scholar.google.com.br/ )

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Dica do Massa Crítica

Nature makes all articles free to view

O comportamento é hereditário?

Sim, o comportamento pode ser herdado pelos genes. Calma, relaxe, esse estranhamento vai passar. Se bem que hoje em dia, nessa era pós-genômica, parece que as pessoas não se espantam mais quando ouvem isso de genes controlando comportamentos. Claro que não é exatamente isso que acontece, mas saber que há influencia dos genes nas nossas ações me parece um mistério que vale ser estudado. Como isso acontece?

cachorro feioPrimeiro preciso provar que isso acontece. E veja só, vou provar usando cachorrinhos porque eles são fofos. E porque eles são fofos? Porque nós, humanos, selecionamos os cães fofos, não só os de pêlo macio, mas os companheiros, que nos olham nos olhos, que nos entendem. Nada a ver com lobos, concorda? Mas cães são os lobos selecionados por nós para terem um comportamento compatível às nossas necessidades (ou caprichos). A seleção é feita quando deixamos só os totós bonzinhos cruzarem, e assim os filhotes vão ficando cada vez mais bonzinhos. [Veja este vídeo que mostra com o a seleção pelo comportamento levou a mudanças morfológicas e as raposas selvagens foram ficando com cara de cachorrinhos fofos cuti-cuti]

Incrível como eles podem nos entender mais até do que um chimpanzé. Em um experimento do tipo “em qual copo está a comida”, quando o experimentador aponta para o copo que contém comida, chimpanzés continuam apenas chutando um ou outro, mas os cães entendem e escolhem o copo apontado. Entendem até quando apenas olhamos o copo, sem apontar o dedo. É muita sintonia, ou podemos chamar de co-evolução? [sei que tem um vídeo com esse experimento mas eu não achei. Se você sabe qual é mande o link nos comments]

Mas só isso não é prova suficiente. Somos animais também, mas não cães, então temos que provar a ação dos genes no comportamento de nossa espécie.

Um jeito de fazer isso é ver como doenças psiquiátricas, como esquizofrenia, podem ser herdadas, passadas de pais para filhos. E realmente é isso que acontece com esta doença intrigante, a qual transforma uma pessoa conhecida em outra totalmente diferente, perturbada por alucinações, delírios, apática e acaba mudando o comportamento. Diversos estudos mostraram a herdabilidade desta doença.

Primeiro podemos estudar a familia dos doentes para ver se outros parentes também são afetados e comparar a famílias de pessoas não-doentes (tento não usar a palavra NORMAL, acho que não cai bem, concorda?). Se o doente tiver mais parentes também doentes do que uma família genérica, temos uma pista de que está ligada aos genes. Sabemos que a chance da população geral de ter esquizofrenia é 1%. Se seu avô tem a doença sua chance sobe para 3%; um dos pais ou um irmão sobe apra 10-20% e os dois pais sobe para 40-50%.

Ainda sim isso não é uma prova definitiva, porque o ambiente é um grande responsável por definir nosso comportamento, e uma característica da família pode ser derivada da criação nessa família, como o fato de eu ser cabeça-dura, que pode ser genético ou só o exemplo do meu pai, do pai dele, todos cabeças-duras. Coisa de família.

Mas como isolar o ambiente pra poder ter certeza da ação dos genes? Em animais a gente pode trocar os filhotes de família, mas em gente isso não pode ser feito por cientistas, mas o cientista pode ir atrás de pessoas separadas de suas famílias pela vida. E o ideal é achar gêmeos. Primeiro comparando gêmeos idênticos, que têm os mesmos genes, e gêmeos fraternos, que são como irmãos comuns. O que se faz é comparar pessoas doentes e ver se seu irmão é doente também. Se gêmeos idênticos tiverem mais irmãos também doentes do que os irmãos fraternos, desconfiamos que há influência dos genes, certo? Afinal todos os irmão tiveram a mesma criação, sendo a única diferença a diferença no genoma. Mas estudo bom mesmo é o de gêmeos idênticos criados por famílias diferentes, porque esses sim tiveram diferentes ambientes e se mantiverem maior taxa de doença entre irmão é porque essa doença é bem genética. O problema é achar tantos gêmeos doentes e criados separados.

Ainda sim existem outros tipos de estudos, como juntar vários doentes e vários não-doentes e sequenciar o DNA deles todos olhando as diferenças. Se uma diferença estiver presente em vários doentes e pouco em não-doentes, achamos um marcador da doença. Isso poderia ser usado para diagnóstico e pode guiar pesquisas para tratamentos.

Mas claro que as coisas não são fáceis assim. Em doenças complexas, como hipertenção e esquizofrenia, não há um gene responsável pelo problema, são vários genes que interagem. As vezes o problema não é nem na sequência do gene, mas sim na sua região reguladora, e por aí vai.

Então o que sabemos até hoje? Que o comportamento é influenciado pelos genes e que o ambiente também influencia o comportamento. Qual dos dois é mais importante? Aí vai do gosto do cliente, porque ninguém consegue responder isso.

Podemos pensar que o ambiente que permite a expressão dos genes, ou que os genes são os responsáveis pelo desenvolvimento na barriga da mãe e isso define as características comportmanetais; mas o ventre materno é um ambiente, e ele influencia o desenvolvimento; mas abuso de drogas tem fator genético mostrados por estudos como os de cima, então é culpa do gene; mas quem tem essa tendência só a desenvolve quando entra em contato com a droga, logo, ambiente; mas a pessoa que tem a tendência na verdade tem a tendência de procurar coisas novas, e por isso entra mais em contato com o mundo das drogas, logo, é o gene;… Será que isso terá um fim? Será que realmente um tem que triunfar sobre o outro?

Bônus: Veja este vídeo do John Cleese sobre o assunto. Genial

 

Leia mais:

Ambiente social e cultural, ou genética? Qual decide nosso destino?

Abuso na infância altera o comportamento e o DNA

Squeeze my balls, baby

Beber com os amigos está no gene?

Pesquisas mais importantes em câncer: as malignas células-tronco, o genoma e a imunologia.

Cancer novidades

Nesta semana a famosa revista Nature Medicine lançou um número com foco em câncer, e mostra o resultado de uma pesquisa que perguntou aos pesquisadores da área de câncer quais os trabalhos mais importantes dos últimos dois anos (2008-2010) [está em inglês mas tem conteúdo livre]. É importante saber o que esse pessoal acha importante porque essas pesquisas, mesmo que bem básicas ainda e na sua maioria longe de se tornarem tratamentos para uso da população, vão moldar o futuro do combate a essa doença.

Veja aqui os temas mais quentes na opinião dos pesquisadores.

  • Células-tronco de câncer – Já a algum tempo se sabe que apenas algumas células de um tumor têm a capacidade de se multiplicar. Isso é uma faca de dois gumes: ruim porque, mesmo que se mate muitas células e o tumor reduza de tamanho, se alguma ou mesmo uma só dessas células sobrarem elas podem formar o tumor novamente; mas também é bom porque reduz o nosso alvo, afinal só precisamos matar essas células-tronco do câncer.

A pergunta então é “quantas e como são estas células?”, e foi justamente um trabalho nessa área que recebeu mais citações na pesquisa entre os especialistas. Antes se achava que as células-tronco seriam apenas 0,1% das células de um tumor, mas Elsa Quintana e colaboradores descobriram que em tumores sólidos, no caso um melanoma, 25% das células têm capacidade de formar um tumor. Assim parece que o número é bem maior do que se pensava e varia em tipos de tumor e mesmo de um indivíduo para outro.

  • O genoma do câncer – A ideia não é nova: “já que o câncer acontece por causa do acúmulo de defeitos no DNA das células, vamos sequenciar e ver o que mudou”. O que acontece é que isso é muito caro e os resultados demoram a aparecer. Hoje em dia as técnicas de sequenciamento estão melhorando e vários alvos terapêuticos já foram encontrados, como genes e fatores de risco como o cigarro que aumentam as chances de gerar um tumor. Mesmo assim essa abordagem divide opiniões de especialistas.
  • Corrigindo os erros – Algumas tentativas de tratamento que chegaram a ser testadas em humanos mostraram resultados não esperados (BRAF e PARP). Até mesmo drogas que funcionaram em cultura de células e em animais, quando passam para humanos acabam tendo o efeito contrário do desejado. Estudar os porquês disto tem trazido informações interessantes, e não impedem que os testes em humanos continuem e se aperfeiçoem. Por isso é interessante até mesmo gerar resistência a células tumorais in vitro para entender como superá-la.
  • Imunologia e microambiente – Usar anticorpos específicos contra tumores é uma terapia já muito usada, mas o que ainda não se sabe muito é como o ambiente do tumor  e o sistema imune do doente realmente interagem com o tumor e como suas células, afetam essas células tumorais. Trabalhos nesta área também foram muito citados na pesquisa, e esta área parece estar adquirindo a visibilidde que merece.

Infelizmente a grande maioria das pesquisas apontadas pelos estudiosos estão em estágio muito experimental e longe de aplicação. Imagino que isto acontece porque leva-se muito tempo para levar idéias novas para testes em humanos, fazendo com que quando algo chega ao humano já não é tão novidade e novas descobertas chamam mais a atenção dos pesquisadores. Possivel também que poucos pesquisadores clinicos (clínico = em humanos) tenham respondido a pesquisa e tenha prevalecido a opnião dos pesquisadores básicos. De qualquer forma é por aí que caminhará a ciência e a medicina do câncer.

 

Vi na Nature Medicine – A close look at cancer

Genoma do câncer é a melhor abordagem?

mapa cancer.jpg

Mapa da Nature com os programas integrados de genoma do câncer

O câncer é uma doença causada por mutações no DNA, certo? Só que as mutações podem ser várias e em diversos genes diferentes em cada caso. Como saber quais genes que geraram um tipo de câncer?
Simples, é só pegar uma amostra do tumor e outra de tecido normal do mesmo paciente, e seqüenciar os dois. Comparando tumor e tecido normal você vai saber quais genes sofreram mutação nesta pessoa. Teríamos assim o genoma de um tumor.
E se juntássemos vários casos do mesmo tipo de tumor e seqüenciássemos, poderíamos achar as mutações mais comuns para aquele tipo de tumor e descobrir novos tratamentos específicos pra cada.
Simples mas não fácil. E nada barato. Seqüenciamento é uma coisa bem cara, e leva certo tempo.
Por isso até hoje temos apenas 75 genomas de câncer publicados, e nem todos completos.
Outro problema é que esses genomas todos q vêm sendo feitos, desde o humano até as bactérias, passando até pelo ornitorrinco, não têm gerado impactos diretos na qualidade de vida humana. Quem trabalha com evolução molecular adora genomas, mas em medicina, para encontrar um tratamento diretamente e totalmente derivado desses seqüenciamentos está meio difícil.
E com tumores vai ser mais difícil, pois alguns genes mutados iniciam o processo, deixando a célula mais vulnerável a erros e novas mutações. Como saber se essas últimas mutações são tão importantes quanto as primeiras? E existe mesmo um padrão nelas se comparadas com outros tumores?
Resumindo, ter o genoma é simples, mas analisá-lo e tirar um tratamento disso é que complica. Afinal, a quantidade de genomas seqüenciados para dar mais confiança, em alguns casos, deve ser de mil ou mais! Isso é muito esforço e muito dinheiro. Além disso, estes resultados são apenas números num computador. Testes funcionais, em células e animais, devem ser conduzidos para confirmar o papel das dicas dadas pelos seqüenciamentos.
Pior é que agora muita pesquisa boa está se voltando ao metabolismo do tumor, não só ao seu DNA. Se esta proposta começar a gerar mais resultados aí que eu quero ver.
Fato é que esta abordagem de seqüenciamento em larga escala não é um consenso. Sim, por mais incrível que pareça existem cientistas bons que não gostam de sequenciamento de genoma. Eles acham que outras abordagens têm melhor custo-benefício.
Enquanto isto eu só espero que o Brasil tenha dinheiro suficiente para pelo menos usar a tecnologia e os tratamentos que JÁ existem e não chegam a todos.

“Publicar na Nature? Eu nem queria mesmo…”

O vídeo abaixo está ilustrando, de um jeitinho todo especial, como os pesquisadores decidem para qual revista científica vão mandar seu trabalho de pesquisa.
AVISO 1- Tentem ignorar o “show de interpretação” dos pobres posgraduandos que atuam neste filme.
AVISO 2- Nem todos os pesquisadores são idiotas maus-atores assim (só 75%). A intenção foi boa, vá!

Mesmo sem saber inglês dá pra entender né?
O pesquisador manda o artigo pra uma revista “sonho de consumo” naquela vã esperança. E se não der, vai descendo, até conseguir publicar numa revista online de conteúdo aberto mas que ele tem que pagar para publicar (mais de 2mil verdinhas). Aqui eles tiram sarro mostrando a Nature totalmente fechada, e a última revista aceitando sem nem revisar o artigo. Essa revisão é mais conhecida como peer-review
Nas portas aparece um número pra cada revista, que é o fator de impacto (Fi). É um número “cabalístico” que serve para quantificar a relevância da revista.
Esse número é calculado dividindo o número de artigos publicados pela revista pelo número de vezes que os artigos da revista foram citados. Assim, se uma revista publica 10 artigos e são citados, ou seja, usados como referência, em 200 outros artigos, temos: 200/10 = 20. Este é o fator de impacto da revista.
Só que existem várias fórmas de se medir a relevância das revistas. Esse é só um e muito criticado. Veja o exemplo: uma revista que publica quinzenalmente semanalmente como a Nature, teve 1748 arigos publicados em 2004, citados 56255 vezes. Isso dá um Fi de 32,2.
Agora uma revista como a Annual Review of Immunology, que publica apenas uma vez por ano 51 artigos e é citada 2674 vezes tem um impacto de 52,4. Bem maior que a Nature, mas também é um número de artigos bem menor e uma vez só por ano.
A Nature é o Arroz com feijão que mantém a coisa toda funcionando, enquanto a Annual Review of Immunology é o peru de natal esperado por todos no final do ano.
Nesse caso, qual a mais importante?
Depende do que você considera importante.
Com esta pergunta na cabeça, leia mais sobre o assunto no ScienceBlogs Brasil.

A fraqueza da ciência

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Cena do seriado CSI: investigação dos resultados científicos.

A má fé existe também no mundo científico. Nada de novo nesta afirmação, afinal todos sabemos que as pessoas têm o toque de rei Midas às avessas: sempre estragando no que elas põem a mão.

“Quase nove por cento dos 2.012 cientistas de 605 instituições
pesquisadas pelo Escritório de Integridade Científica (ORI, na sigla em
inglês), uma agência de monitoramento de pesquisas científicas nos EUA,
disseram ter testemunhado algum tipo de fraude ou conduta inadequada
nos últimos três anos. A agência estima que todo ano ocorram três
incidentes de fraude para cada 100 pesquisadores.”  – Saswato R. Das

Sim, a ciência pode errar. Mas fique claro que ela erra na sua prática, não na sua teoria. Afinal, sendo a ciência apenas um conjunto de métodos que busca sempre o que for estatisticamente relevante, não tem muito como estar errada nesta teoria.

Mas pra quem não sabe como isto funciona na prática da ciência vou dar um exemplo recente. Semanas atrás os autores de um artigo publicado na Nature em 2000 pediram retratação do artigo. Traduzindo: “Sabe aquele trabalho que a gente fez em 2000? Esquece. Finge que não aconteceu”.

A Fraude

O trabalho liderado pelo sulcoreano Hyun Chul Lee consistia em um tratamento para a diabetes tipo 1, doença em que o sistema imune do corpo acaba destruindo as células produtoras de insulina. O tratamento seria feito pela introdução de um gene da insulina, usando um vírus (terapia gênica), em algumas células que passariam a produzir a insulina. Isto tudo em ratos e camundongos, mas com grandes esperanças de funcionar em humanos.

Muito interessante, com resultados claros de melhora, mas ninguém mais conseguiu repetir o resultado. Nem mesmo os próprios autores, que pressionados, pediram a retratação do artigo. Praticamente um atestado de fraude.

A faculdade sulcoreana Yonsei, responsável pelo laboratório, abriu investigação e acabou pedindo a retratação, já que constatou duplicação de figuras e não encontrou o gene usado no trabalho. Foram analisados cadernos de anotações e teses relacionadas ao trabalho. E é aqui que aparece a maior fraqueza da pesquisa científica: maquiagem de dados.

Afinal, se toda pesquisa é inédita e ninguém sabe o resultado que terá, se um pesquisador traquinas inventar um resultado, editar uma figura, mudar uma tabela, como saberemos que se trata de farsa?

Mais casos de fraude:

detetive cientifico.JPG

O mais famoso foi o da fusão a frio: Em 1989 dois físicos químicos anunciam o sonho da humanidade, a fusão a frio, que seria um modo de fazer energia quase ilimitada e limpa. Provou-se manipulação de dados entre outras imposturas científicas.

Células-tronco humanas clonadas: o caso do sulcoreano Woo Suk Hwang ficou famoso a alguns anos por estar na moda. Alegou ter clonado células-tronco humanas, coisa que se tentava fazer a algum tempo já. Provou-se que além de maquiar dados ele ainda usou óvulos humanos doados por membros de seu grupo de pesquisa. Isso incorre em problemas éticos, pois não há como saber se a orientada do professor não foi forçada a doar os óvulos.

Onde surge a verdade

Mas aqui, na fraqueza, surge também a força da ciência. Porque se um resultado aparece isolado e não pode ser reproduzido, este é o fim da linha para ele. Pode até render uma publicação na Nature, mas nunca vai se tornar um tratamento, uma tecnologia, ou algo a ser utilizado e lembrado realmente.

Existe este auto-controle científico, o que não justifica o aparecimento de fraudes. Afinal grande parte das pesquisas é feita com dinheiro público. No caso das fraudes das células-tronco e da fusão a frio, milhões foram investidos. Claro que uma minoria das pesquisas, mesmo as bem feitas, realmente dá um resultado positivo e relevante, afinal é como dizem, em pesquisa 90% do tempo é para 10% dos resultados. Agora, perder dinheiro com pesquisas falsas e enviesadas para a glória de um país ou pesquisador é algo inaceitável.


Como controlar?

Alguns controles são feitos. Algumas publicações, como Science e principalmente o The Journal of Cell Biology passam as imagens que recebem dos autores para publicação por uma análise, como exemplificada nesta imagem abaixo do trabalho de Hwang.

celula tronco farsa.gif

Legenda da imagem: Acima está a imagem original enviada e publicada, que representaria diferentes culturas de células. Abaixo um pequeno ajuste no photoshop revela qua as duas imagens do meio são iguais e foram repetidas.

A Nature usa o método de amostragem, escolhendo um trabalho por edição para o pente fino. Os críticos deste método preferem chamá-lo de roleta russa.

A mesma Science ficou traumatizada com o caso Huang e após deliberações adotou uma rotina de dar atenção maior a trabalhos “arriscados”. Seria uma classificação pelo nível de impacto popular de cada trabalho, presença de resultados contra-intuitivos ou inesperados, ou que tocam questões políticas controversas. Estes seriam os que passariam por um escrutínio maior.

Ideal seria devassar ao máximo todos os trabalhos, mas parece ser algo impraticável.

Quanto mais travas de segurança houver, desde que não atravanquem o pesquisador com burocracia, melhor investido será o nosso dinheiro.

Quanto à construção do conhecimento científico podemos ficar tranqüilos, os charlatões sempre terão seus castelos de carta derrubados pelos tijolos dos fatos, cedo ou tarde.