Taxa de juros, política fiscal e renda: o modelo IS/LM¹

Por: Ulisses Rubio Urbano da Silva

I. Introdução

A discussão sobre taxa de juros no Brasil tem sido um dos principais temas de macroeconomia desde a implementação do Plano Real. Junto a ela, a política fiscal também foi alçada a um dos principais temas macroeconômicos, desde que o controle rigoroso dos gastos do governo passou a ser a referência para a estabilidade da economia. Ambas, taxa de juros e política fiscal ganharam relevância por serem reguladoras da inflação. Contudo tanto a taxa de juros quanto a política fiscal também afetam a possibilidade de as pessoas terem renda, seja oriunda do trabalho ou de negócios. O modelo IS/LM é um dos modelos mais utilizados para entender as relações entre política fiscal, taxa de juros e renda. Aqui, pretendemos abordar o modelo de forma bastante didática, sem uso de fórmulas ou gráficos, sem nos aprofundarmos na decomposição das variáveis, mas tocando em elementos fundamentais para o entendimento do modelo [2].

O primeiro passo é compreender que a economia de um país (sem considerar sua relação com os demais países) contém dois mercados: o mercado de bens e o mercado monetário. Começaremos pelo mercado de bens, depois falaremos sobre o mercado monetário e, finalmente, juntaremos os dois mercados.

II. O mercado de bens

O mercado de bens é constituído pela soma de todas as transações de bens e serviços, isto é, pela compra e venda de bens e serviços. Por exemplo, quando alguém compra um ventilador: há o vendedor, o comprador e o bem (ventilador). Da mesma maneira seria a contratação de um eletricista para instalar o ventilador comprado: há o vendedor do serviço (o eletricista), o comprador do serviço (proprietário do ventilador) e o serviço em si (a instalação do ventilador). De maneira geral, portanto, toda transação de um bem ou de um serviço contém um vendedor, um comprador e um bem. O mercado de bens é também chamado de lado real da economia.

Quando se considera a economia do país como um todo, falamos em agregados. Isto é, não importa somente a compra de um indivíduo, mas a compra de todos os indivíduos, juntando pessoas, governo e empresas. Todas essas compras, também chamada de demanda agregada, são divididas em: consumo das famílias, consumo do governo e investimentos.

O consumo das famílias é afetado tanto pela renda quanto pela taxa de juros. Quanto à renda, o mecanismo é mais intuitivo: quanto maior a renda, mais compras são realizadas. Neste caso, a relação entre consumo e renda é positiva: se aumenta a renda, aumenta o consumo. O consumo das famílias também é afetado, negativamente, pela taxa de juros. Quanto maior a taxa de juros, menor o consumo das famílias. Isso ocorre sobretudo nos itens de consumo não cíclico. Isto é, aqueles itens que não são comprados regularmente. Em geral são itens de maior durabilidade, como, por exemplo, móveis e eletrodomésticos. Como esses itens são, em sua maioria, pagos de forma parcelada, o aumento da taxa de juros tende a aumentar o valor total do produto, desestimulando o consumo.

A taxa de juros afeta, também negativamente, o investimento. Nesse caso, o motivo é distinto. Para decidir onde investir seu dinheiro, o indivíduo (pessoa ou empresa) vai analisar quais opções ele tem. Uma das opções sempre possível é comprar títulos que pagam a taxa básica de juros. Se essa taxa estiver muito alta, o indivíduo tende optar pela compra de títulos, deixando de investir. Assim, o aumento da taxa de juros causa uma diminuição do investimento, em termos agregados, da economia.

Toda essa demanda, composta por consumo das famílias, consumo do governo e investimento, para ser realizada, precisa encontrar produtores que vendam os produtos e serviços desejados. Então, para que a demanda agregada se realize é preciso ter a oferta agregada. Essa é feita por três setores: indústria, serviços e agropecuária. Isso é, tudo o que é demandado por famílias, governo e empresários é produzido pelos setores indústria, serviços e agropecuária.

Temos, então, o mercado de bens, composto pela oferta agregada e pela demanda agregada. Vejamos, em complemento, o mercado monetário.

III. Mercado monetário

O mercado monetário é derivado de uma contrapartida ao mercado de bens. Isto é, para que exista uma transação comercial, é necessária a existência da moeda (dinheiro). Então, toda vez que há transação de um bem ou serviço há também uma transação de moeda. O bem sai da mão do vendedor e é levado ao comprador; o dinheiro sai da posse do comprador e é levado ao vendedor. Contudo, o dinheiro (a moeda) não é utilizado apenas para transações comerciais. A moeda é utilizada também como reserva de valor, isto é, como uma forma de preservar a riqueza de quem a detém. Nesse sentido, a moeda é um ativo, como qualquer outro.

Um ativo é algo utilizado com o intuito de preservar a riqueza. Mas ele também é utilizado como tentativa para expandir a riqueza de quem o detém. Por exemplo, uma pessoa pode avaliar que, comprando um terreno hoje e vendendo esse mesmo terreno daqui a um ano, ela ganhará mais do que mantendo seu dinheiro na poupança. Nesse caso, o terreno é um ativo. De maneira semelhante, analistas superbem formados podem entender que usar o dinheiro para comprar ações da Americanas vai gerar mais dinheiro, em um ano, do que utilizar esse mesmo dinheiro para ter a casa própria. Como consequência, você deveria vender sua casa, comprar ações da Americanas e pagar aluguel. Obviamente que essa expectativa pode ser frustrada. Por ser tratar apenas de uma expectativa, dizemos que a compra desses ativos (tanto o terreno quanto as ações da Americanas) ocorreu por motivo de especulação.

A moeda também é utilizada como um ativo. Isto ocorre sobretudo em momentos de crise econômica. Em cenários assim os investidores ficam receosos quanto a perspectiva de retorno sobre seus investimentos. Isto é, quem investe tem a esperança de recuperar o valor investido e receber algo a mais. Se há um investimento de R$10.000,00 hoje, é esperado que, após um certo período de tempo, o investidor recupere esse valor e ainda ganhe mais, por exemplo, R$1.500,00. Assim, os R$10.000,00 se tornariam R$11.500,00. Num cenário de crise econômica os investidores temem que isso não ocorra. Afinal, se há muito desemprego, se há negócios falindo, quem vai comprar o suficiente para garantir que a expectativa do investidor, de ganhar mais dinheiro, seja realizada de fato? Então, em cenários de crise econômica, quem detém riqueza tende a mantê-la em forma de moeda (dinheiro) para não correr o risco de investir em algo que gere perda de dinheiro.

Portanto, a moeda pode ser utilizada como meio de troca (quando é utilizada com contrapartida a transações de bens e/ou serviços) ou como um ativo (para preservar o valor da riqueza). Quem deseja moeda para utilizar como meio de troca, realiza uma demanda por moeda por motivo transação. Quem deseja moeda para utilizar como reserva de valor, realiza uma demanda por moeda por motivo especulação.

A demanda por moeda por motivo transação é determinada positivamente pela renda: quanto mais se tem dinheiro, mais produtos são comprados e maior a quantidade de moeda necessária para realizar compras. A demanda por moeda por motivo especulação é determinada negativamente pela taxa de juros: quanto maior a taxa de juros, maior a tendência de os investidores optarem por comprar títulos que rendam os juros em vez de manter sua riqueza em dinheiro. Em síntese, quanto maior a renda, maior a demanda por moeda. Quanto maior a taxa de juros, menor a demanda por moeda.

A demanda total de moeda é formada por demanda por moeda por motivo transação e demanda por moeda por motivo especulação [3]. Por outro lado, a oferta de moeda é decidida pela autoridade monetária, que, no caso do Brasil, é o Banco Central. Assim temos, então, o mercado monetário. No mercado monetário, o preço do dinheiro é a taxa de juros. E essa taxa de juros é determinada pela oferta e demanda por moeda. Por exemplo, se a demanda por moeda se torna maior que a oferta de moeda, a taxa de juros tende a aumentar, pois isso diminui a demanda por moeda (através da redução da demanda por moeda por motivo especulação) de modo a torná-la compatível com a oferta de moeda.

Resta-nos, agora, ver como interagem o mercado monetário e o mercado de bens através da taxa de juros. Faremos isso através de dois exemplos. No primeiro exemplo, partiremos de alterações no mercado de bens. No segundo exemplo, partiremos de alterações no mercado monetário.

IV. Interações entre mercado de bens e mercado monetário

Suponhamos que o governo decida fazer uma política fiscal expansionista, isto é, uma política com a intenção de ampliar a renda do país. Para isso, o governo escolhe ampliar o seu consumo. Como o consumo do governo é parte da demanda agregada, então essa também é aumentada. Considerando um cenário de PIB abaixo do PIB potencial, o aumento da demanda agregada é correspondido, em mesmo montante, pelo aumento da oferta agregada. Como isso, há o aumento da renda. Se considerássemos somente o mercado de bens, isso seria todo o efeito. Contudo, há também o mercado monetário.

O aumento da renda provoca um aumento da demanda por moeda (por motivo transação). Considerando que a autoridade monetária mantenha a quantidade de moeda ofertada, o aumento da demanda por moeda ocasiona aumento da taxa de juros. Mas uma alta na taxa de juros gera redução tanto no consumo das famílias quanto nos investimentos.

Em síntese, temos, pelo lado do mercado de bens, um aumento da renda provocado pelo aumento do consumo do governo. Mas também temos a redução da renda provocada, pelo lado do mercado monetário, pela elevação na taxa de juros. O resultado disso depende do quanto o consumo e o investimento estão sensíveis ao aumento na taxa de juros. Contudo, a tendência é a de que a renda fique maior e a taxa de juros também.

Como um segundo exemplo, suponhamos que o Banco Central decida ampliar a oferta monetária. Em um primeiro momento, o aumento da oferta monetária, permanecendo a demanda constante, provoca redução na taxa de juros. Diante disso, há efeitos no mercado de bens. A redução na taxa de juros promove aumento no consumo das famílias e nos investimentos. Como consumo e investimento são itens da demanda agregada, essa também cresce. Havendo capacidade produtiva ociosa, o aumento da demanda agregada é correspondido por um aumento na oferta agregada, gerando um aumento na renda. Por consequência ao aumento da renda ocorre um aumento na demanda por moeda (por motivo transação), ocasionando aumento da taxa de juros.

Em síntese, temos redução da taxa de juros provocada pelo lado monetário, através do aumento de oferta de moeda. Por outro lado, temos aumento da taxa de juros originado de um efeito no mercado de bens: o aumento da renda gerou mais transações comerciais e isso ampliou a demanda por moeda (por motivo transação). Novamente, o resultado final depende do quanto consumo e investimento estão sensíveis aos juros. Contudo, a tendência, nesse caso, é haver aumento na renda e redução na taxa de juros.

Concluindo, o modelo IS/LM apresenta as interações entre o mercado de bens e o mercado monetário, permitindo acompanhar a sequência de efeitos de um acontecimento originado em um dos mercados e qual o resultado final na renda do país e na taxa de juros.

Créditos da imagem que ilustra o artigo: Livros de macroeconomia e cédulas de diferentes economias nacionais. Acervo pessoal de Leonardo Dias Nunes.

Notas

[1] O professor Ulisses Rubio Urbano da Silva agradece às turmas dos cursos de Agronomia e Zootecnia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) para as quais ministrou a disciplina de Economia no ano de 2024.

[2] Para mais informações sobre o modelo IS-LM, ver: HICKS, J. R. O sr. Keynes e os clássicos: uma sugestão de interpretação. In: CARNEIRO, R. (Org.). Os clássicos da economia. 1. ed. São Paulo: Editora Ática, 2003. v. 2. p. 143–159; HICKS, J. R. IS-LM: uma explicação. In: CARNEIRO, R. (Org.). Os clássicos da economia. 1. ed. São Paulo: Editora Ática, 2003. v. 2. p. 159–174.

[3] Em verdade, há também a demanda por moeda por motivo precaução. Contudo, como esta também é determinada pela renda total, preferimos aqui não abordá-la. Assim, podemos simplificar a explicação sem, contudo, prejudicar o raciocínio aqui proposto.

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