Progresso e desenvolvimento em resenha: uma coletânea

Por: Leonardo Dias Nunes

I. Introdução

O artigo organiza e apresenta um conjunto de textos que refletem sobre as condições de possibilidade do desenvolvimento capitalista no Brasil desde meados da década de 1950 até os dias atuais. Para tanto, além desta introdução, na segunda seção foram apresentados os critérios de organização da coletânea. Na terceira, cada texto foi apresentado resumidamente. Por fim, na quarta, foram apresentadas as considerações finais e os objetivos futuros do estudo e da pesquisa em torno da temática do desenvolvimento capitalista no Brasil.

2. A organização

A coletânea Progresso e desenvolvimento em resenha está organizada de acordo com três vetores de interpretação: a possibilidade do desenvolvimento capitalista no Brasil, a impossibilidade desse desenvolvimento e a busca por algum tipo de transição em relação a este modo de produção. Com essa organização, busquei simplificar um debate que se apresenta de forma muito mais complexa na área de pesquisa sobre o desenvolvimento econômico [1].

Os vetores possibilidade-impossibilidade-transição são fruto de um diálogo estabelecido com três estudiosos deste tema, que geralmente não são colocados em diálogo devido as suas diferenças teóricas. Assim, simultaneamente, dialoguei com Álvaro Vieira Pinto, autor que refletiu sobre as condições de possibilidade do desenvolvimento capitalista no Brasil durante a segunda metade do século XX [2]. Com Paulo Arantes, já na segunda década do século XXI, aprendi sobre o novo tempo do mundo, a crise do progresso e as características de um tempo histórico que é marcado pelas expectativas decrescentes em relação ao futuro. Assim, os argumentos desse filósofo fundamentam uma certa visão sobre a impossibilidade do desenvolvimento nacional na contemporaneidade [3]. Por fim, também na segunda década do século XXI, o diálogo com Enrique Dussel me mostrou a necessidade de se refletir sobre uma longa transição para um novo modo de produção da vida. Diante das crises que surgem no mundo contemporâneo, o filósofo argentino iniciou uma reflexão sobre um novo modo de vida, dado que, de acordo com a sua análise, o modo de produção capitalista já não consegue esconder os limites de suas características democráticas e liberais [4].

III. As partes

A coletânea Progresso e desenvolvimento em resenha é um mosaico, uma certa bricolagem. Procurei organizá-la didaticamente e, por ter pesquisado a economia brasileira de meados do século XX no meu período de pós-graduação, destaquei que uma certa noção de progresso e de desenvolvimento econômico já não existem mais. Abaixo apresento sucintamente cada texto da coletânea.

O artigo As principais dimensões da noção de progresso de JK reconstituiu as dimensões da noção de progresso utilizada por Juscelino Kubitschek nos Discursos e nas Mensagens ao Congresso Nacional. Destaquei que essa noção expressava a busca, no Brasil, pela consolidação do padrão de vida resultante das transformações decorrentes da Segunda Revolução Industrial. Para tanto, o artigo apresentou as principais dimensões da noção de progresso de Juscelino Kubitschek, quais sejam, as médico-sanitárias, educacionais, científicas, industriais e regionais. Por fim, observei que o período em análise era a expressão de um horizonte de expectativa positivo em relação ao futuro.

Em Pensadores necessários para compreender o Brasil resenhei um livro que organizou uma coletânea de artigos sobre a vida e a obra de intérpretes do Brasil que publicaram suas principais obras durante o século XX, período de transformações estruturais e tensões sociais devido ao intenso desenvolvimento capitalista no Brasil.

Ao resenhar o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém evidenciei, de acordo com Paulo Nogueira Batista Jr., que o Brasil é grande demais para ser coadjuvante na economia mundial. O autor fez uma crítica aos economistas aculturados que aceitam os interesses das nações centrais nas instituições multilaterais para ganhar uma vida financeiramente confortável e o título para participar de um clube enquanto integrantes de segunda classe. Seu testemunho revela as práticas das instituições orientadas pela teoria econômica ortodoxa e, não menos importante, mostra como aqueles que dizem possuir a neutralidade da técnica são dominados por profundos interesses políticos nacionais.

Já no livro O colapso do figurino francês: crítica às ciências sociais no Brasil, resenhado com Fabio Padua dos Santos, apresentamos a obra de Nildo Ouriques que contém ensaios críticos às ciências sociais no Brasil. O figurino francês é a metáfora que estabelece a crítica à escola de sociologia da Universidade de São Paulo, instituição em que foi elaborado um pensamento essencialmente eurocêntrico, colonizado e academicista que, ao promover o desenraizamento teórico, fez com que a academia brasileira evitasse o tema do nacionalismo, colocando-se de costas para a nação e, sobretudo, não reconhecendo importantes contribuições teóricas latino-americanas.

Em Limites e contradições dos governos de esquerda no Brasil do século XXI busquei compreender a complexa realidade que emergia na sociedade brasileira no início do século XXI. Foram resenhados três livros. O primeiro, The Takeover of Social Policy by Financialization: The Brazilian Paradox, de Lena Lavinas. O segundo, Só mais um esforço, de Vladimir Safatle. E o terceiro, Caminhos da esquerda: Elementos para uma reconstrução, de Ruy Fausto. A análise desses livros tornou familiar ao leitor os debates em torno dos avanços, das limitações e dos paradoxos do modelo de desenvolvimento realizado pelos governos de Luíz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, assim como contextualizou as origens e os desdobramentos da atual crise e as possibilidades de superação existentes no cenário atual.

Em A fratura brasileira do mundo mostrei como Paulo Arantes relacionou a crise aberta após a década de 1970 com a atual impossibilidade de superação do subdesenvolvimento e com o fim da tradição crítica brasileira. A crise econômica iniciada na década de 1970 acelerou os processos de mundialização do capital e de transnacionalização da classe capitalista, gerando sociedades cada vez mais desiguais. Nessa conjuntura histórica, o Estado de bem-estar social na Europa e o Estado desenvolvimentista na América Latina desmoronaram. Com o fim do mundo criado no pós-guerra, originou-se um outro cujas relações políticas, econômicas e sociais não são passíveis de compreensão a partir de conceitos e categorias criados no século XX.

Em Imperialismo e empresa estatal no capitalismo dependente brasileiro (1956-1998) apresentei a análise da ação do imperialismo norte-americano e suas relações com as metamorfoses do desenvolvimento capitalista no Brasil na segunda metade do século XX. Diferentemente de conhecidas interpretações, Rodrigues demonstra que o neoliberalismo no Brasil não foi tardio, pois iniciou-se no princípio da década de 1980, momento em que a economia brasileira se adequava à nova conjuntura do imperialismo, caracterizada pela transição para a internacionalização financeira. Rodrigues contribui para uma maior compreensão dessa sociedade cujo Estado nacional orientou a ação de suas empresas de acordo com os interesses das empresas multinacionais que se instalaram no Brasil durante o processo de internacionalização produtiva e, posteriormente, de acordo com os interesses do capital internacional no processo de internacionalização financeira.

Em A (des)construção histórico filosófica de Enrique Dussel, escrita com Robson Gabioneta, buscamos publicizar uma das muitas obras do filósofo argentino Enrique Dussel. O autor realiza uma história política mundial muito mais complexa do que aquela que propõe o milagre grego e sua suposta continuidade histórica. Dussel apresenta autores que escrevem em espanhol e em português, colocando-os no patamar de igualdade com outros conhecidos autores europeus. Assim, o autor foi além de mostrar a importância dos autores de origem ibérica, realçando a necessidade da realização de um diálogo destes com os já conhecidos autores do norte da Europa.

Na resenha de Territórios em rebeldia escrevi sobre um livro que traz uma coletânea de artigos sobre a luta das comunidades latino-americanas que resistem às investidas do capital no século XXI e buscam construir novos mundos. Seus artigos apresentam uma temática variada, tais como o Estado de exceção como forma de dominação no capitalismo contemporâneo, a busca por um novo modelo de sociedade, a vida e a luta na condição antissistêmica e as contradições dos governos progressistas latino-americanos. Zibech argumenta que para construir um novo mundo é necessário lidar com as múltiplas dimensões da crise contemporânea que se manifestam em guerras, fome, polarização política e desemprego. Esse processo possui muitos improvisos, pois são urgentes os problemas que surgem e devem ser resolvidos, por exemplo, em um bairro popular. Territórios em Rebeldia difunde as práticas e os conhecimentos das classes populares que lutam com esperança para construir novos mundos. Enfim, é um livro que aponta para os limites das promessas de reforma social realizadas pelos governos progressistas latino-americanos e para a paralisia crítica existente diante da atual impossibilidade de superar o capital.

Por fim, no ensaio-epílogo As crises conexas do capitalismo contemporâneo, versão ampliada e modificada do artigo publicado no Blog Sobre Economia, sistematizei a leitura de um conjunto de obras que versam sobre a atual crise do capitalismo contemporâneo. Diante desse conjunto de crises e da ausência de soluções na atual conjuntura histórica, me pareceu razoável ensaiar sobre o tema, com toda a liberdade que o gênero ensaio possibilita.

IV. Considerações finais: os vetores de interpretação e uma coleção imaginada

Como foi afirmado anteriormente, o artigo, as resenhas e o ensaio-epílogo fazem parte de um mosaico individual, uma bricolagem que trata das condições de possibilidade do desenvolvimento econômico no Brasil. A coletânea apresenta três vetores de intepretação do desenvolvimento capitalista – possibilidade-impossibilidade-transição –, uma síntese útil que se propõe a auxiliar na apreensão da complexidade da sociedade brasileira.

Além disso, a coletânea Progresso e desenvolvimento em resenha busca contribuir para a seção brasileira, ou até mesmo latino-americana, de uma coleção imaginada cujo título provisório é: Grandes livros da crise do mundo ocidental [5]. Tal crise muitas vezes é definida por europeus e norte-americanos como sendo a crise de todo o mundo. Certamente é uma afirmação bastante limitada, pois o mundo oriental cresce e se orienta com outras noções de progresso e desenvolvimento. Entretanto, esse é um assunto para um outro artigo.

Concluo apresentando a hipótese de que ainda não existe um conjunto de referências para compreender o século XXI como talvez tenha existido na segunda metade do século XX. Assim, enquanto essas referências não se consolidam, refletir e difundir críticas sobre o mundo contemporâneo torna-se uma tarefa necessária a ser realizada no Blog Sobre Economia.

V. Referências

[1] Para uma obra clássica sobre esse tema ver: BIELSCHOVSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo. – 4. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. Para uma obra recente sobre esse tema, ver: COSENTINO, Daniel do Val; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado (organizadores). História do pensamento econômico: pensamento econômico brasileiro. Niterói – Eduff; São Paulo: Hucitec, 2019.

[2] PINTO, Álvaro Vieira. Indicações metodológicas para a definição do subdesenvolvimento. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 252–279, 1963. PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e existência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.

[3] ARANTES, Paulo Eduardo. O novo tempo do mundo: e outros ensaios sobre a era da emergência. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014.

[4] DUSSEL, Enrique. Política da libertação 1: história mundial e crítica. Passo Fundo: IFBE, 2014.

[5] A concepção dessa coleção imaginada está relacionada com a coleção Great Books of the Western World cuja apresentação pode ser lida aqui. Um artigo sobre a filosofia da história do editor da coleção pode ser lido em: LACY, T. The lovejovian roots of Adler’s philosophy of history: authority, democracy, irony, and paradox in Britannicas’s Great Books of the Western World. Journal of the History of Ideas, v. 71, n. 1, p. 113–137, 2010.

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