Por: Leonardo Dias Nunes
I. Introdução
O artigo relaciona os espetáculos teatrais Ópera febril e Três pratos de trigo para três palhaces tristes [1] com pesquisas realizadas na área das ciências sociais [2]. Enfatiza-se que este tipo de relação auxilia as estudantes e os estudantes de graduação a enriquecerem e consolidarem os conhecimentos adquiridos nas aulas e leituras. Para tanto, o artigo foi dividido nas seguintes seções além dessa introdução. A segunda seção discorre sobre o espetáculo Ópera febril [3]. A terceira seção discorre sobre a precarização das condições de trabalho apresentada no espetáculo Três pratos de trigo para três palhaces tristes [4]. Por fim, nas considerações finais são relacionados os temas abordados nos espetáculos teatrais com pesquisas e debates recentes sobre as transformações do capitalismo contemporâneo e do mundo do trabalho.
II. Da indústria têxtil do século XX às condições de trabalho no século XXI
O espetáculo Ópera febril parte da pesquisa histórica sobre as condições de trabalho e sociabilidade existentes na Tecelagem Parahyba – indústria têxtil inaugurada em 1925 e localizada na cidade de São José dos Campos – e chega nas condições de trabalho precarizado do mundo contemporâneo.
Com uma pesquisa feita no Arquivo Público de São José dos Campos, a peça mostra documentos históricos que evidenciam os procedimentos de seleção, controle e avaliação do trabalho realizados na tecelagem. Assim, são observadas as técnicas utilizadas pelo capital para controlar e organizar o trabalho após a terceira década do século XX.
Ao longo de um espetáculo em que os sons, a música e o controle do tempo e dos movimentos se misturam, é evidenciada outra característica daquela recente sociedade urbana e industrial joseense e que ainda é mantida nos dias de hoje: apenas as mulheres realizam o trabalho reprodutivo. Além disso, é apresentada a atual necessidade do uso de medicamentos para manter o desempenho no trabalho.
Quando o espetáculo Ópera febril passa a apresentar uma crítica às condições de trabalho no capitalismo contemporâneo, os problemas da indústria têxtil são substituídos por um problema de ordem global: a precarização do trabalho causada pela nova revolução industrial e sintetizada no conceito de uberização do trabalho [5]. Nesse momento, a última reforma trabalhista realizada pelo presidente Michel Temer é criticada, mostrando que não são apenas os motoristas e entregadores de aplicativo que sofrem com a uberização, mas também atrizes e atores – e porque não dizer professoras e professores. Antes das luzes se apagarem, de forma muito perspicaz, é sugerido que os avanços relacionados à inteligência artificial podem precarizar ainda mais as condições de trabalho no meio artístico.
III. O avesso da palhaçaria: a condição do artista na sociedade do desempenho
No espetáculo Três pratos de trigo para três palhaces tristes são apresentadas as condições precárias de vida e de trabalho de dois palhaços e uma palhaça. O espetáculo se passa no camarim em que o trio se prepara para trabalhar e posteriormente volta para descansar. Nesse local em que não chega a luz dos holofotes, o trio reproduz o rotineiro ciclo de trabalho: dormir, acordar, vestir-se para o espetáculo, trabalhar, machucar-se, desvestir-se, comer, dormir. Até o momento em que se deparam com um certo tipo de escassez. E como o trio lida com a escassez? Na peça foi adotado um procedimento fantástico para solucionar o problema. Assim, o sufocante ciclo do trabalho repetitivo foi superado, recuperando a fantasia existente na profissão.
Três pratos de trigo para três palhaces tristes apresenta a tristeza causada pela precarização do trabalho daquelas pessoas que escolheram trabalhar com a arte de fazer rir. Mesmo para fazer rir é preciso ter condições materiais mínimas e, na ausência destas condições, como tratar das lesões musculares, ortopédicas, vocais e estomacais? Como criar histórias e personagens? Diante dessa conjuntura, nos camarins do século XXI, os palhaços sofrem com a intensificação da precarização do trabalho.
IV. Considerações finais
As apresentações dos espetáculos Ópera febril e Três pratos de trigo para três palhaces tristes ocorreram no Teatro Marcelo Denny, em São José dos Campos, no final de semana após o término do 48° Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS), realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre os dias 23 e 25 de outubro de 2024.
Os temas tratados nos espetáculos em destaque dialogam diretamente com os resultados de pesquisas apresentados na ANPOCS. Como exemplo podem ser citadas as pesquisas de Elide Rugai Bastos [6] sobre o pensamento conservador no Brasil, de Lena Lavinas [7] e Isadora de Andrade Guerreiro [8] sobre as consequências sociais da financeirização da riqueza, de Ricardo Antunes [9] sobre a precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo e, por fim, de Sérgio Amadeu da Silveira [10] e Rafael de Almeida Evangelista [11] sobre as consequências sociais do uso da inteligência artificial.
Enfim, a realização dos dois eventos citados não está relacionada. Um é artístico e o outro é científico. Entretanto, eles foram colocados lado a lado nesse artigo porque os dois espetáculos teatrais apresentam com beleza e crítica alguns dos complexos problemas que os investigadores do mundo do trabalho buscam compreender, quais sejam, terceirização, precarização, uberização, plataformização, enfraquecimento dos sindicatos e consequências sociais do uso da inteligência artificial. Assim, lado a lado, arte e ciência ajudam a compreender criticamente os problemas contemporâneos.
Créditos da imagem que ilustra o artigo: Caren Ruaro em Ópera febril – acervo pessoal do autor.
Notas
[1] Os dois espetáculos foram apresentados na 12ª Mostra de Teatro da Rua Eliza. Mais informações podem ser encontradas aqui.
[2] As pesquisadoras e pesquisadores citados no artigo fizeram apresentações de trabalhos no 48° Encontro Anual da Associação Anual da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS). Mais informações sobre o evento podem ser encontradas aqui.
[3] Ópera febril – Cia do Trailler – Teatro em Movimento (São José dos Campos – SP).
[4] Três pratos de trigo para três palhaces tristes – Trupe Tópatu (São Carlos – SP).
[5] Para mais informações sobre a uberização do trabalho, são sugeridos os trabalhos realizados por Ludmila Costhek Abílio.
[6] Elide Rugai Bastos é professora Titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolve pesquisas na área de pensamento social no Brasil e é autora do livro As criaturas de Prometeu. Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. 1ª. ed. São Paulo: Global, 2006.
[7] Lena Lavinas é professora Titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e desenvolve pesquisas sobre os impactos sociais da financeirização. É organizadora do livro Financeirização: crise, estagnação e desigualdade. Editora Contracorrente, 2024; e autora do livro Takeover of social policy by financialization. London: Palgrave Macmillan US, 2017.
[8] Isadora de Andrade Guerreiro é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU) da Universidade de São Paulo (USP) e desenvolve pesquisas sobre a financeirização do espaço urbano.
[9] Ricardo Antunes é professor Titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolve pesquisas sobre as novas feições do mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo e é organizador do livro Icebergs à deriva: o trabalho nas plataformas digitais. Boitempo Editorial, 2023.
[10] Sérgio Amadeu da Silveira é professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), desenvolve pesquisas sobre as consequências sociais da inteligência artificial e é organizador do livro Plataformização, inteligência artificial e soberania de dados. 1. ed. São Paulo: Ação Educativa, 2023.
[11] Rafael de Almeida Evangelista é pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, nessa mesma instituição, é professor do Programa de Pós-graduação em Divulgação Científica e Cultural.
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