Álvaro Vieira Pinto: ciência e superação do subdesenvolvimento (II)

Créditos: Flickr - Interior de um computador quântico.

Por: Leonardo Dias Nunes

Esta é a segunda parte do artigo Álvaro Vieira Pinto: Ciência para a superação do subdesenvolvimento. Para acessar a primeira parte, clique aqui.

1. Consciência, ideologia, projeto e desenvolvimento nacional

Álvaro Vieira Pinto, na obra Ideologia e desenvolvimento nacional [1], publicada em 1956, observava o aumento do número de pessoas que buscavam formação universitária devido à transformação estrutural que ocorria no Brasil. Diante da aquisição de conhecimentos mais complexos, parte da população brasileira se tornava consciente da diferença do nível de desenvolvimento existente entre a economia subdesenvolvida do Brasil e as outras economias desenvolvidas. Para o autor, na medida em que essas pessoas tomavam a consciência dessa diferença, surgia a possibilidade da criação de uma ideologia popular de desenvolvimento nacional.

Para Álvaro Vieira Pinto, a ideologia estava fundamentada na forma como os integrantes de uma nação se compreendiam e como eles buscavam transformar a própria existência material. Para que essa transformação ocorresse, seria necessária a criação de um projeto de desenvolvimento nacional com finalidades, metas e etapas. Ao ser colocado em execução, o projeto se tornaria um processo histórico realizador do desenvolvimento nacional. Por fim, diante da dinâmica histórica presente nessa interpretação, o ciclo deveria ser avaliado e corrigido de acordo com novas finalidades que surgiriam com o passar do tempo.

Dessa forma sucinta apresentamos a relação existente entre a tomada de consciência da realidade nacional, a criação de uma ideologia, a elaboração de um projeto e o desenvolvimento nacional. No livro Consciência e realidade nacional [2], publicado em 1960, Álvaro Vieira Pinto continuou a desenvolver argumentos sobre o desenvolvimento nacional. Nessa obra, o autor mostrou que não desprezava a contradição existente entre o capital e o trabalho, pois entendia que existia uma pluralidade de contradições na sociedade. Por isso, afirmava ser necessário diagnosticar corretamente a contradição principal de um determinado tempo histórico e, para ele, a principal contradição de seu tempo era aquela fundada na dominação dos países subdesenvolvidos pelos países desenvolvidos. Essa relação de domínio estava assentada nas práticas imperialistas que subordinavam as economias subdesenvolvidas. Ao observar essa realidade, o autor afirmava ser necessária a criação de práticas nacionalistas para a superação dessa contradição.

O autor argumentava que nos países subdesenvolvidos existia uma limitação da técnica existente para a apreensão e a resolução dos problemas presentes na sociedade. A superação dessa limitação ocorreria com a acumulação qualitativa de trabalho na sociedade, que também pode ser entendida como a acumulação social de trabalho complexo. É assim que o conhecimento científico entra na argumentação do autor, pois a criação desse tipo de conhecimento é a mais complexa atividade que o homem pode realizar, além de ser esse conhecimento que possibilitaria a superação do subdesenvolvimento.

2. A pesquisa científica e suas contradições

Como o conhecimento científico é produzido através da prática da pesquisa científica, Álvaro Vieira Pinto caracterizou essa prática no livro Ciência e existência [3], publicado em 1969. Para o autor, a pesquisa científica deveria ser entendida como uma experimentação possuidora de finalidade, realizada de acordo com as necessidades sociais, produzida de forma coletiva e qualificada como um produto do trabalho humano. Ao compreender a pesquisa científica dessa forma, surgia a possibilidade de problematizar melhor o caráter, os limites e os resultados do trabalho do homem de ciência no país subdesenvolvido. Essa problematização foi apresentada através de quatro contradições existentes na prática da pesquisa científica.

A primeira contradição que o homem de ciência possui no país subdesenvolvido é a de possuir o treinamento para resolver problemas que não recebem financiamento para serem resolvidos. Essa situação, muitas vezes, pode criar no pesquisador sentimentos relacionados com a frustração, a fuga, a alienação e a renúncia. Mas, o autor sugeria que o pesquisador não deixasse de lutar pelo desenvolvimento nacional e que não deixasse de aceitar a realidade nacional tal qual ela era, pois somente a partir dessa aceitação que se poderia criar projetos de transformação exequíveis.

A segunda contradição estava relacionada à compreensão da diferença entre o trabalho repetitivo e o trabalho inventivo existente na prática da pesquisa científica. Por um lado, no trabalho científico repetitivo, o pesquisador tem a técnica de fazer bem-feito aquilo que deve ser feito. Por outro lado, no trabalho científico inventivo, o pesquisador precisa usar a sua técnica para criar o novo. Essa atividade é entendida como revolucionária e criadora de novas contradições. Um exemplo pode nos ajudar a compreender essa diferença nos dias de hoje: um grupo de pesquisa especializado na produção de uma vacina criada na década de 1950 possui um conhecimento estabelecido há muito tempo. Já um grupo de pesquisa estabelecido para a produção da vacina da covid-19 teve que criar um conhecimento que ainda não existia. O primeiro grupo pode ser entendido como possuidor de um conhecimento repetitivo. O segundo grupo pode ser entendido como possuidor de um conhecimento inventivo.

A terceira contradição estava relacionada aos instrumentos culturais utilizados na pesquisa científica. Esses instrumentos são 1) as ideias recebidas de gerações passadas, 2) os livros e os laboratórios que são entendidos como ideais materializadas e 3) as instalações, as instituições e o regime social de trabalho.

Como já foi dito acima, o conhecimento científico é o que de mais complexo o homem pode criar, consequentemente, seu custo financeiro é alto. Logo, as diferenças econômicas entre os países, levam à concentração do conhecimento científico e à existência de melhores condições de pesquisa nos países mais ricos. Dessa afirmação, surge outra, originada por consequência lógica, a de que os países desenvolvidos possuem melhores instrumentos culturais. Para o autor, através da sedução dos pesquisadores de países subdesenvolvidos com ideias, materiais, assuntos e problemas levantados em países desenvolvidos caminhava-se para a aceitação de ideias falsas sobre a realidade dos países subdesenvolvidos.

Ao apresentar a quarta contradição, Álvaro Vieira Pinto afirmava que, nos países subdesenvolvidos, os centros de pesquisa absorviam profissionais sem a autêntica capacidade para a prática científica, pois muitos buscavam apenas o destaque social exigido no âmbito familiar, fato que acarretava ineficiência a essas instituições. Entretanto, tal problema só poderia ser reparado com a transformação total da sociedade em que tais centros estavam inseridos.

Diante dessas contradições existentes na prática científica de países subdesenvolvidos, Álvaro Vieira Pinto argumentava que a condução de pesquisas científicas deveria ser feita por pesquisadores possuidores de consciência crítica orientada pela totalidade, humildade, aceitação da realidade e negação da sedução alienadora. Para o autor, na “(…) escolha entre a atitude de aceitação da alienação ou de luta em favor da desalienação define-se a personalidade existencial do trabalhador científico” [4].

3. Considerações finais

As reflexões de Álvaro Vieira Pinto sobre as relações entre a produção de conhecimento científico e a possibilidade de superação do subdesenvolvimento fazem parte de um período histórico em que parte da sociedade brasileira debatia e se organizava para buscar a construção de projetos e a execução de políticas para a superação do subdesenvolvimento. Contemporaneamente, essa discussão está em um nível inferior e a possibilidade de superação do subdesenvolvimento encontra-se mais distante e, para alguns intérpretes, hoje há uma impossibilidade dessa superação. Entretanto, a obra de Álvaro Vieira Pinto merece ser lida para que tenhamos a possibilidade de conhecer o pensamento de um autor que foi banido do debate intelectual brasileiro e para que reflitamos sobre a necessidade e as condições de financiamento da produção de conhecimento científico orientado para a resolução dos problemas materiais da sociedade brasileira.

4. Referências

[1] PINTO, Á. V. Ideologia e desenvolvimento nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: ISEB, 1959.

[2] PINTO, Á. V. P. Consciência e realidade nacional: volume I: a consciência ingênua. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020.

[3] PINTO, Á. V. Ciência e existência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

[4] (PINTO, 1969, p.350).

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